Lei nº 1.079

Falas de Bolsonaro quebram decoro e podem indicar crime de responsabilidade

 

 

As falas recentes do presidente Jair Bolsonaro (PSL), como a da manhã de hoje sobre a morte de Fernando
Santa Cruz, pai de Felipe Santa Cruz, presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), podem ser
enquadradas na lei de crimes de responsabilidade, dizem especialistas em diferentes áreas de direito
ouvidos pelo UOL. O julgamento de um eventual pedido de impeachment a partir da lei, no entanto, é
fundamentalmente político.
Ao reclamar sobre a participação da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) na investigação do ataque a
faca sofrido por ele durante a campanha eleitoral no ano passado, Bolsonaro afirmou que poderia explicar
ao presidente da Ordem como o pai dele, considerado desaparecido político, sumiu durante a ditadura
militar.

De acordo com os advogados ouvidos, esta é mais uma das declarações que poderiam enquadrar o
presidente na Lei nº 1.079, que trata de crimes de responsabilidade. De acordo com o Artigo 9º, é “crime
de responsabilidade contra a probidade na administração proceder de modo incompatível com a
dignidade, a honra e o decoro do cargo”.

Nos últimos 10 dias, o presidente deu uma série de declarações falsas, preconceituosas ou sem
embasamento, como mostra levantamento da Folha de S. Paulo.
“Como presidente, Bolsonaro tem de zelar pelos direitos da nação. É esse tipo de decoro que se espera do
cargo. Ele não é o presidente do clube de bocha da esquina, mas do Brasil, representa os brasileiros”,
afirma Alexis de Brito, professor de Direito Penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Ele explica que o decoro previsto na lei, por mais amplo que seja, é o que se espera do papel de liderança.
“E não me parece que seja esse tipo de declaração”, completa.

“A expressão ‘decoro’ é muito ampla, mas, de maneira geral, indica que se deve ter um comportamento
decente, recatado, discreto. Não cabe ao presidente, no exercício da função, fazer comentários sobre
questões familiares, ainda mais em situações tão delicadas como a do presidente da OAB ou qualquer tipo
de pessoa”, concorda Thiago Marrara, professor de Direito da USP (Universidade de São Paulo).

Prejuízo ao Brasil
Especialista em Direito Público, Marrara afirma que um dos atributos do cargo presidencial é não misturar
impressões e emoções pessoais com o exercício da função. “É nessa linha que ele tem de ser recatado e
não misturar suas paixões, inclusive de modo a não fazer ataques a uma pessoa ou a outra”, pontua.
“Ele não é só o Bolsonaro, é o presidente da República: tem de ter responsabilidade porque sua fala tem o
poder que o cargo traz”, argumenta o advogado eleitoral Alberto Rollo.
“As coisas que ele diz podem fazer subir ou descer a Bolsa, o dólar, trazer ou não mais investimentos
estrangeiros para o Brasil. Qualquer palavra dele tem essa possibilidade. Ao usar palavras como esta, ele
acaba prejudicando o Brasil”, avalia Rollo.
André Kehdi, ex-presidente do Conselho Consultivo do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais),
concorda. Para o advogado criminalista, este tipo de fala é “incompatível” com o cargo exercido.
‘Não tem nenhum indício forte que esse índio foi assassinado’, diz Bolsonaro
‘Não tinha ninguém pra dar um tiro nele?’, questiona Bolsonaro sobre morador de rua
Presidente da OAB: o que incomoda Bolsonaro é defesa dos direitos humanos
Não é papel do presidente da República fazer picuinha, dar visões particulares e praticar revanchismos
Alexis de Brito, professor de Direito Penal do Mackenzie

“Ditadura militar é um tema muito caro para nós. O Brasil passou por um momento muito grave, de regime
de exceção. Quando ele fala isso, ofende o pai do presidente da OAB e todas as pessoas que perderam
parentes ou sofreram torturas nesse período”, avalia Kehdi. “Quando ele faz esse tipo de afirmação, em tom
jocoso, agressivo e abjeto, me parece que procede de forma incompatível.”
O problema é o “conjunto da obra”

Na avaliação dos especialistas, juridicamente, o principal problema da última fala de Bolsonaro é que ela
não está sozinha. A repetição deste tipo de situação, explicam os entrevistados, pode enquadrar o
presidente na lei. “É como se levasse um cartão vermelho pelo conjunto da obra”, explica Brito.
“Essa quebra de decoro da presidência é como um abismo: precisa de um longo trajeto para chegar até lá,
mas ele está caminhando para cada vez mais próximo”, explica Rollo.
Para Kehdi, as falas de Bolsonaro tiram a “dignidade do cargo”, que segundo ele, “está sendo minado de
dentro”.

Julgamento político
Uma eventual acusação de crime de responsabilidade contra o presidente deriva em um julgamento mais
político do que jurídico, pois é avaliado na Câmara dos Deputados.
Qualquer brasileiro pode fazer uma representação no Congresso contra o presidente de República quando
bem entender. Mas tudo tem de estar devidamente fundamentado, com base jurídica.
“Um dos primeiros atos do presidente da Câmara ao receber uma representação é pedir um parecer da
assessoria jurídica. Muitos não têm pé nem cabeça e já caem de cara. Por isso tem de estar
fundamentado”, explica Rollo. “Depois, cabe ao presidente da Câmara tocar para frente ou não.”
“Neste caso [de Bolsonaro], juridicamente cabe. Mas você estaria forçando um pouco a barra
politicamente? Sim. Por isso que depende muito mais da articulação. É só lembrar da relação da Dilma com
o [ex-presidente da Câmara, que aceitou seu pedido de impeachment, Eduardo] Cunha”, afirma Rollo.
“Todos os presidentes passam por diversas representações e quase nenhuma vai para frente. A Dilma
[Rousseff] teve várias até uma ser aceita”, diz Brito. “Depende da política, é um julgamento político. Tanto
que tudo fica tão relativo que o Bolsonaro está nadando de braçada e continua [a dar declarações
polêmicas].”

Fonte: Uol
Créditos: –