crise financeira

Cargo anunciado para Regina Duarte não existe na Cinemateca - LEIA CARTA

Instituição corre o risco de ter sua energia elétrica cortada por falta de pagamentos das contas de luz

Um imbróglio processual envolvendo o Ministério da Educação, a Secretaria Especial de Cultura e a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp) coloca em dúvida o próprio funcionamento da Cinemateca Brasileira, assim como o papel que Regina Duarte pode desempenhar na entidade.

Pelo Twitter, o presidente Jair Bolsonaro disse que Regina Duarte, demitida nesta quarta-feira, 20, do cargo de secretária especial da Cultura, iria para a Cinemateca Brasileira. Mas embora o governo federal possa ter influência nas decisões, as indicações para os cargos seriam feitas pela organização social que administra a Cinemateca.

Em março de 2018, foi assinada uma parceria entre o antigo Ministério da Cultura e o Ministério da Educação, em que a Cinemateca passava a ser administrada integralmente pela Acerp por um período de 3 anos, portanto, até 2021. Mas a suspensão do contrato original do Ministério da Educação com a Acerp, anunciada em dezembro de 2019 pelo ministro Abraham Weintraub, faz chover incertezas a situação da instituição de cinema, que não recebeu repasses do governo federal em 2020.

Uma possibilidade de ação seria o governo levar a Cinemateca novamente para sua estrutura (antes, ela era ligada à Secretaria do Audiovisual), tipo de processo burocrático exigente mesmo em condições normais.

O problema é que desde 2013 a Cinemateca vive uma das piores crises da sua história de mais de 60 anos, chegando ao ponto de pessoas ligadas à instituição divulgarem uma carta neste último fim de semana, em que afirmam que a Cinemateca “não recebeu ainda nenhuma parcela do orçamento anual, cujo montante é da ordem de R$ 12 milhões”, em 2020.

O documento prossegue: “após sofrer uma intervenção do Ministério da Cultura em 2013, que destituiu sua diretoria e retirou-lhe a autonomia operacional, vem enfrentando um processo contínuo de enfraquecimento institucional que culmina na atual ameaça de total paralisia”.

Em contato com o Estadão, o professor da ECA-USP e um dos signatários da carta, Rubens Rewald, afirmou que se os repasses anuais não forem feitos, a Cinemateca corre o risco de ter sua energia elétrica cortada por falta de pagamentos das contas de luz.

“O contrato do Governo Federal com a Organização Social que a administra – Associação de Comunicação Educativa Roquete Pinto (ACERP) – foi encerrado por iniciativa do MEC. A atual Secretaria Especial da Cultura, responsável pela Cinemateca, tem seus vínculos administrativos divididos entre os ministérios da Cidadania e do Turismo. Essa situação esquizofrênica dificulta a atuação do governo com a urgência necessária para impedir a falência da Cinemateca, enquanto a administração pública se dedica a desenhar uma solução de longo prazo. Se o orçamento da Cinemateca não for imediatamente repassado a ACERP, assegurando a manutenção do quadro mínimo de contratados e as condições físicas de conservação, não haverá necessidade de uma perspectiva de fôlego, pois já teremos alcançado a solução final”, prossegue o documento.

Cineastas e familiares de artistas brasileiros demonstraram ao longo do dia preocupação com as ações que ex-secretária pode tomar no comando da instituição, dedicada, enfim, à história do Brasil.

Leia a íntegra da carta, redigida pelo ex-diretor da instituição e seu “eterno guardião”, Carlos Augusto Calil, da ECA-USP:

“Cinemateca Brasileira pede socorro

A Cinemateca Brasileira, maior arquivo de filmes do país, cuja trajetória é reconhecida internacionalmente, enfrenta uma situação limite. Em meados de maio não recebeu ainda nenhuma parcela do orçamento anual, cujo montante é da ordem de R$ 12 milhões.

Após sofrer uma intervenção do Ministério da Cultura em 2013, que destituiu sua diretoria e retirou-lhe a autonomia operacional, vem enfrentando um processo contínuo de enfraquecimento institucional que culmina na atual ameaça de total paralisia.

A Cinemateca tem sob sua guarda o maior acervo audiovisual da América do Sul, cuja preservação demanda cuidados permanentes de técnicos especializados e manutenção de estritos parâmetros de conservação em baixa temperatura e umidade relativa.

Estão sob sua custódia coleções públicas e privadas que constituem a memória audiovisual do país. Além do seu intrínseco valor cultural, as obras dos produtores nacionais agregam valor econômico; são fonte de renda industrial que mantém a dinâmica do setor. A ameaça que paira sobre a Cinemateca não é a destruição de valores apenas simbólicos, mas igualmente tangíveis.

O contrato do Governo Federal com a Organização Social que a administra – Associação de Comunicação Educativa Roquete Pinto (ACERP) – foi encerrado por iniciativa do MEC. A atual Secretaria Especial da Cultura, responsável pela Cinemateca, tem seus vínculos administrativos divididos entre os ministérios da Cidadania e do Turismo.

Essa situação esquizofrênica dificulta a atuação do governo com a urgência necessária para impedir a falência da Cinemateca, enquanto a administração pública se dedica a desenhar uma solução de longo prazo. Se o orçamento da Cinemateca não for imediatamente repassado a ACERP, assegurando a manutenção do quadro mínimo de contratados e as condições físicas de conservação, não haverá necessidade de uma perspectiva de fôlego, pois já teremos alcançado a solução final.

O descaso da Secretaria do Audiovisual do extinto Ministério da Cultura para com a Cinemateca acarretou o incêndio de fevereiro de 2016 – o quarto sofrido pela instituição em sua história – em que se perderam definitivamente mil rolos de filmes antigos, fato que na ocasião foi relegado pelas autoridades, que não tomaram nenhuma providência de reparação ou de prevenção de novos acidentes.

Em fevereiro deste ano, as instalações da Cinemateca na Vila Leopoldina (São Paulo), que abrigavam parte do acervo, foram atingidas por uma enchente. Novamente a Secretaria do Audiovisual se absteve de suas responsabilidades, não esclareceu eventuais perdas, nem adotou medidas para proteger as coleções em perigo.

Se a indiferença com o futuro do patrimônio audiovisual brasileiro persistir, as consequências serão ainda mais graves. Sem os cuidados dos técnicos e as condições de conservação todo o acervo se deteriorará de modo irreversível.”

Fonte: Portal Terra
Créditos: Portal Terra