Na Justiça

Banco cobra família de vítima de acidente com Porsche por dívida do veículo após tragédia fatal

Foto: reprodução
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Um ano e quatro meses após o acidente que matou o motorista de aplicativo Ornaldo da Silva Viana, de 52 anos, a família e o carro que ele dirigia, um Sandero branco 2018, estão no centro de uma disputa judicial. Ornaldo morreu em 31 de março do ano passado quando seu Renault Sandero foi atingido por um Porsche Carrera avaliado em R$ 1,3 milhão conduzido pelo empresário Fernando Sastre de Andrade Filho, de 24 anos, a 136 km/h, segundo laudo pericial. Testemunhas afirmaram que o condutor do carro de luxo havia consumido bebida alcoólica antes da colisão, ocorrida na Avenida Salim Farah Maluf, Zona Leste de São Paulo, onde o limite é de 50 km/h.

Dois anos antes de morrer no acidente provocado por Fernando, Ornaldo havia comprado o Sandero por meio de um financiamento bancário de R$ 37 mil, com entrada de R$ 6,1 mil e o restante dividido em 48 prestações de R$ 1,2 mil. Ele trabalhava como motorista de aplicativo para sustentar a família e quitar a dívida. Com sua morte, o pagamento foi suspenso quando restavam 18 parcelas. Desde então, a família passou a ser cobrada por advogados da financiadora Aymoré. “Eles ligam para o meu celular mais de dez vezes ao dia perguntando pelo meu marido. Isso é muito dolorido, pois já foram avisados que ele morreu de forma trágica”, relata Francilene Morais de Caldas, 49 anos, viúva. Em seguida, os cobradores também abordam os filhos do motorista, Luam, de 24, e Lucas, de 28, com a mesma cobrança.

Nas ligações feitas em horário comercial, a família implora para que a financiadora recolha o Sandero, que está em um estacionamento próximo, pois o veículo, todo amassado, ainda traz lembranças dolorosas. “É difícil superar essa tragédia vendo o carro em que o meu marido morreu aqui perto. Isso traz muita dor”, afirma Francilene.

Segundo o advogado da família, Jair Sotero da Silva, o Sandero não tinha seguro, o que ele considera uma falha grave do banco, já que o veículo estava alienado e, portanto, pertencia legalmente à instituição até a quitação. Ele afirma que, diante da morte de Ornaldo, a dívida não poderia ser transferida para a viúva ou para os filhos, mas sim cobrada no inventário, habilitando-se o banco como credor para receber eventuais valores caso houvesse bens a partilhar. “O que mais me choca é a falta de sensibilidade do banco, já que esse acidente teve repercussão nacional. Eles ligam cobrando o dia inteiro como se o cliente estivesse vivo”, reforça.

O GLOBO procurou o advogado da Aymoré, Sergio Schulze, tanto por e-mail quanto por WhatsApp, mas até o momento ele não retornou. Nos autos do processo, ele argumenta que a inadimplência foi configurada com o não pagamento da parcela de abril de 2024. Segundo ele, conforme entendimento recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), basta o envio de notificação extrajudicial ao endereço de Ornaldo para comprovar a mora, independentemente de quem a receba. A ação judicial pede que o veículo seja apreendido e entregue ao banco em até 48 horas, com autorização para arrombamento e reforço policial, se necessário. Caso a dívida não seja quitada em cinco dias após a apreensão, requer a transferência da propriedade para o nome da instituição.

Enquanto isso, Fernando Sastre está preso desde maio de 2024 na Penitenciária de Tremembé, no interior paulista, à espera de julgamento no Tribunal do Júri. Ele é réu por homicídio qualificado por “perigo comum” com dolo eventual, acusado de matar Ornaldo; e por lesão corporal grave em razão dos ferimentos causados no amigo Marcus Vinícius Machado Rocha, de 23 anos, que estava no banco do carona do Porsche. Sastre nega ter consumido bebida alcoólica antes da colisão.

O Globo