opinião

Natal falso à feição de Herodes - Por José Neumanne

Na sexta-feira 24 de dezembro, véspera da festa de aniversário de Jesus bebê, segundo a tradição cristã, o presidente Jair Bolsonaro exibiu à Nação toda a desfaçatez que aprendeu em sua formação na caserna, da qual saiu pela portinhola dos fundos. E a arte de mentir, descarada e desmedida, aperfeiçoada em 33 anos no baixíssimo clero da política e da preguiça em público.

Na sexta-feira 24 de dezembro, véspera da festa de aniversário de Jesus bebê, segundo a tradição cristã, o presidente Jair Bolsonaro exibiu à Nação toda a desfaçatez que aprendeu em sua formação na caserna, da qual saiu pela portinhola dos fundos. E a arte de mentir, descarada e desmedida, aperfeiçoada em 33 anos no baixíssimo clero da política e da preguiça em público.

Aterrorizado com a possibilidade de acrescentar mais sustos à sua vertiginosa queda de popularidade e, com ela, perder mais competitividade na disputa eleitoral contra o inimigo Lula e quem mais lhe aparecer à frente em 2022 na eleição presidencial, encarregou a própria mulher de substituí-lo na função de pregador das redes sociais, com a pusilânime caradura de hábito. No cenário emprestado do espaço público, que ocupa como se fosse a própria casa, abriu a baboseira para logo ceder lugar à farsa  de Michelle.

Para felicidade geral da Nação, o óbvio relambório foi curto:

Bolsonaro: “Boa noite a todos. Sob a proteção de Deus, chegamos a mais um Natal”.

Michelle: “Um tempo especial na vida de todos os brasileiros. Tempo de agradecer, construir e confraternizar”.

Bolsonaro: “Estamos finalizando mais um ano. Um ano de muitas dificuldades. Contudo, não nos faltaram seriedade, dedicação e espírito fraterno no planejamento e na construção de políticas públicas em prol de todas as famílias”.

Michelle: “Com dignidade e respeito ao próximo, não economizamos esforços para apoiar a todos, em especial os mais vulneráveis. Não nos afastamos, em nenhum momento, do que acreditamos e defendemos: Deus, pátria, família e liberdade. Agradecemos a cada brasileiro pela confiança em nosso País. Desejamos que todos celebrem este Natal do jeito que amamos, com nossos familiares e amigos. Temos a honra de desejar a você e à sua família um Natal abençoado e repleto de alegrias”.

Bolsonaro: “Que 2022 seja um ano de esperança, conquistas e realizações. Que Deus proteja as nossas famílias. Muito obrigado”.

Além da reprodução literal do lema integralista (“Deus, pátria, família”), nenhuma palavra de verdadeira solidariedade do casal aos entes queridos das quase 700 mil pessoas assassinadas pela cruel indiferença de uma gestão federal negacionista e negociante em proveito próprio, durante o enfrentamento da pandemia da covid 19. Nenhum anúncio de socorro aos 470 mil baianos, dos quais 16 mil ficaram sem casa, atingidos pelo ciclone de fim de ano pelo motivo de o Estado ser governado pelo petista Rui Costa. Até a noite de Natal foram acrescentados mais 18 mortos para a contabilidade perversa do capitão artilheiro, que se orgulha de sua modalidade de matar, e não curar.

Não faltou outro dado mortal da falsidade natalina do casal de presepeiros, que se situa no lado errado do próprio presépio armado. Na cega, estúpida e boçal negação da imunização para ajudar a reduzir o número de vítimas mortais do novo coronavírus foi introduzida a convocação de uma consulta pública para autorizar a aplicação de vacinas da Pfizer, usada com sucesso no mundo inteiro, em crianças de cinco a 11 anos. A ideia, como sempre, veio de um sabujo impiedoso, o cirurgião Marcelo Queiroga, que chegou a exigir prescrição médica para o uso da vacina. Em plena celebração do aniversário do Deus que o capitão mandrião diz venerar, não faltou quem recorresse à Bíblia para achar novo apelido para o médico-monstro. Antes, era Marcelo Queiroga. Com a nova presepada, passou a ser chamado de Queirodes Antipático, referência ao maior vilão da História da civilização: Herodes Antipas, o rei da Judeia que mandou assassinar todos os bebês nascidos na data hoje santificada, quando soube que ele poderia vir a ser o novo rei dos judeus. Herodes Antipas não passava de um reizinho fantoche do poderio romano, que, 33 anos depois, transformaria o hábito higiênico de lavar as mãos na suprema renúncia covarde, que o chefe do desgoverno atual não tem coragem de anunciar para livrar os adultos de sua preguiça contagiosa, e as crianças de seu ódio brutal à vida, à inocência e à felicidade.

Um ser humano digno dessa qualificação, que há decênios o falso Messias desonra e enxovalha, mostra que, felizmente, ainda há servidores decentes que sobrevivem aos beócios que dão ordens assassinas em pleno templo da saúde pública. Comandada por intendentes incompetentes e charlatães com dragonas desonradas por um dublê de capitão-terrorista e diplomas mal empregados. Uma nota técnica assinada pela secretária extraordinária de enfrentamento à covid-19, Rosana Leite de Melo, enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF), afirma que a vacina contra a covid para crianças de 5 a 11 anos é segura. Simples, direta e corajosa.

A posição da secretária subordinada ao ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, vai na contramão dos questionamentos do presidente Jair Bolsonaro (PL), que diz haver “desconfiança” e uma “interrogação enorme” em relação aos supostos efeitos colaterais da aplicação de vacinas contra a covid em crianças.

Neste Natal em que, em vez do Deus bebê, ascende ao altar o reizinho da troça, reconforta saber que ainda há gente honesta e mentalmente sã com o poder de assinar uma nota de fato técnica em Brasília.

*Jornalista, poeta e escritor

Fonte: Estadão
Créditos: Polêmica Paraíba