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Saúde divulga nova nota técnica para municiar movimentos antivacina

Em mais um reforço à campanha do presidente Jair Bolsonaro contra a vacinação infantil, o Ministério da Saúde divulgou em seu site, no início da semana, uma extensa nota técnica dedicada unicamente a fornecer argumentos jurídicos para sustentar que a vacinação de crianças não é obrigatória e que cabe aos governos estaduais atuar "na medida de suas competências". 

Em mais um reforço à campanha do presidente Jair Bolsonaro contra a vacinação infantil, o Ministério da Saúde divulgou em seu site, no início da semana, uma extensa nota técnica dedicada unicamente a fornecer argumentos jurídicos para sustentar que a vacinação de crianças não é obrigatória e que cabe aos governos estaduais atuar “na medida de suas competências”.

A nota assinada pela secretária extraordinária de Enfrentamento à Covid-19, Rosana Melo, e pelo diretor de programa Danilo de Souza Vasconcelos, causou perplexidade e indignação na comunidade científica, que a considerou mais uma tentativa deliberada de desencorajar pais e mães a vacinarem seus filhos – e de tranquilizar apoiadores do presidente Jair Bolsonaro bolsonaristas que temem sanções, como o veto a matrículas escolares.

Um dos argumentos usados na nota é que a vacina contra a Covid não é obrigatória porque foi incluída no Plano Nacional de Operacionalização (PNO) da vacinação contra o coronavírus, e não no Programa Nacional de Imunizações (PNI), eixo central das campanhas no país.

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O argumento é o mesmo utilizado pela Associação Médicos pela Vida, que defende remédios ineficazes contra a Covid-19, numa nota divulgada ao público em 12 de janeiro.

Por lei, todas as vacinas do PNI devem ser obrigatórias, e os pais que não imunizarem seus filhos segundo a previsão do PNI podem sofrer sanções, inclusive sob a previsão do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

O plano de operacionalização foi criado para dar suporte técnico ao PNI. Mas, na nota, Secovid faz um contorcionismo retórico para sustentar que ele não faz parte do programa de imunização, porque hoje ele está subordinado à secretaria.

O documento afirma que PNO é um programa distinto do PNI não se submete às mesmas obrigações legais.

Esse entendimento é contestado por autoridades no tema como Carla Domingues, que foi coordenadora do PNI por nove anos, nos governos Dilma Rousseff e Michel Temer. Para ela, além de equivocada, a afirmação da secretaria é temerária.

“A nota gigantesca serve apenas para dizer no final: ‘pai, não leve seus filhos para vacinar porque não será obrigatório’”, resume Domingues, que é epidemiologista.

“O Ministério da Saúde tratou o assunto desde o começo como uma campanha de vacinação contra a Covid, como fazemos com a gripe”, explica ela, para quem a divisão entre PNI e PNO está fragmentando ações que deveriam funcionar de forma intersetorial.

“É descabido. A única coisa que tem um histórico de longevidade e êxito no ministério é o PNI. E eles estão conseguindo desestruturá-lo, lamentavelmente”.

O PNI está sem um coordenador titular desde junho de 2021, o que é visto como reflexo do esvaziamento de um setor essencial para a vacinação no país há décadas.

Para Lígia Kerr, que integra a Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização da Covid-19 (Ctai) representando a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), o posicionamento da Secovid é mais um esforço do governo para descredibilizar o Programa Nacional de Imunizações.

“Essa nota é uma aberração. Quem deveria ser responsável pelo plano de operacionalização da vacinação é o PNI. É uma tentativa de esvaziar o programa, jogando a responsabilidade para a Secovid. Isso é uma distorção, nunca foi e não deveria ser assim. A vacinação é aprovada pela Anvisa e o governo, através do PNI, deveria implementá-la”, afirma Lígia Kerr.

“Essa divisão entre PNI e PNO é mais um dos sintomas da desorganização de um governo que não comprou a vacina em quantidade suficiente e em tempo, criou crises e continua não apoiando a imunização de crianças”.

Domingues alerta ainda que as constantes tentativas do Ministério da Saúde de alimentar dúvidas sobre a vacinação de crianças tem consequências práticas no cotidiano da população.

Ela lembra que esforços similares de desacreditar vacinas ocorreram na campanha de adultos e adolescentes, mas observa que a investida subiu o tom na imunização infantil.

Além de convocar uma inédita audiência pública com militantes antivacinas para discutir o tema, o ministro Marcelo Queiroga distorceu dados sobre efeitos adversos dos imunizantes em crianças. .

“É contraproducente e surreal. No momento que temos crianças morrendo, com sequelas como a Covid longa, o ministro (Queiroga) vai para a televisão e diz que houve 4 mil mortes pela vacina, o que não é verdade. Ao invés de orientar e estimular a população a se vacinar, mostrando a segurança das vacinas, ele é hoje o principal desinformador”, afirma ela.

“Se há pessoas hesitantes, isso tem uma grande participação do Ministério da Saúde. Já passamos do estágio do receio, estão criando pânico na população. Se o ministério colocou a vacinação como uma ação prioritária e de Estado por 50 anos, e passa a alimentar dúvidas sobre vacinas, dizer que elas farão mal, os pais vão acreditar nisso”, conclui.

Questionado sobre o motivo da elaboração da nota técnica, o Ministério da Saúde não retornou até o fechamento da reportagem.

Fonte: O Globo
Créditos: Polêmica Paraíba