causas e tratamentos

Miopia se alastra pelo mundo, mas Brasil nem sequer coleta dados

Falta de exposição ao sol está entre as principais causas do problema; sem informações básicas, é difícil traçar políticas públicas para conter avanço


Miopia não é um problema de ‘lente’, isto é, da córnea e do cristalino, principais componentes óticos da visão, mas da “câmera”, ou seja, do próprio olho, que se alonga demais em seu desenvolvimento nos primeiros anos de vida
Foto: shutterstock.com/Esther Navarro Seisdedos
O mundo enfrenta uma “epidemia de miopia”, mas o Brasil não está de olho nisso, numa falta de visão de longo prazo que pode ter sérias consequências econômicas e sociais num futuro próximo. Até relativamente pouco tempo atrás uma condição em que os fatores genéticos prevaleciam no seu desenvolvimento, hoje são os fatores ambientais e comportamentais que estão por trás de uma explosão de casos em crianças e jovens de diversos países que colocou autoridades em alerta e já leva à implantação de políticas públicas para prevenção e contenção neles.

Diferentemente do que as pessoas em geral imaginam, a miopia, ou a dificuldade de ver de longe, não é um problema de “lente”, isto é, da córnea e do cristalino, os principais componentes óticos da visão, mas da “câmera”, ou seja, do próprio olho, que se alonga demais em seu desenvolvimento nos primeiros anos de vida, processo conhecido como emetropização. Isso faz com que as imagens captadas pelos primeiros sejam projetadas à frente da retina, com os elementos mais distantes parecendo fora de foco, ou embaçados.

E um dos principais agentes de regulação da emetropização, ajudando a frear o alongamento do eixo central dos olhos que é causa estrutural da miopia, é a luz solar. Nas últimas décadas, porém, as crianças em processo de emetropização, principalmente nos grandes centros urbanos, estão cada vez mais “presas” a ambientes internos, seja em casa ou nas escolas. Além disso, mais recentemente, elas passam cada vez mais tempo “grudadas” nas telas de computadores, celulares e tablets, forçando a contração dos músculos ciliares na chamada acomodação do cristalino, o que acredita-se promover o alongamento axial dos olhos, piorando ainda mais o problema.

Assim, não é de se surpreender que pesquisas recentes tenham identificado um grande aumento dos casos de miopia no mundo. No estudo original que acendeu o sinal de alerta para a “epidemia” global da condição, publicado em 2012 no prestigiado periódico médico “The Lancet”, Ian Morgan, pesquisador do Centro de Excelência em Ciências da Visão do Conselho de Pesquisas da Austrália e professor da Universidade Nacional Australiana, mostrou que entre 80% e 90% dos alunos de escolas de grandes cidades de países do Leste da Ásia com sistemas educacionais extremamente rigorosos e competitivos, como China, Taiwan, Japão, Cingapura e Coreia do Sul eram míopes, com 10% a 20% deles apresentando altos graus, acima de seis, que elevam o risco de problemas de visão mais graves, ou mesmo cegueira, mais tarde na vida.

Já outro levantamento realizado por cientistas do Instituto de Visão Brien Holden, também na Austrália, apresentado em 2015 por ocasião do Dia Mundial da Visão e posteriormente publicado no periódico “Ophthalmology”, editado pela Academia Americana de Oftalmologia, aponta que, se a tendência de aumento de casos continuar, em 2050 metade da população global, ou cerca de 5 bilhões de pessoas, serão míopes, com até um quinto delas, aproximadamente 1 bilhão, apresentando graus altos e sob o consequente risco aumentado de futura cegueira.

Embora tenha críticas à metodologia deste levantamento, que diz tender a subestimar o avanço do problema no Leste da Ásia e países desenvolvidos ao mesmo tempo em que o superestima em regiões menos desenvolvidas do planeta, Morgan destaca que a mensagem básica continua a mesma: a “epidemia de miopia” existe e deve ser alvo de urgentes políticas de saúde pública para sua contenção.

Enquanto isso, o Brasil nem tem estatísticas confiáveis sobre a prevalência da miopia em nível nacional de forma a identificar seu avanço na população e adotar medidas de prevenção, conta Milton Ruiz Alves, professor da Faculdade de Medicina da USP e ex-presidente do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO). Uma das poucas estimativas disponíveis é de relatório do CBO publicado em 2015 que aponta que entre 22 milhões e 72 milhões de brasileiros são míopes. Mas o próprio Alves, então presidente do conselho e um dos autores do relatório, admite que os números não passam de um “chute” bem informado. Diante disso, o especialista, que proferiu palestra e coordenou duas sessões de discussão sobre o tema no recém realizado 62º Congresso Brasileiro de Oftalmologia, em Maceió, defende não só a urgente realização de pesquisas neste sentido no país como a adoção de medidas preventivas desde já.

– Sem informação não temos como fazer muito em termos de políticas públicas, então precisamos que aumentar a conscientização de pais e escolas sobre o problema – diz. – As crianças que têm fatores genéticos de risco precisam de estimulação por luz solar, mais atividades externas e menor uso de equipamentos eletrônicos para evitar que comecem a desenvolver miopia bem cedo na vida e atinjam altos graus que as tornam candidatas à perda de visão mais tarde. Já as que não têm a predisposição genética devem seguir as mesmas medidas preventivas, com ao menos duas horas diárias de atividades externas, para que também não fiquem míopes por fatores ambientais e comportamentais e fiquem sob risco de terem problemas mais graves de visão no futuro.

Fonte: O Globo
Créditos: CESAR BAIMA