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“Bolsonaro é um autista, porque autistas não têm sentimentos”, declara prefeito - VEJA VÍDEO

A declaração gerou reações da comunidade autista, de pessoas e de instituições que defendem os direitos da população com deficiência.

Uma declaração do prefeito de Alfenas, município do sul de Minas Gerais, Luiz Antônio da Silva, gerou reações da comunidade autista, de pessoas e de instituições que defendem os direitos da população com deficiência.

“Bolsonaro é um psicopata, um autista, porque autistas não têm sentimentos, olham para uma pessoa que está sofrendo e não sentem nada”, disse Silva, ao vivo, no dia 23 de janeiro, durante o programa de rádio ‘Conversa com o Prefeito’, transmitido pela Pinheirinho FM (88,3). O trecho está compartilhado no YouTube.

“Sugiro ao prefeito que fez tão infeliz declaração sobre autismo, ofendendo gravemente todos os autistas com os absurdos citados na entrevista, que procure uma família com filho autista para ver de perto quanto amor eles conseguem espalhar. Todos são contagiados com sua presença e por mais severo ou profundo que seja, sempre conseguem despertar amor”, afirmou Berenice Piana, co-autora da Lei n° 12.764/2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista.

“Digo ainda, como mãe, ativista, conselheira de honra da Reunida (Rede Unificada Nacional e Internacional pelos Direitos dos Autistas), que é imperioso calar quando não se conhece o assunto. Ao adentrar um lar onde o autismo fez morada, vai entender que não se trata de ‘falta de sentimentos’, mas sim de sentimentos intensos que nem sempre conseguem ser expressados e, menos ainda, entendidos por prefeitos que os rotulam de ‘psicopatas’, sem a menor noção da absurda agressão a toda uma classe de indivíduos”, destacou Berenice Piana.

O advogado e paratleta Emerson Damasceno, presidente da Comissão de Defesa da Pessoa com Deficiência da OAB-CE e membro da Comissão Nacional do Conselho Federal da OAB, informou que vai levar o caso à Comissão Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB.

“É lamentável que a sociedade persista em atos discriminatórios. Esse tipo de declaração segrega ainda mais a pessoa com deficiência, retira o protagonismo e amplia a invisibilidade”, afirma Damasceno.

Autismo não é adjetivo
“Há anos nossa comunidade pede atenção para a moda triste de ofenderem pessoas neurotipicas de ‘autistas’. Quem menos conhece o transtorno do espectro autista, mas acha que sabe, usa a palavra para desdenhar daquele que considera egocêntrico, isolado, ou inflexível. Caso seja essa a intenção, deveriam chamá-lo com tais adjetivos pejorativos, mas nunca de autista”, ressaltou Fátima de Kwant, especialista em autismo, desenvolvimento e comunicação, co-idealizadora da Reunida e assessora do apresentador Marcos Mion para o tema.

“Já estamos cansados de remar contra a maré. Ainda mais quando a expressão é dita em público por por pessoas que influenciam a opinião pública, como no caso de políticos, artistas, jornalistas e demais pessoas bastante seguidas nas redes sociais. Autismo não é adjetivo pejorativo. Chamar qualquer pessoa de autista para classificá-la negativamente é discriminação”, diz Fátima.

“Um dos mitos sobre o transtorno do espectro autista que ainda permanecem, apesar de tanta conscientização, é o de que os autistas não têm sentimentos, não têm empatia, não são seres sociais. Esse é um erro frequente nas pessoas leigas. Os autistas são todos únicos, e mesmo que uns sejam menos sociais que outros, a maioria tem as mesmas emoções que pessoas não-autistas. A única diferença é que nem sempre expressam essas emoções do jeito mais comum, dando a impressão de que não as sentem”, explica a especialista.

“Autistas são pessoas completas, com sentimentos e com noção do que acontece a seu redor. A dificuldade na comunicação e o modo de fazer contato podem diferenciar das pessoas não-autistas, mas não são insensíveis, tampouco psicopatas, uma acusação injusta, incorreta e discriminatória. Dia 2 de abril é o dia da Conscientização Mundial sobre o Autismo. Um lindo dia para o prefeito de Alfenas, e todos que pretendem usar o autismo como adjetivo, conhecerem o transtorno do espectro autista”, completa Fátima de Kwant.

Repúdio
Em nota, a Rede Unificada Nacional e Internacional pelos Direitos dos Autistas (REUNIDA) repudiou a declaração do prefeito de Alfenas.

“A Reunida é uma entidade de caráter social, que tem na sua concepção a diferença e o discernimento no ato de planejar e executar ações, cuja finalidade é o aprimoramento da qualidade de vida para todas as pessoas dentro do Transtorno do Espectro Autista (TEA) do país, sem exceção. Nossa missão é prestar um serviço de excelência em defesa dos direitos, no cumprimento da Lei 12.764/12 e no fomento das políticas públicas visando proporcionar maior segurança e bem-estar aos (às) autistas, vem a público REPUDIAR a entrevista concedida pelo Prefeito do município de Alfenas, no Sul de Minas Gerais, o Senhor Luiz Antônio da Silva, que, sem qualquer conhecimento ou respeito, usou o termo Autista de forma pejorativa, ferindo a dignidade humana das pessoas com deficiência. A referida entrevista foi concedida à rádio comunitária do Pinheirinho, sendo também transmitida por vídeo em redes sociais, no último dia 23 de janeiro.

A REUNIDA não concorda com esse tipo de ‘FALA’, e o uso indevido da palavra ‘autismo’, no caso, como adjetivo pejorativo e usado para atacar, e ofender toda a Comunidade do Autismo, que luta diariamente para romper barreiras do preconceito da população em relação ao Transtorno do Espectro do Autismo – TEA.

A REUNIDA aproveita e se solidariza com todos os cidadãos, autistas, familiares e apoiadores da causa, que se sentiram atacados e desrespeitados pelo prefeito de Alfenas”, conclui a nota.

Capacitismo
O psicólogo Flavio Gonzalez, executivo de Negócios Sociais do Instituto Jô Clemente (IJC) avalia a declaração do prefeito de Alfenas como capacitista.

“É uma pena que autoridades façam este tipo de afirmações, talvez sem perceber que com isto reforçam preconceitos e estigmas sociais que perpetuam o capacitismo estrutural vigente na sociedade brasileira”, diz Gonzalez.

“Antes de tudo, ele faz confusão ao misturar o transtorno do espectro autista com a psicopatia e a sociopatia. Trata-se de um erro grosseiro, pois, do ponto de vista clínico, esses quadros não se confundem, são completamente distintos, sendo muito danosa essa associação do ponto de vista social, considerando que os ouvintes são também pessoas leigas. Pessoas com transtorno do espectro autista não são psicopatas nem sociopatas”, esclarece o psicólogo.

“Em seguida, ele afirma que as pessoas com transtorno do espectro autista não têm sentimentos. Isto é um completo absurdo e chega a ser desumano! Pessoas com transtorno do espectro autista podem sim ter dificuldade de expressar e interpretar sentimentos, mas daí dizer que elas não sentem é um grande equívoco, sendo, isto sim, uma falta de empatia, já que, certamente muitos munícipes de Alfenas, que talvez estivessem ouvindo, são pessoas autistas ou familiares. Como será que se sentiram ouvindo isso?”, questiona o especialista.

“Pretender utilizar nomenclaturas médicas que se referem a transtornos que afetam tantas pessoas, como se fossem ofensas, é tipo de atitude que potencializa a exclusão e o isolamento social crônico a que esse público é submetido cotidianamente. Por fim, mas não menos grave, mencionar o nome de uma instituição séria, com décadas de serviços prestados ao País, também no intuito de atacar alguém, como se frequentar ou ter frequentado essa organização fosse demérito para uma pessoa. Por tudo isto, é lamentável perceber que, no Brasil, ainda estamos muito longe do reconhecimento e do respeito à diversidade, à neurodiversidade e, portanto, ao inalienável direito de cada um ser como é e ter reconhecido o seu valor no âmbito social”, completa Flavio Gonzalez.

Fonte: Estadão
Créditos: Estadão