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Juiz determina que Aos Fatos exclua checagens que mostram desinformação da revista Oeste

A agência de checagem cumpriu a decisão e afirma que irá recorrer.

O juiz Marcelo Augusto Oliveira, da 41ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, determinou, em decisão liminar (provisória), que a agência de checagem Aos Fatos exclua textos que mencionam desinformação publicada pela revista Oeste. Órgãos de imprensa classificam a medida como censura.

A decisão, assinada na última sexta-feira (23), determina multa diária de R$ 1.000 caso o site da Aos Fatos não exclua menções à revista em reportagens que desmentem afirmações sobre queimadas na Amazônia e sobre o chamado “tratamento precoce” contra a Covid-19.

A agência de checagem cumpriu a decisão e afirma que irá recorrer.

O juiz acatou a argumentação da revista Oeste, que alega danos morais e materiais. Segundo Aos Fatos, as menções à Oeste estão nas reportagens “É falso que a imagem da Nasa prova que Amazônia não está em chamas” e “É falso que São Lourenço [MG] zerou mortes e internações por Covid-19 devido a ‘tratamento precoce’”.

“Não apenas discordou da informação contida nas publicações da autora [Oeste], como também já lhe atribuiu caráter de falsidade logo no título da reportagem, com o nítido propósito de retirar-lhe a credibilidade perante os leitores, sem a mínima cautela. O tom adotado é mesmo agressivo, e toma para si o monopólio da verdade do conteúdo tratado, como se qualquer outra reportagem em sentido diverso fosse genuinamente mentirosa”, afirma o juiz.

A agência de checagem de notícias Aos Fatos tem como função apontar desinformação publicada em veículos e redes sociais.

Nos casos da revista Oeste, a agência desmentiu que imagens da Nasa mostrariam menos focos de incêndio do que os dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), já que a imagem da Nasa se referia a um dia de julho de 2020 e os dados do Inpe contemplavam todo o mês de junho.

Em relação ao “tratamento precoce” ter zerado casos de Covid-19 em São Lourenço, o veículo afirmou que a notícia era enganosa. Segundo Aos Fatos, houve casos na cidade mineira no período, além de os remédios do “tratamento precoce” serem comprovadamente sem eficácia para Covid-19.

Tai Nalon, diretora-executiva da Aos Fatos, afirma que a decisão do juiz se deu por ele “acreditar ser uma forma de escrever agressiva, esse tipo de interpretação é censura”.

“Se esse tipo de decisão se populariza, inviabiliza a checagem de fatos e, no fim da contas, inviabiliza o trabalho do jornalista. Uma das funções do jornalista é demonstrar o que é falso e o que não é, sobretudo em tempos em que desinformação afeta a vida das pessoas, como na pandemia”, acrescenta.

O presidente da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), Marcelo Träsel, lembra que o Judiciário pode conceder direito de resposta ou indenização em caso de danos à imagem.

“Magistrados e outras autoridades não são dotados da prerrogativa legal, da autorização constitucional e tampouco da capacidade técnica para editar notícias”, diz.

“Casos de retirada de conteúdo da web são de maneira geral indesejáveis do ponto de vista da liberdade de imprensa, mas a interferência direta na redação de textos jornalísticos é extremamente preocupante, pois lembra os mecanismos usados pela ditadura militar para suprimir informação de interesse público”, afirma Träsel.

“Infelizmente, essa não foi a primeira decisão neste sentido, visto que, em dezembro de 2020, a 3ª Vara Cível da comarca de Florianópolis, de forma inédita, obrigou o The Intercept Brasil a modificar o texto de uma reportagem. As instâncias superiores não devem permitir que tal aberração prospere no Judiciário brasileiro, sob pena de criar precedentes perigosos para as liberdades de expressão e de imprensa.”

A presidente da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), Maria José Braga, criticou a censura.

“Infelizmente, o Poder Judiciário, na ação de juízes de primeira e segunda instância, tem agido como censor. Esse juiz, como outros que censuram, fere a Constituição brasileira com suas decisões, e esperamos que a decisão seja revertida.”

O diretor do Observatório da Liberdade de Imprensa da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Pierpaolo Cruz Bottini, afirma que “a forma ou o conteúdo de uma matéria não podem ser objeto de censura judicial”.

“A liberdade de expressão é mais importante que a discordância desta ou daquela matéria e deve ser protegida em todos os seus aspectos”, finaliza.

Fonte: Uol
Créditos: Uol