Investigações

Defesa de Flávio leva a Bolsonaro suspeita que pode anular caso Queiroz

Passava das 18 horas do dia 25 de agosto quando um sorridente Jair Bolsonaro abriu seu gabinete, no terceiro andar do Palácio do Planalto, para receber Luciana Pires e Juliana Bierrenbach, as advogadas de Flávio Bolsonaro no caso Queiroz. Na mesa retangular, esperavam Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e Alexandre Ramagem, diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Os três estavam ávidos para ouvir delas o que Flávio, naquele dia recolhido devido à Covid-19, havia relatado ao presidente: as duas afirmavam ter descoberto a chave para derrubar o caso Queiroz. Se provada na Justiça, essa tese livraria Flávio e todos os demais deputados investigados por rachadinhas no Legislativo fluminense. Numa explanação que durou cerca de uma hora, as duas apresentaram documentos que, na visão delas, provariam a existência de uma organização criminosa instalada na Receita Federal, responsável por levantar informações que embasariam os relatórios de inteligência financeira pelo Conselho de Controle de Atividades Econômicas (Coaf). Um desses relatórios teria sido difundido nos primeiros dias de 2018 e dinamitado o esquema que, segundo o Ministério Público Federal, era comandado pelo filho do presidente.

Passava das 18 horas do dia 25 de agosto quando um sorridente Jair Bolsonaro abriu seu gabinete, no terceiro andar do Palácio do Planalto, para receber Luciana Pires e Juliana Bierrenbach, as advogadas de Flávio Bolsonaro no caso Queiroz. Na mesa retangular, esperavam Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e Alexandre Ramagem, diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Os três estavam ávidos para ouvir delas o que Flávio, naquele dia recolhido devido à Covid-19, havia relatado ao presidente: as duas afirmavam ter descoberto a chave para derrubar o caso Queiroz. Se provada na Justiça, essa tese livraria Flávio e todos os demais deputados investigados por rachadinhas no Legislativo fluminense. Numa explanação que durou cerca de uma hora, as duas apresentaram documentos que, na visão delas, provariam a existência de uma organização criminosa instalada na Receita Federal, responsável por levantar informações que embasariam os relatórios de inteligência financeira pelo Conselho de Controle de Atividades Econômicas (Coaf). Um desses relatórios teria sido difundido nos primeiros dias de 2018 e dinamitado o esquema que, segundo o Ministério Público Federal, era comandado pelo filho do presidente.

Segundo registros feitos posteriormente pelo GSI, as duas apresentaram na reunião uma série de indícios no relatório do Coaf, que, na avaliação da defesa, o distinguiria dos demais tradicionalmente feitos pelo órgão por trazer informações das quais este não dispõe em seus bancos de dados. E apresentaram documentos que mostram que um grupo de funcionários da Receita, lotados na Corregedoria do Rio de Janeiro, estaria alimentando os órgãos de controle, entre eles o Coaf, com dados sigilosos sobre políticos, empresários, funcionários públicos, entre outros.

Um dos documentos seria um processo do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco), encaminhado em 2017 para a Corregedoria-Geral do Ministério da Fazenda, relatando que servidores da Corregedoria da Receita no Rio estariam sendo alvo de práticas ilegais de investigação por parte de colegas. As advogadas sustentaram que esses servidores seriam perseguidos por se recusarem a participar de ações irregulares praticadas por colegas, a exemplo da fabricação de denúncias apócrifas, o que representaria um desvio de finalidade da inteligência tributária.

Meses depois da notificação pelo Sindifisco, o corregedor-geral da Receita, José Pereira de Barros Neto, o mesmo até hoje no cargo, respondeu questionando a competência do sindicato para tratar do assunto e afirmando que teria orientado os citados a não responder. O corregedor insistiu, ainda em 2019, que o sindicato deveria arquivar a apuração.

Em janeiro de 2020, após a conclusão da apuração, o Sindifisco arquivou a acusação contra esses filiados supostamente perseguidos contra os servidores da Corregedoria, afirmando não ver conexão nos fatos alegados por eles com alguma violação do estatuto do sindicato. Não houve nenhuma comprovação, portanto, de que eles de fato eram perseguidos — nem de que não eram. O sindicato não se aprofundou no assunto. Procurada, a Corregedoria da Receita afirmou que não responderia se foi ou não aberta uma investigação sobre o caso.

A tese da defesa era que o relatório que trata dos supostos esquemas no gabinete de Flávio e de outros 21 deputados da Alerj tem características idênticas às práticas irregulares de que a Corregedoria da Receita no Rio foi acusada.

Quando Pires e Bierrenbach concluíram o raciocínio, Bolsonaro estava estupefato. O presidente dirigiu-se a Ramagem e perguntou: “Você sabia disso?”. Um constrangido chefe da Abin deu uma resposta evasiva. Não sabia.

Eis que se chega à razão do envolvimento do chefe da Segurança Institucional e o diretor de Inteligência naquela reunião. Heleno e Ramagem saíram dali com a missão de, “em nome da segurança da família presidencial”, checar se o roteiro narrado pela defesa do zero um se sustentava. E o mais importante: conseguir um documento que comprovasse que Flávio foi vítima de uma devassa ilegal por integrantes da Inteligência da Receita.

O GSI não conseguiu, mas de lá para cá passou a acompanhar cada etapa da investida da defesa do filho do presidente para conseguir uma prova que possa anular o caso.

A estratégia de Flávio Bolsonaro, a partir daí, passou a ser outra.

O próprio e sua defesa se reuniram com o secretário da Receita, José Barroso Tostes Neto, a quem foi entregue um documento narrando todas essas suspeitas. Agentes da Abin registraram esse encontro num relatório de inteligência. O conteúdo da petição entregue ao chefe da Receita foi compartilhado por ele com um círculo de pessoas de sua extrema confiança. Nela, a defesa de Flávio Bolsonaro requisitava que fosse pesquisado o histórico de acessos aos dados do filho do presidente, inclusive — e aqui o roteiro ganha ainda mais ares de teoria da conspiração — as consultas feitas por meio de uma suposta senha invisível, que seria usada na Corregedoria para investigar funcionários sem deixar rastros.

O secretário da Receita nada entregou, o que causou estranheza ao Planalto.

Bolsonaro chamou Tostes Neto para uma conversa há algumas semanas, quando o questionou. Na conversa, o secretário da Receita afirmou que havia feito uma busca e nada aparecera que corroborasse as suspeitas da defesa. A explicação não convenceu. Procurado, ele também se recusou a responder o que fez diante das denúncias que recebeu.

Flávio partiu para uma nova tentativa, desta vez junto a Gileno Gurjão Barreto, diretor-presidente do Serviço Federal de Processamento de Dados do governo (Serpro).

No dia 29 de setembro, o zero um reuniu-se com Gurjão Barreto em Brasília, num discreto endereço, distante da sede do Serpro. O zero um pediu que a empresa federal de dados levantasse diretamente os dados que, para estranheza do Planalto, a Receita havia se recusado a fornecer.

O tiro também foi na água: o Serpro alegou ter um contrato de confidencialidade com a Receita, que seria descumprido se qualquer dado fosse fornecido.

No GSI, o assunto vem sendo tratado com extrema cautela. Heleno considera que o tema envolve de fato a segurança da família presidencial, mas, indagado, evitou fazer qualquer comentário oficial sobre o tema. A Abin segue no caso, auxiliando a defesa de Flávio Bolsonaro.

Já na Receita, o tema caiu como uma bomba. Há um temor na cúpula com dois possíveis desfechos para o caso, nenhum deles positivo para a atual gestão. Se a defesa de Flávio Bolsonaro judicializar o caso, a Receita pode se ver no meio de um tiroteio jurídico. Mas isso pode nem esperar tanto: o medo é que Jair Bolsonaro troque o chefe da Receita antes mesmo que o caso vá para a Justiça.

Flávio Bolsonaro e sua defesa — Luciana Pires, Juliana Bierrenbach e Rodrigo Roca — recusaram-se a falar sobre o tema. Para o zero um, cujo pó da ampulheta segue caindo, comprovar a tese de suas advogadas seria quase como uma nova eleição para o Senado. Encontrado um vício de origem no relatório de inteligência financeira, o caso Queiroz estaria morto. O governo Bolsonaro mataria seu maior fantasma e, de quebra, ainda fortaleceria o papo de que, sob o Mito, não há corrupção.

Fonte: Época
Créditos: Polêmica Paraíba