Cessão onerosa

R$ 106 BILHÕES: Entenda o que é e o que está em jogo no megaleilão do pré-sal

Governo prevê arrecadar até R$ 106,5 bilhões e irá dividir parte dos recursos com Petrobras, estados e municípios. Entenda como será dividido os recursos e a importância do leilão em 8 pontos

O megaleilão do excedente da cessão onerosa, marcado para esta quarta-feira (6), foi anunciado pelo governo como o maior leilão de óleo e gás já feito no mundo em termos de potencial de exploração de petróleo e de arrecadação.

A importância do leilão se deve não só aos bilhões de reais envolvidos e à quantidade gigantesca de reservas de petróleo que estão sendo oferecidas, mas também ao alívio que esse dinheiro extra poderá trazer para os cofres do governo federal, dos estados e dos municípios.

O governo espera arrecadar R$ 106,5 bilhões com a oferta de quatro áreas do pré-sal, na Bacia de Santos. Se todos os blocos forem arrematados, será o maior valor já arrecadado em uma rodada de licitações de petróleo no país e também no mundo em termos de pagamento de bônus de assinatura (o valor que as empresas pagam pelo direito de exploração).

Até agora, a maior arrecadação com um leilão na área de petróleo no país foi a da 16ª Rodada da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), realizada em 10 de outubro, que garantiu à União R$ 8,915 bilhões.

No megaleilão desta quarta, serão definidas as empresas que vão retirar óleo de reservas do pré-sal chamadas de excedente da cessão onerosa. Recebem esse nome porque o petróleo dessas reservas excede os 5 bilhões de barris garantidos pelo governo à Petrobras na operação da cessão onerosa, realizada em 2010.

Prontas para explorar

Analistas comparam o leilão do excedente cessão onerosa a uma operação de aquisição de uma petroleira de médio porte, pelo valor elevado e porque o que está sendo ofertado são reservas de petróleo já conhecidas e prontas para serem exploradas.

Os blocos são únicos, uma vez que a Petrobras já realizou trabalhos de desenvolvimento na área, e já se sabe que há bilhões de barris de petróleo a serem extraídos, reduzindo o chamado risco exploratório – o risco de não encontrar petróleo na área ou de encontrar muito pouco.

A ANP estima que existam entre 6 bilhões e 15 bilhões de barris de óleo equivalente excedente na área – praticamente o triplo dos 5 bilhões de barris originais concedidos na área à Petrobras em 2010.

Veja abaixo 8 pontos para entender a cessão onerosa, como serão divididos os recursos do leilão e o impacto esperado para a economia.
1) O que é cessão onerosa?

“Cessão onerosa” é o nome que foi dado ao contrato de exploração de petróleo em uma área do pré-sal, na região marítima da Bacia de Santos, em 2010.
Por lei, todo o petróleo que existe no subsolo é da União. Em 2010, o governo cedeu à Petrobras o direito de produzir 5 bilhões de barris em áreas do pré-sal. No entanto, mais tarde descobriu-se que a área tinha até o triplo desse volume a ser explorado. Esse petróleo “extra” é o que está sendo leiloado agora pela ANP, na chamada Rodada de Licitações dos Volumes Excedentes da Cessão Onerosa.

A cessão onerosa foi assinada como parte do processo de capitalização da Petrobras, quando a empresa levantou cerca de R$ 120 bilhões, em 2010. À época, a empresa colocou novas ações à venda, para fortalecer seu caixa. O governo federal comprou parte dessas ações com a cessão onerosa – em troca das ações e de mais uma parcela em dinheiro, o governo deu à Petrobras o direito de produzir até 5 bilhões de barris do pré-sal.

O contrato, firmado antes da criação da lei de partilha do pré-sal, previa a revisão dos termos quando os campos fossem declarados comercialmente viáveis (ou seja, que valeria a pena produzir petróleo a partir desses campos), levando em consideração mudanças nos preços do petróleo, custos de produção e outras variáveis.
Essa viabilidade foi declarada em 2013 e 2014 e, desde então, a Petrobras passou a reivindicar uma revisão dos termos do contrato. As negociações começaram ainda no governo de Michel Temer e, até pouco tempo atrás, havia dúvidas se a estatal seria credora (por conta dos investimentos já feitos na área) ou devedora do governo.
Em abril, o governo concordou em pagar à Petrobras ao menos US$ 9 bilhões para resolver a disputa sobre a revisão do contrato da cessão onerosa, abrindo caminho para o megaleilão. O contrato entre a Petrobras e a União foi finalmente assinado no no dia 1º de novembro.
2) Quais são as áreas que serão leiloadas?

No megaleilão serão ofertadas as áreas de Atapu, Búzios, ltapu e Sépia, no pré-sal. Os quatro blocos estão na Bacia de Santos, mas em frente ao litoral fluminense.
No megaleilão serão ofertadas quatro blocos do pré-sal que estão na Bacia de Santos, mas em frente ao litoral fluminense:

Atapu
Búzios
ltapu
Sépia

A área da cessão onerosa – que inclui a parte da Petrobras e a que será leiloada – é uma zona de aproximadamente 2,8 mil km² ao largo da costa sudeste do Brasil, situada entre 175 km e 375 km ao sul da cidade do Rio de Janeiro (veja no mapa mais abaixo). A área total dos quatro campos ofertados no leilão é de 1.385 km².

A maior área é a de Búzios, com 852,21 km² e a maior concentração de petróleo. “A grande expectativa é em relação ao leilão de Búzios, que representa cerca de 70% de tudo”, disse ao G1 o diretor-geral da ANP, Décio Oddone.

A Petrobras já mantém plataformas nestas áreas e já manifestou interesse em manter o direito de preferência nos campos de Búzios e Itapu no leilão.

O campo de Búzios, por exemplo, já é o segundo maior em produção de petróleo no Brasil.

Até agora, a Petrobras extraiu 120,9 milhões de barris na região, o equivalente a apenas 2,42% dos 5 bilhões de barris a que tem direito, segundo dados da ANP.

Em setembro, a produção na área da cessão onerosa foi de 478 mil barris de petróleo e gás por dia. A ANP estima um pico de produção de 1,2 milhão de barris diários na área após o leilão.

3) Por que o leilão é considerado o maior do mundo?

O que torna este leilão tão atípico e atrativo é o fato de que agora, diferentemente das rodadas anteriores da ANP, o risco do negócio é muito mais baixo, uma vez que os reservatórios de petróleo já foram descobertos.
“A entrada em produção desses campos é mais rápida que em um campo convencional. Os valores se explicam porque não tem risco, já foi descoberto o petróleo. Nos leilões convencionais o que se paga é um direito de exploração, correndo o risco de não achar. Nesse caso, é uma venda de reservas”, afirma Oddone, o diretor-geral da ANP.

Para o secretário executivo do Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP), Antonio Guimarães, a grande quantidade de reservas já descobertas explica o preço alto fixado para o leilão.
“O Brasil está vendendo blocos exploratórios já descobertos. Isso tem outro valor e vai ter um impacto mais rápido na economia. É isso que torna o leilão tão caro e tão especial. Não existe, na história recente, um leilão que tivesse vendido 10 milhões de barris de petróleo já descobertos”, afirma Guimarães.

Segundo o Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), o megaleilão do excedente da cessão onerosa será o maior já realizado no mundo em termos de valor de arrecadação de bônus de assinatura – o valor pago pelas empresas pelo direito de explorar a área.

Levantamento da consultoria mostra que, nas rodadas de licitação mais bem-sucedidas dos últimos 12 meses em países como Canadá, Estados Unidos e México, a arrecadação em cada um dos leilões não chegou sequer a ultrapassar o valor de US$ 1 bilhão. Nos EUA, por exemplo, nas ofertas de áreas terrestres em 2018 na Bacia Permiana, a arrecadação foi de US$ 972 milhões.

Segundo Adriano Pires, sócio-diretor do CBIE, outro atrativo do megaleilão é a elevada produtividade atual nas áreas do pré-sal. Ele destaca que o campo de Búzios já é o seguindo maior em produção de petróleo no Brasil. “Os poços do pré-sal talvez sejam hoje os mais produtivos do mundo no mar. É um leilão único e uma coroação para o pré-sal brasileiro”, afirma.

Ele pondera, entretanto, que o alto valor de bônus fixado pelo governo se explica também pela atual crise fiscal e pela decisão do governo de usar a arrecadação do leilão para reduzir o tamanho do rombo nas contas públicas.
“Quando se coloca um bônus de assinatura muito alto, se está trazendo a valor presente um recurso que poderia pegar mais lá na frente. Esse dinheiro vai ser usado para resolver um buraco fiscal, quando o mais bacana seria usar para investimentos”, avalia Adriano Pires.
4) Como o dinheiro será dividido?

Um projeto aprovado pelo Congresso Nacional assegura a destinação de R$ 34,6 bilhões para a Petrobras ainda como revisão do contrato de exploração da área. O restante da arrecadação do leilão será dividido entre União, estados e municípios.
Parte dos recursos serão pagos ainda em 2019 (R$ 70,7 bilhões) e o restante em 2020 (R$ 35,8 bilhões).
Conforme a lei que definiu as regras, os recursos serão divididos da seguinte maneira:
R$ 34,6 bilhões para a Petrobras (ainda em 2019);
15%: estados e Distrito Federal (R$ 10,8 bilhões);
15%: municípios (R$ 10,8 bilhões);
3%: estado do Rio de Janeiro, onde estão as jazidas (R$ 2,16 bilhões);
R$ 48,14 bilhões para a União (R$ 12,3 bilhões em 2019 e R$ 35,8 bilhões em 2020).

O texto aprovado pelo Congresso assegura também que, do total previsto para ser destinado aos estados e municípios, R$ 5,9 bilhões sejam encaminhados ainda em 2019. O restante do valor previsto (R$ 15,7 bilhões) ainda será analisado pelo Congresso, em outro projeto a ser enviado pelo governo.

O dinheiro que vai para estados e municípios precisa ser usado para pagar dívidas com Previdência ou investimentos.
5) Como funcionará o leilão?

As regras do leilão são as mesmas das demais rodadas sob o regime de partilha. Nesta modalidade, o bônus de assinatura é fixo. Vence a empresa ou o consórcio que apresentar o maior percentual do excedente em óleo para a União.

Esse chamado “excedente” é diferente do “excedente da cessão onerosa”, que é o que está sendo leiloado.
No caso das empresas, “excedente” é o óleo que “sobra” depois que a petroleira descontar o que será usado para pagar o custo de produção e os royalties – ou seja, o óleo que ela vai “lucrar”. Vence, portanto, a empresa que oferecer a maior parcela desse “lucro” ao governo. As ofertas mínimas do percentual foram fixadas em 23,24% para Búzios, 27,88% para Sépia, 26,23% para Atapu e 18,15% para Itapu.

A Petrobras já exerceu direitos de preferência para operar em Búzios e Itapu. Por isso, terá uma participação mínima de 30% nessas áreas. A empresa mantém os direitos de operar em toda a área da cessão onerosa, segundo o acordo de 2010.

Quatorze empresas foram habilitadas para participar: a Petrobras, a britânica BP, a francesa Total, as americanas Chevron e ExxonMobil, as chinesas CNODC e CNOOC, a colombiana Ecopetrol, a norueguesa Equinor, a portuguesa Petrogal, a malaia Petronas, a QPI, do Catar, a anglo-holandesa Shell e a alemã Wintershall Dea.

No entanto, duas dessas empresas, a BP e a Total, anunciaram às vésperas do leilão que decidiram ficar de fora.

A Repsol Sinopec Brasil, que ficou de fora do grupo de empresas habilitadas, disse que considerou pouco atraentes os termos do leilão. O CEO de outra empresa que não entrou para a lista, a Galp Energia, unidade da portuguesa Petrogal, disse que termos do leilão tornaram “bastante difícil” a participação.

O contrato original da cessão onerosa permitia a Petrobras explorar um máximo de 5 bilhões de barris. Agora, o consórcio vencedor vai poder explorar sem limites.
6) Compensação para a Petrobras

O Congresso Nacional aprovou no dia 23 de outubro projeto que assegura a destinação de R$ 34,6 bilhões da arrecadação do leilão para a Petrobras a título de ressarcimento e da revisão dos termos do contrato.
A Petrobras também terá direito a receber valores adicionais dos vencedores do leilão, uma vez que essas empresas também terão de fazer acordos de coparticipação com a estatal, que irá dividir parte do volume já em produção com os novos ingressantes nas áreas.

“Quem vencer o leilão vai ter que fazer um acordo para ficar sócio da Petrobras no que ela já tem. A empresa passará a ser sócia de uma parte da produção que já é feita hoje e com isso tem que compensar a Petrobras pelos investimentos feitos antes do leilão”, explica Oddone, o diretor-geral da ANP.

O IBP estima que o ressarcimento fique entre R$ 100 bilhões e R$ 120 bilhões.
7) Impactos na produção de petróleo

As empresas terão de fazer investimentos pesados para poder retirar o petróleo das reservas. O diretor-geral da ANP estima investimentos de mais de R$ 1,5 trilhão no setor de óleo e gás “nos próximos dez anos”.

O IBP estima que, considerando toda a cessão onerosa (incluindo portanto o excedente), os investimentos em exploração, perfuração e produção possam somar cerca de US$ 135 bilhões até 2030 (cerca de R$ 540 milhões na cotação atual), com o pico de US$ 18 bilhões sendo atingido em 2025.

A estimativa de produção nas quatro áreas é de um pico 1,2 milhão de barris diários, segundo a ANP. A produção total de petróleo do Brasil atingiu em agosto 2,989 milhões de barris por dia, novo recorde mensal.

Com o aumento da produção de petróleo no Brasil, o governo prevê entrar num prazo de dez anos no clube dos cinco maiores produtores de petróleo do mundo. Hoje, está na 10ª posição.

“O êxito no leilão dos excedentes da cessão onerosa colocará o Brasil entre os cinco maiores produtores globais de óleo e gás, com a perspectiva de a produção dobrar na próxima década”, avalia o Ministério da Economia em relatório sobre os nove primeiros meses do governo Bolsonaro.

8) Impactos na economia

O ministro da Economia, Paulo Guedes, prevê que com as receitas extraordinárias dos leilões de petróleo o déficit primário da União fechará o ano em R$ 80 bilhões, bem abaixo da meta fiscal proposta pelo governo e aprovada pelo Congresso Nacional, de R$ 139 bilhões.

Caso a previsão se confirme, será o menor déficit desde 2014, quando o rombo das contas públicas da União ficou em R$ 23,5 bilhões.

A exploração de petróleo nas áreas leiloadas também deverá aumentar a arrecadação com royalties e impostos nos próximos anos. A ANP prevê que o valor repassado pelas petroleiras ao governo também poderá mais que dobrar na próxima década, subindo dos atuais cerca de R$ 60 bilhões por ano para cerca de R$ 70 bilhões a partir de 2024, chegando a R$ 300 bilhões até 2030.

O IBP projeta um crescimento na criação de postos de trabalho, com um pico de 388 mil novas vagas em 2025.
Além dos impactos no volume de investimentos e na geração de empregos, o megaleilão pode ajudar até a baratear o preço do dólar neste final de ano, segundo o Banco Central. Isso porque há uma perspectiva de ingresso bilhões de dólares no país para pagar os bônus de assinatura, com possível impacto no câmbio, uma vez que quanto mais dólar houver no mercado interno, mais ele tende a se desvalorizar em relação à moeda local.

Fonte: G1
Créditos: G1