parem de nos matar!

DJ IVIS: Aumento de seguidores revela naturalização da violência contra a mulher - Por Bruna Forte

Segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, foram registradas 105.821 denúncias de violência contra a mulher nas plataformas do Ligue 180 e do Disque 100 somente em 2020

As imagens são perturbadoras: vídeos gravados por câmeras de segurança residencial mostram Iverson de Souza Araújo, conhecido no cenário musical como DJ Ivis, agredindo a ex-esposa Pamella Holanda com chutes, socos, puxões de cabelo e fortes golpes com a própria camiseta. Divulgados na rede social Instagram por Pamella no último domingo, 11, os ataques aconteceram na frente da filha deles, de apenas 9 meses de idade. A arquiteta e influenciadora também publicou fotos de seu rosto machucado em decorrência das violências cometidas por Ivis em março deste ano.

Paraibano radicado em Fortaleza, o produtor fez sucesso ao emplacar a canção “Esquema Preferido” no topo das paradas de streaming nacionais. Após a repercussão nas redes sociais, a Vybbe — escritório comandado pelo músico Xand Avião e que gerenciava a carreira de Ivis — informou em nota que afastou o artista de “todos os compromissos”. O expoente forró eletrônico também deixou de ser seguido por amigos como Zé Vaqueiro, Barões da Pisadinha e Tarcísio do Acordeon. Ontem, 12, entretanto, o produtor já acumulava mais de 260 mil novos seguidores no Instagram até o fechamento desta edição.

Segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, foram registradas 105.821 denúncias de violência contra a mulher nas plataformas do Ligue 180 e do Disque 100 somente em 2020. As acusações de violência doméstica, ainda de acordo com o órgão público, representam cerca de 30% de todas as denúncias realizadas nos canais no ano passado. No País que acumulou 1.338 feminicídios nos primeiros 10 meses de pandemia, o crescimento dos seguidores de DJ Ivis após a veiculação dos vídeos de agressão é sintoma da gravidade do machismo socialmente naturalizado.

“É importante a gente perceber que as redes sociais são extensões das vivências das pessoas, elas não são dissociadas. As redes sociais, então, acabam reproduzindo os comportamentos da sociedade. A violência doméstica é, infelizmente, muito naturalizada: é muito natural que a sociedade entenda que as mulheres sofrem violências dentro de casa, no âmbito do lar, onde muitas vezes o algoz é o próprio companheiro — eu não diria que é uma violência que não causa repúdio, que não causa tristeza e revolta, mas entende-se como parte da sociedade”, destaca a pesquisadora de gênero Marina Solon.

Doutoranda vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Ceará (UFC), Marina ressalta o fenômeno do aumento de seguidores de Ivis como mais uma violência cometida contra Pamella. “O fato de Ivis ganhar seguidores nesse meio tempo justifica-se muito por esse olhar naturalizado, que coloca a mulher numa situação de provocar, de ser louca, de ter culpa. Há também curiosidade e uma tentativa de validar uma teoria de que a mulher não é tão vítima assim. Para o olhar social do senso comum, as mulheres sempre podem estar erradas. Isso diz muito sobre o interesse pelas redes sociais do Ivis, uma tentativa de colocar um outro lado da história — quando, na verdade, a gente entende que a mulher vítima de violência doméstica nunca é culpada pelo que aconteceu. A culpa é somente do agressor”, defende.

Nas redes sociais, artistas como Juliette Freire, Solange Almeida, Marília Mendonça, Ludmilla e Joelma manifestaram apoio à Pamella. “Eu me calei por muito tempo! Eu sofria sozinha com minha filha, sem apoio até dos que se diziam estar ali para ajudar, que eram coniventes e presenciavam tudo calados sem interferir (…). Não se calem! Não se calem jamais”, escreveu Pamella em stories após as mensagens acolhedoras. “O papel da sociedade diante de casos como o da Pamella é, primeiro, entender essa mulher como uma mulher que é vítima e como uma mulher que está vulnerável socialmente. É importante que essa Cidade se coloque ao lado dela, que outras mulheres se coloquem ao lado dela, fortalecendo. Apoiar mulheres vítimas desses machismos é sempre se colocar ao lado delas, reforçando que essas mulheres não estão sozinhas, reforçando que é possível criar uma rede de apoio onde essas mulheres se sintam seguras”, sugere Marina.

Ivis também se pronunciou nas redes sociais, culpabilizando a vítima pelas agressões. O advogado do músico entrou com um pedido na justiça para remover o conteúdo em que o artista aparece agredindo a ex — negado pela juíza Maria José Sousa Rosado de Alencar. No Instagram, Pamella já acumula 2,7 milhões de seguidores, número crescente ao longo do dia. Para a psicóloga e pedagoga Eveline Câmara, fundadora e gestora do Instituto de Especialidades Integradas, é essencial reconhecer o lugar que Ivis ocupa perante a sociedade: “É importante pontuar que esse homem que profere essa violência é um homem branco, hetero, cis, economicamente privilegiado porque ele é um artista reconhecido. É desse lugar que é proferida essa violência, então a maneira como ela é entendida também vai perpassar por esse lugar que ele ocupa. Isso aparece nos vídeos, quando ele está violentando fisicamente a esposa e tem um homem ao lado que não faz nada para impedir; e isso aparece no discurso, quando ele tenta colocar o discurso da vítima como algoz ao falar que o casamento já não está bom, que ela o ameaça”, frisa.

“Enquanto sociedade, qual o nosso papel perante casos como o de Pamella Holanda? A primeira questão que nós temos que entender é que nós somos um coletivo, nós temos responsabilidade em relação à essa violência que é criada, independente dessa violência estar sendo naquele momento divulgada e proferida por um indivíduo só. A violência de gênero se repete — principalmente contra o feminino —, a violência doméstica se repete. É preciso ter consciência que nós precisamos nos posicionar e dar conta dessa violência que, enquanto sociedade, nós colaboramos para a criação. Quando nos posicionamos, estamos colaborando para que haja uma desconstrução e uma reconstrução em cima de algo que não está funcionando. Em briga de marido e mulher, se mete a colher sim, porque é uma violência que se repete não dentro de uma casa só, mas dentro de várias e de várias formas”, sustenta Eveline.

Fonte: O Povo / Bruna Forte
Créditos: O Povo / Bruna Forte