a relação de Michele com a família

Michele Bolsonaro: como a história familiar da primeira-dama ajuda a explicar a realidade do país

No último sábado (10/08/2019), o Brasil tomou conhecimento de que a avó materna da primeira-dama Michelle Bolsonaro aguardava cirurgia acomodada em um corredor do Hospital Regional de Ceilândia (HRC), na periferia do Distrito Federal. A notícia correu rapidamente pelas redes sociais. Em poucas horas, a idosa foi transferida e operada em outra unidade do governo, desta vez com toda assistência.

Para os tribunais do senso comum, no entanto, o desfecho médico não encerra o assunto. Desde que Michelle subiu a rampa do Planalto ao lado do marido, Jair Bolsonaro (PSL), muitos brasileiros passaram a reparar na distância que a primeira-dama mantém de alguns de seus consanguíneos.

Embora esteja a meia hora do gabinete presidencial, boa parte do núcleo familiar de Michelle de Paula Firmo Reinaldo Bolsonaro não testemunhou o dia em que o marido dela tomou posse na Praça dos Três Poderes.

Desde então, as pessoas levantam hipóteses, julgam e, por vezes, condenam a atitude da primeira-dama. No último fim de semana, as redes sociais exibiram milhares de veredictos dos que se valem das aparências para sentenciar.

Qualquer família guarda seus segredos, tem suas graças e desgraças. A de Michelle não é diferente. Por ser pessoa pública, a curiosidade pelas origens dessa mulher é inevitável. A patrulha aumenta por causa da retórica de valorização da família, presente nas falas de Bolsonaro.

O que, até agora, não foi noticiado é a complexidade da história de Michelle. Ao sair de Ceilândia, ela deixou para trás um cenário de violência, sofrimento e criminalidade.

Dois tios maternos da primeira-dama do Brasil enfrentam problemas com a polícia. Um dos irmãos de sua mãe foi condenado por estupro, em 2018, a 14 anos de prisão. O outro encontra-se preso preventivamente por suposto envolvimento com a milícia.

Na década de 1980, a mãe de Michelle foi indiciada por falsificação de documento. Atualmente, está inscrita em programa habitacional do Governo do Distrito Federal com um RG emitido em Goiás que contém informações adulteradas.

Já nos anos de 1990, a avó materna da mulher de Bolsonaro cumpriu pena por tráfico de drogas – a mesma idosa que há alguns dias foi internada em hospital público do DF.

Foram duas sobrinhas do tio de Michelle que o denunciaram por estupro sofrido quando ainda eram crianças. Em 2015, o avô materno da primeira-dama morreu assassinado de forma brutal, fato que os investigadores concluíram ter sido latrocínio.

Vivendo em um contexto de carências, a família de Michelle também se tornou vítima da violência, um resumo do que é a realidade nas periferias desassistidas do Brasil.

Durante três meses de apuração, o Metrópoles dedicou-se a entender o contexto da mulher que teve a chance de mudar completamente de status. Da infância, vivida em uma das regiões mais pobres e violentas do Brasil, ela deu um salto para o mundo palaciano.

AVÓ:POBREZA, CADEIA E SOLIDÃO

Antes de ser internada com problemas de saúde, Maria Aparecida Firmo Ferreira, 78 anos, costumava tomar banho de sol na esquina da Chácara 85 do Setor Habitacional Sol Nascente sempre por volta das 15h. Junto à comunidade do Pôr do Sol, a região reúne 140 mil habitantes e ostenta a qualificação de maior favela da América Latina, já quase na divisa com Águas Lindas de Goiás.

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da região fica abaixo da linha da pobreza. Lá concentra-se boa parte de todos os problemas sociais de Ceilândia. Apenas 24% das ruas têm rede de águas pluviais e somente 30% são asfaltadas. Mas os moradores se queixam principalmente da violência. O tipo de crime mais comum na região administrativa é o tráfico de drogas. Em 2018, foram realizadas 1,2 mil apreensões pelas polícias Militar e Civil.

Deficiente física, Aparecida caminha com dificuldade e precisa de muletas. Passa muitas horas do dia na porta de casa observando quem entra e quem sai de uma das localidades mais perigosas de Ceilândia. Para os vizinhos, a rotina é motivada pela expectativa de receber visitas.

A aposentada se desequilibrou em 8 de agosto e caiu de costas no chão. Maria Aparecida fraturou o quadril e acabou sendo internada no Hospital Regional de Ceilândia. Depois de dois dias aguardando por uma cirurgia em maca improvisada nos corredores da instituição, ela foi transferida para o Hospital de Base e realizou o procedimento no dia 11 de agosto. A idosa recebeu alta da unidade de terapia intensiva (UTI), na terça-feira (13/08/2019), e foi encaminhada para a enfermaria.

Maria Aparecida é avó de Michelle e tem oito filhos. Mora apenas com Gilberto Firmo Ferreira, que é surdo. Por causa da perda de audição do tio, a primeira-dama especializou-se na Linguagem Brasileira de Sinais.

Mãe e filho residem em uma casa simples, localizada em rua de terra batida paralela e a 10 metros de distância da via principal, asfaltada. O imóvel foi adquirido depois da venda de uma propriedade no centro de Ceilândia.

MÃE: MARIA DAS GRAÇAS OUMIRELE DAS GRAÇAS? RAFAELA FELICCIANO/METRÓPOLES

Em 1988, o delegado Durval Barbosa, que naquela época chefiava a Delegacia de Falsificações e Defraudações, indiciou Maria das Graças Firmo Ferreira, a mãe de Michelle, pela tentativa de tirar documento com o uso de uma certidão falsa. Duas décadas depois, Durval ficaria conhecido em todo o país ao se tornar o delator da Caixa de Pandora, maior esquema de corrupção já desvelado na capital da República. O escândalo, de 2009, desmantelou o governo de José Roberto Arruda.

No inquérito, Barbosa relata que a Certidão de Nascimento nº 10.751 expedida em Planaltina de Goiás e apresentada por Maria das Graças continha dado inverídico. O documento informava que a mulher era 9 anos mais nova do que sua idade biológica. Além disso, omitia o nome do pai dela, Ibraim Firmo Ferreira.

Segundo a polícia, a farsa foi descoberta quando os peritos encontraram uma homônima de Maria das Graças no banco de dados do Instituto de Identificação do DF. Ao comparar a foto recente dela com a antiga, desconfiaram que se tratava da mesma pessoa.

Segundo familiares, a mãe de Michelle teria mudado o ano de nascimento por vaidade. Com o documento modificado, registrou os três irmãos de Michelle: Suyane Lanuze Ferreira Lima, 27 anos, Geovanna Kathleen Ferreira Lima, 20 anos, e Yuri Daniel Ferreira Lima, 15 anos.

Na certidão de nascimento de Michelle, no entanto, consta o nome de batismo da mãe, Maria das Graças.

A AMIZADECOM O PAI

Apesar de ter convivido pouco tempo com os pais morando na mesma casa, a primeira-dama nunca se distanciou do pai, Vicente de Paulo Reinaldo. O marido, Jair Bolsonaro, conserva ótima relação com o sogro, a quem trata por “Paulo Negão”. O apelido, revelado em público, foi uma forma de o então candidato à Presidência rebater acusações de racismo.

Motorista aposentado de ônibus, Vicente nasceu em Crateús (CE), mas vive em Ceilândia há muitos anos. Ele mora perto da ex-mulher, Maria das Graças. As duas casas são separadas pela Avenida Hélio Prates.

Paulo mora em uma residência modesta que divide com outra família, para quem aluga as acomodações por R$ 600 mensais. No imóvel, ele também comporta uma serigrafia. Sua clientela é formada em boa parte por fiéis de uma igreja evangélica.

Com a soma desses recursos e da aposentadoria, o pai de Michelle sustenta a casa e a mulher, Maísa Torres.

Apesar de ficar praticamente no centro de Ceilândia, a quadra em que Paulo mora é cercada pelo descaso. No beco em frente a sua casa, há lixo amontoado. Além disso, a passagem ao lado é usada para o consumo de drogas.

A 500 metros, existe uma das maiores bocas de fumo da região. Por diversas vezes, Maísa, sem se identificar como madrasta da primeira-dama, telefonou para a polícia pedindo ajuda, na expectativa de que uma batida espantasse os traficantes. Sem sucesso.

O anonimato é uma das estratégias que Paulo e Maísa usam para não perderem a paz. Apesar de a maioria dos vizinhos saber do laço familiar com a primeira-dama, as visitas de Michelle e Bolsonaro diminuíram, por questões de segurança, quando o genro se tornou candidato a presidente.
 

MAIS SOBRE MICHELLE

Em 1° de janeiro de 2019, quando trajou um elegante vestido rosa de zibeline de seda e discursou em Libras (Linguagem Brasileira de Sinais), ao lado do marido, no púlpito do Planalto, Michelle conquistou admiradores em todo o país. Recentemente, entrou nos trending topics do Twitter, por ter exibido publicamente peças de lingerie que ganhara de uma marca. Um ponto fora da curva do estilo discreto adotado na maioria das vezes.

Entre a infância de privações e a ascensão ao Palácio da Alvorada, a primeira-dama percorreu trajetória de sobressaltos vividos em numerosa família radicada na periferia de Brasília. Michelle nasceu às 5h10 do dia 22 de março de 1982 no Hospital Regional de Ceilândia (HRC), localizado na cidade onde morou até o início da vida adulta.

A primeira-dama cresceu na QNN 3, a 37 quilômetros do Palácio da Alvorada. Filha de motorista de ônibus e de cabeleireira, foi criada pela mãe e pelas tias maternas. O pai saiu de casa quando Michelle ainda era criança.

Michelle deixou Ceilândia depois de se casar, em 2007, com o então deputado federal Jair Bolsonaro. Ela era secretária da liderança do Partido Progressista (PP) quando conheceu o atual marido. Mudou-se com a filha Letícia Marianna Firmo da Silva, 5 anos à época, para um condomínio de luxo na

No dia do parto, além de Michelle, estavam no hospital particular as irmãs pelo lado materno: a professora da rede pública Suyane Lanuze, 27 anos, e a estudante Geovanna Kathleen, 20 anos. A foto da família foi divulgada no Instagram da primeira-dama logo depois do nascimento do bebê.

O momento de felicidade alimentou críticas na rede social. O tratamento ao qual a cunhada de Michelle teve acesso na instituição privada contrasta com a precariedade da infraestrutura da rede pública a que a avó da mulher de Bolsonaro foi submetida.

Procurada pelo Metrópoles, Michelle preferiu não se pronunciar sobre a reportagem.

Todos esses fatos ajudam a explicar não as particularidades de uma família, mas jogam luz às contradições do país. Em uma perspectiva sociológica, observa-se que a atual primeira-dama representa dois Brasis – o oficial, de liturgias, privilégios e pompas, e o periférico, pobre, necessitado, violento, desordenado e sem qualquer glamour.

Mesmo tendo se adaptado bem à vida carioca e até adotado um leve sotaque chiado, Michelle continuou frequentando Ceilândia até a eleição presidencial do marido.

Os meios-irmãos de Michelle participam da vida familiar de Bolsonaro. Frequentam festas de aniversário, ceias de Natal e foram convidados para a posse do presidente. Pelo lado paterno, a primeira-dama tem o irmão Diego Torres Dourado, soldado da Força Aérea Brasileira (FAB). A mulher do rapaz, chamado carinhosamente por Michelle de “Amendoim”, deu à luz recentemente o pequeno Arthur.

 

Fonte: Metrópoles
Créditos: Metrópoles