antiviolência doméstica

Extensão da Lei Maria da Penha para trans divide tribunais

Há mais de oito meses, Luana Emanuele, então com 18 anos, correu pelas ruas de Juquiá (SP) perseguida pelo pai, que a agrediu em casa quando ela resistiu a uma tentativa de estupro. Na fuga, ela encontrou policiais militares que contiveram o homem, registraram boletim de ocorrência e a encaminharam a um hospital, onde ela fez exame de corpo delito. Mesmo com o flagrante e a pele toda marcada, a medida protetiva que tentou pedir contra o pai foi negada porque Luana é uma mulher transexual.

“Como eu não tinha pra onde ir, tive de voltar para São Paulo”, conta Luana. Segundo ela, os PMs disseram que só podiam registrar o crime e a levar para um lugar seguro. “Falaram que (juízes) não iam aceitar a medida protetiva porque eu era uma mulher trans.” Em maio, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) negou a medida a ela, por causa deste exato motivo.

Apesar de haver precedentes, não há entendimento unânime na Justiça sobre estender a Lei Maria da Penha, antiviolência doméstica, para mulheres transexuais. A medida protetiva é, por exemplo, afastar o agressor da casa ou do contato – físico ou virtual – com a vítima, sob pena de prisão caso haja reincidência.

O TJ-SP sustentou “impossibilidade jurídica de fazer a equiparação ‘transexual feminino = mulher'”. A decisão foi pela maioria dos desembargadores – só uma votou a favor da medida para Luana. Já o Ministério Público paulista (MP-SP) recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) – o julgamento de um colegiado de ministros pode render jurisprudência inédita sobre o tema.

O próprio TJ-SP já havia resolvido, em janeiro, que o caso de uma transexual agredida pelo ex-companheiro seria julgado na Vara de Violência Doméstica. No TJ do Distrito Federal, desde 2018 há decisões que reconhecem não só o sexo biológico, mas o gênero feminino. Um acórdão firmado por aquele Tribunal em janeiro deste ano também firma que o fato de a vítima ser transexual “não afasta a proteção legal, tampouco a competência do Juizado de Violência Doméstica e Familiar”.

Por outro lado, em junho, a Justiça de Minas negou medida protetiva a uma transexual de Juiz de Fora agredida pelo padrasto. “Conforme se verifica nos autos, não se trata de uma vítima mulher, assim como as agressões não ocorreram em razão do gênero feminino”, diz um trecho da decisão.

Para o promotor Luis Marcelo Mileo Theodoro, do MP-SP, a interpretação mais correta para a Lei Maria da Penha é a de que ela versa sobre o gênero feminino independentemente do sexo biológico. “Inclusive, sem necessidade da redesignação sexual”, defende.

Em nota, o TJ-SP diz que “não é permitida orientação da administração sobre o resultado dos julgamentos”, mas destaca que juízes têm “independência funcional para decidir de acordo com os documentos dos autos e seu livre convencimento”. Se há discordância, afirma, cabe às partes recorrer.

Fonte: TERRA
Créditos: Polêmica paraíba