opinião

Por que legalizar a eutanásia para os últimos momentos da vida - Por Franscisco Razzo

Na pequena Kallipólis, a decisão iminente da Suprema Corte permitirá que idosos com mais de 90 anos de idade e doentes em estado terminal possam ser exterminados caso a família deseje, principalmente para famílias pobres, que são incapazes de arcar com despesas médicas e de asilo. Liberais progressistas aguardam com expectativa a decisão.

Na pequena Kallipólis, a decisão iminente da Suprema Corte permitirá que idosos com mais de 90 anos de idade e doentes em estado terminal possam ser exterminados caso a família deseje, principalmente para famílias pobres, que são incapazes de arcar com despesas médicas e de asilo. Liberais progressistas aguardam com expectativa a decisão.

No Brasil, o debate político pela eutanásia inexiste. Mesmo com a pressão de grupos de interesse, a maioria dos políticos foge da discussão por medo de perder votos. O medo desses políticos está bem fundamentado, já que vivemos numa sociedade retrógrada tomada pelo crescimento do fanatismo religioso. Embora o Estado seja laico, não há grandes esperanças de que algo mude por aqui. Assim, só podemos assistir, esperançosos, ao debate que avança em outros países.

Quanto sofrimento humano não seria poupado se pudéssemos dizer com todas as letras: idosos com idade avançadas e doentes em estado terminal já não são mais seres humanos. Claro, é verdade, há quem defenda que a vida só termine com a morte cerebral (quando todos os sinais vitais se apagam e o corpo biológico inicia seu processo de decomposição), mas mesmo essas pessoas, em geral, não levam a sua crença a sério. A maior despreza velhos e doentes.

No Brasil, segundo pesquisadores, albergues públicos estão lotados e a procura por vagas entre pessoas de mais de 80 anos não para de crescer. Aliás, as camadas mais pobres da população são as que mais sofrem, mesmo sabendo que esses idosos logo morrerão. Envelhecer se tornou um desafio econômico para muitos brasileiros — sem contar o sistema de assistência social. Estamos diante de uma verdadeira bomba relógio.  Os idosos, um peso excedente no orçamento de muitas famílias e um estorvo na relação de muita gente, são descartados por famílias mais jovens. A mesma situação vive as famílias de doentes em estado terminal.

Agora, em Kallipólis, por exemplo, para esses casos, já é permitido o processo de criogenia, mas apenas para famílias que podem bancar os custos altíssimos dessa técnica — há um debate por lá se um dia o procedimento se tornará um serviço financiado pelo sistema de saúde. O fato é que idosos e doentes terminais podem ser descartados do convívio familiar, e uma vez congelados, aguardarão por um possível e remoto retorno a uma vida mais digna; como sabemos, isso não acontecerá.

Não sejamos hipócritas: quando a burocracia não se intromete na decisão dos filhos e netos, esses idosos e doentes, já descartados, bem poderiam ser utilizados em pesquisas. Pergunte ao mais fanático militante pela proibição da eutanásia: se houvesse um incêndio num prédio hospitalar ou num asilo, e ele precisasse escolher entre salvar centenas de idosos e doentes em estado terminal ou um único bebê humano já nascido, qual alternativa ele escolheria? É óbvio. Ninguém em sã consciência acredita que um idoso com mais de 90 anos e um doente terminal sem qualquer esperança de continuar vivo sejam seres humanos nas mesmas condições que um bebê recém-nascido.

Estima-se que só 47,3% dos idosos que vivem em asilos conseguem se despedir de suas famílias antes de morrer. O que também vale para doentes em estado terminal. Se esses idosos e doentes ainda fossem realmente considerados seres humanos, isso seria visto como uma tragédia monumental. Mas quem se importa? Prova de que nossa sociedade não os considera seres humanos merecedores de respeito é justamente o descaso da maioria das famílias.

Imagine se uma doença misteriosa matasse 63% dos idosos. Não pouparíamos investimentos e esforços para descobrir e sanar esse mal. Aliás, não foi isso que a humanidade fez ao longo dos últimos dois séculos, derrubando a barreiras com relação à mortalidade? Contudo, quantas pessoas se importam com as mortes de doentes termineis saturando o sistema de saúde e com idosos acima de 90 anos? A taxa de sucesso de que a vida pode se estender mais um pouco só vira assunto quando a família consegue mantê-lo vivo por muito tempo. Ou seja: o prioritário aí é ajudar a escolha dos filhos e dos netos em manter vivos os pais e os avós que assim desejam, e não as incontáveis mortes que ocorrem cotidianamente sem que ninguém se preocupe.

Em resumo: ninguém trata os últimos estágios do desenvolvimento do idoso e do doente terminal como se eles ainda fossem humanos. Há bons motivos. Idosos acima de 90 anos e doentes terminais não pensam. O ocaso da consciência com o avanço da senilidade prova que vão deixando de ser pessoas. A capacidade de sentir já está debilitada ou anestesiada. Fora a questão econômica: o preço da sociedade para manter um idoso e um doente terminal não vale a pena.

Uma lei que permitisse a eutanásia ativa nos últimos estágios da vida, seja por idade ou por doença, resolveria o dilema de muitas famílias que não só não conseguem arcar com as despesas como já não tem qualquer vínculo afetivo com esses corpos prontos para morrer. Sem dúvida, a possibilidade da eutanásia para tais casos seria um passo imenso para reduzir o sofrimento desnecessário de famílias sem correr o risco de estar tirando uma vida humana.

Caríssimo leitor, espero que tenha conseguido ler até aqui e, claro, se escandalizado. Por isso, peço a gentileza para substituir “idoso” e “doente em estado terminal” por “feto” e “embrião” e entenderá como esse tipo argumento não prova o que visa provar. E que fique bem claro que sou contra a eutanásia e, obviamente, o aborto.

Fonte: gazeta do povo
Créditos: Polêmica Paraíba