"Agiu sozinho"

Polícia investiga se sequestro de ônibus foi armado pela internet

 

A Polícia Civil já sabe que Willian Augusto da Silva, de 20 anos, agiu sozinho no sequestro ao ônibus da linha 2520 (Alcântara-Estácio), da Viação Galo Branco, na manhã de ontem, na Ponte Rio-Niterói. No entanto, os agentes identificaram contatos suspeitos do sequestrador na internet e já investigam se ele planejou o ataque auxiliado por instruções de redes sociais e da deep web (o submundo da internet).
No sequestro, 39 pessoas foram feitas reféns por três horas e meia, e Willian acabou morto com seis tiros disparados numa ação que contou com quatro snipers (atiradores de elite) do Bope. Nenhum refém ficou ferido. Ao todo, a Ponte ficou cinco horas fechada.
“Descobrimos um contato que ele utilizou e, em cima disso, vamos tentar resgatar as mensagens que ele trocou”, contou o chefe do Departamento Geral de Homicídios e Proteção à Pessoa, delegado Antônio Ricardo Nunes, que também vai pedir à família os aparelhos eletrônicos de Willian, inclusive o celular que desapareceu na ação. A Delegacia de Homicídios da Capital também analisa mensagens de câmeras do ônibus e tenta entender o porquê de o perfil de Willian ter sido apagado do Facebook minutos após sua morte.
“Segundo parentes, ele só se relacionava pela internet. A gente suspeita do envolvimento de outras pessoas nessa empreitada. Vamos analisar os dados e ver se alguém, efetivamente, participou ou estimulou o sequestro”, disse Nunes.
Um rapaz isolado, deslocado da realidade

Na Delegacia de Homicídios de Niterói e São Gonçalo, a cada depoimento, a polícia chegava à imagem de um rapaz isolado, sem amigos nem namorada, com um cotidiano cada vez mais deslocado da realidade e preso nas redes sociais e aplicativos. Nos últimos tempos, não saía nem mais para ajudar o pai, padeiro, no trabalho. Alegava dor nas pernas.

Segundo o primo Alexandre da Silva, Willian era tranquilo, “ótimo filho e sobrinho”, até que desenvolveu problemas psiquiátricos. A família, entretanto, jamais imaginaria que as horas passadas diante do celular poderiam estar sendo usadas para tramar um crime que interrompeu o percurso diário dos 38 passageiros e do motorista, muitos que até já se conheciam.

“Graças a Deus quem está chorando hoje é a minha família. Poderiam estar chorando 39 famílias de trabalhadores como eu, como o pai dele”, declarou, emocionado, Alexandre.

Para estudiosos, sequestrador desejava morrer

O sequestrador Willian Augusto da Silva pode ter buscado a morte. Após o desfecho do caso, a major Fabiana Silva, secretária estadual de Vitimização e Pessoas com Deficiência, disse em entrevista que a vontade do rapaz havia sido comunicada por Willian à mãe: “Ele queria morrer pela mão (a major não termina a frase), ele queria alcançar o resultado morte. Inclusive, ele prometeu isso à mãe”.

A declaração da major é reforçada pelo sociólogo Ignácio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da Uerj. Ele acredita que o sequestrador pode ter desejado esse desfecho: “Há outros casos na literatura em que a pessoa usa a polícia para cometer suicídio.

Se os fatos se confirmarem, que ele usou uma arma de brinquedo, parou o ônibus na ponte onde não era possível fugir e ainda ficou se expondo, pode ser que ele tenha buscado esse desfecho”, avaliou.

Em sua mochila, Willian levava o livro “O capitão saiu para almoçar e os marinheiros tomaram conta do navio”, do escritor estadunidense, nascido na Alemanha, Charles Bukowski. Ele mencionou o livro para os negociadores do Bope. Um trecho do livro diz: “Nunca dirijo meu carro por cima de uma ponte sem pensar em suicídio. Quero dizer, não fico pensando nisso. Mas passa pela minha cabeça: suicídio”.

Para o psiquiatra forense Guido Palomba, o comportamento de Willian Augusto da Silva demonstra que ele havia feito “uma ruptura com a realidade” e que há indicações de que ele sofria de uma doença mental. “Ele tinha uma doença mental, a loucura. Poderia mesmo até ter colocado fogo no ônibus. Não há um diagnóstico específico, mas pode ser uma esquizofrenia latente. Ele estava alucinando e delirando. Provavelmente, tinha um histórico de problema mental”, avaliou.

Para o especialista em gerenciamento de risco Carlos Camargo, formado pelo Conselho Britânico de Segurança, a atuação do atirador de elite da PM foi correta. Ele acredita que, ao contrário do sequestro do ônibus 174, nesse caso da Ponte Rio-Niterói, não houve interferência política na cadeia de comando: “Foi uma decisão técnica. Era uma situação extrema, que não havia outra forma de atuação”, explicou. O especialista lembrou ainda que o sniper atuou de uma plataforma fixa mirando em um alvo móvel, o que não ocorre quando os tiros são disparados de uma aeronave.

Os especialistas lembraram que os tiros de precisão dados no sequestrador não têm relação com os casos de balas perdidas, disparados por helicópteros sobre as favelas: “A única situação em que se justifica um tiro letal é essa (risco de vida dos reféns). O que é muito diferente dos tiros disparados pelos tripulantes
dos helicópteros, iniciados por eles, em direção das favelas”, explicou Cano.

Ações violentas revelam perfis semelhantes de criminosos no país

Alguns dos crimes que chocaram o país reúnem semelhanças entre seus atiradores e o sequestrador da Ponte Rio-Niterói. Na tragédia ocorrida em março deste ano, na Escola Estadual Professor Raul Brasil, na cidade de Suzano, em São Paulo, as investigações da Polícia Civil apontaram que os criminosos planejaram por mais de um ano o ataque que deixou 10 mortos e 9 feridos.
A suspeita era que os assassinos Guilherme Taucci Monteiro, de 17 anos, e Luiz Henrique de Castro, 25, frequentavam o Dogolachan, um dos mais conhecidos “chans”, que são fóruns de disseminação de ódio e incitação a crimes que opera na internet.

Em dezembro do ano passado, um atirador entrou na Catedral Metropolitana de Campinas e abriu fogo contra os fiéis, matando quatro pessoas, deixando nove feridas e se suicidando. Euler Fernando Grandolpho, 49, era analista de sistemas, sem antecedentes criminais. Os familiares de Euler contaram que ele era bastante recluso.

Em abril de 2011, 10 pessoas foram mortas e nove feridas na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, na Zona Oeste do Rio. O atirador Wellington Menezes de Oliveira, 23, era ex-aluno da escola. O ataque teria sido uma vingança por ele ter sofrido bullying na quando estudava no local. Após ser baleado por um PM, Wellington se matou.
Participaram da cobertura: Ana Mello, Beatriz Perez, Bruna Fantti, Cadu Bruno, Clarissa Monteagudo, Gustavo Monteiro, Gustavo Ribeiro, Jenifer Alves, Jessyca Damaso, Luana Benedito, Luana Dandara, Maria Inez Magalhães, Maria Luisa de Melo, Natasha Amaral, Rachel Siston, Rai Aquino, Samara Azevedo, Thuany Dossares, Waleska Borges e Yuri Eiras

Fonte: Meia Hora
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