retirada de direitos

Militar trans é afastada dos serviços da Marinha, e advogado da União a compara com 'piloto de avião cego'

Alice Costa, mulher trans de 31 anos, foi afastada dos serviços pela Marinha do Brasil, na última semana.

Alice Costa, mulher trans de 31 anos, foi afastada dos serviços pela Marinha do Brasil, na última semana. Frente à situação, o juiz federal Daniel Chiaretti, substituto da 1ª Vara Federal de Corumbá, deu no dia 20 de agosto, prazo de cinco dias para que a corporação explique a decisão e verifique se há descumprimento da ordem. No dia 12 de julho de 2021, Alice conseguiu uma decisão na Justiça Federal para trabalhar usando uniforme e cabelos femininos, na unidade de Ladário, em Mato Grosso do Sul.

Antes de tirar a militar do dia a dia do quartel, a Advocacia Geral da União (AGU) recorreu da liminar no Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, em São Paulo, e chegou a comparar a situação da militar com a de pessoas com deficiência.

“Foi dizer, como o fez o juízo a quo, que a identidade de gênero não pode ser causa da mais mínima restrição? Bem, então forçoso admitir o piloto de avião cego e o segurança armado tetraplégico”, escreveu em sua peça o advogado da União Juliano Fernandes

Como justificativa para o afastamento, a Marinha a colocou em licença para o tratamento de saúde. Nenhuma explicação, por escrito, foi dada para que a militar recebesse o atestado, pelo prazo de 90 dias, ao qual o G1 teve acesso.

A justificativa verbal, conforme o relato recebido da representação legal da militar, Bianca Figueira Santos, é de que o afastamento foi motivado por não existir médico endocrinologista em Ladário, Corumbá e região que pudesse a acompanhar no processo de transição hormonal de gênero.

“Porém, o atendimento já é feito de forma remota”, argumenta a advogada. Bianca conta que a cliente é atendida por uma médica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
‘Perigosamente discriminatória’

Ao avaliar o recurso, do advogado da União Juliano Fernandes Escoura, o desembargador do Tribunal Regional Federal Valdeci dos Santos classificou essa argumentação de “perigosamente discriminatória”, no dia 9 de agosto. Foi além, ao relacionar inclusive a violência contra mulheres, trans ou não.

“A rotina de invisibilização existencial das pessoas trans, e especificamente da mulher trans, tem nos levado a estatísticas cada vez mais desabonadoras que revelam um longo caminho ainda a ser percorrido pelo Estado e pela sociedade como um todo. Em suma, ainda que a literatura jurídica e as decisões dos tribunais tenham avançado no reconhecimento e reparação dos direitos das pessoas trans, tal movimento ainda é tímido em comparação com as violações perpetradas”, observou.

Para ele, o pleito de uma mulher trans para o uso de uniforme e cabelos no padrão feminino, além da utilização do nome social na plaqueta de identificação, dentro da instituição da Marinha do Brasil, merece uma abordagem de conciliação entre a teoria e a prática no mundo jurídico.

“A priori, salienta-se que a fundamentação da decisão agravada a respeito dos direitos da pessoas transgênero foi assertiva e contundente, refletindo a doutrina e a jurisprudência mais atuais sobre o tema, razão pela qual este Relator adere integralmente ao seu conteúdo”, escreveu o magistrado de segundo grau para confirmar o conteúdo do colega de Corumbá.

Descumprimento

“Agindo assim, a Marinha se utiliza de um artifício para não dar efetividade à decisão do juiz da 1ª Vara Federal de Corumbá. Pois, afastada em casa, ela não precisará utilizar uniforme e cabelos femininos, nem mesmo utilizar a plaqueta de identificação com seu nome social no uniforme. Ou seja, foi um ato malicioso de burlar o cumprimento da ordem judicial que o juiz já tomou conhecimento”, afirma a advogada.

Procurado, o Comando do 6º Naval de Ladário limitou-se a informar que a questão se encontra na esfera judiciária, sem mais detalhes.
 

Fonte: G1
Créditos: G1