tem 84 anos

Ator Amir Haddad revela que vive com ereção permanente, e diz que 'fazer suruba não é alcançar a liberdade'

O diretor de 84 anos completados nesta sexta-feira (2/7) não esconde as marcas causadas pela excitação constante. Há uma euforia latejante no corpo e no discurso do homem de cabelos ralos e brancos.

Amir Haddad diz que vive com uma ereção permanente. Cultuado por atrizes conhecidas do grande público, como Renata Sorrah, Maitê Proença, Andréa Beltrão, Adriana Esteves, Claudia Abreu, Vanessa Gerbelli e Clarice Niskier — todas com quem produziu trabalhos bem-sucedidos no teatro —, o diretor de 84 anos completados nesta sexta-feira (2/7) não esconde as marcas causadas pela excitação constante. Há uma euforia latejante no corpo e no discurso do homem de cabelos ralos e brancos.

— Se não tiver tesão por qualquer ator ou atriz com quem divido um projeto, não consigo trabalhar direito. Tenho que ter vontade de comer pelo menos uma pessoa do coletivo com quem estou trabalhando. Não significa que terei que fazer isso, é claro. Aliás, nunca abordei sexualmente nenhum ator. Mas o desejo é essencial para mim — ressalta. — Meu pai sempre me falou algo que hoje entendo melhor: não preciso trepar todo dia, mas tenho que ter tesão diariamente. É uma verdade absoluta, viu, cara? Se permaneço um dia inteiro sem desejo, fico preocupadíssimo.

Ele reforça que jamais falará em nome de uma “moral hipócrita” ou de uma “classe social em que tudo pode ser feito desde que os outros não saibam”. Por isso, o diretor não se intimida com perguntas aparentemente cabeludas. Sim, Amir Haddad continua em plena atividade sexual ao lado da professora Maria Helena Cruz, com quem mantém um casamento há mais de 40 anos. Sim, Amir Haddad usa os olhos para desnudar as pessoas bonitas que passam perto dele na rua. E, não, nada disso deveria provocar surpresa, o artista pondera.

— Não posso ignorar o sexo. Isso é essencial para a vida, e o bom ator precisa desse material disponível. Tenho 84 anos, e o meu desejo segue intacto. Não sei se isso é normal, mas adoro a minha sexualidade na idade em que estou. Quando eu morrer, vai ser difícil fechar o caixão, pois estarei de pinto duro, e esse negócio de pau duro é verdadeiro — diz, aos risos, solicitando que o repórter tenha cuidado ao tratar o tema. — Tento estar sempre no máximo da minha potência. Na rua, frequentemente tiro a roupa das pessoas. Afinal, estou só olhando, e ninguém sabe que estou fazendo isso (ele gargalha).

Beijos, gritos e conversas

Talvez esteja aí, nesse relato genuíno, a explicação para o fato de Amir Haddad atrair, há décadas, uma legião de medalhões e atores famosos. Em seu trabalho como diretor e preparador de elencos no teatro, ele busca sempre tirar o artista de certo lugar confortável. A ideia, Amir reforça, é arrancar a persona e as máscaras que os profissionais sustentam no cotidiano e alcançar o que ele classifica como uma “liberdade dionisíaca”.

— É bem complicado explicar meu método. Levei a vida inteira para aprendê-lo. Faço o trabalho delicado de desmontar a couraça afetiva que todo ser humano carrega — ele detalha. — Nós todos temos uma persona, uma imagem… Você (ele se refere ao repórter) fala agora comigo dentro de uma personagem que criou para se relacionar com o mundo. Não chego na sua intimidade. Mas se você fizer teatro comigo com essa máscara que tem, você vai fazer teatro ruim. E eu vou querer quebrar essa persona aí.

Impossível sair ileso de tal processo. Amiga do diretor, Fernanda Montenegro frisa que, diante de Amir Haddad, há apenas dois caminhos: ou o ator melhora seu ofício ou o ator desiste da profissão. O próprio concorda.

— Tem gente que passou por mim e nunca mais voltou a me ver. Às vezes, a pessoa é tão trancada que aí entra até num processo psicótico. Então vira um caso para um psicanalista, e não para um diretor de teatro — discorre. — Tiro as máscaras de um ator de muitas maneiras. Às vezes um beijo no rosto já faz com que ele entregue tudo. Ou então um grito. Às vezes, é uma conversa… Não tem fórmula. A questão é que, normalmente, um ator quer sempre ser outra coisa. Há profissionais que, em cena, parecem um videotape ou cadávares maquiados, né, cara? A parte principal do meu trabalho é a conjugação do verto “estar”. Mas, geralmente, os atores correm atrás do verbo “ser”. Não podemos querer fazer mentiras parecerem verdades. O trabalho do ator tem que ir no sentido contrário: nossa base tem que ser a verdade.

 

Andréa Beltrão traduz a experiência com o diretor como uma “aventura” embalada por palavras macias e também ásperas. Sob a orientação de Haddad, a atriz estreou, em 2016, o primeiro monólogo de sua carreira, “Antígona”, de Sófocles. O resultado surpreendeu: a montagem lotou teatros em todo o país ao longo de três anos, e deve iniciar uma nova temporada tão logo isso seja possível, a depender da vontade dos dois.

— Durante um ano de trabalho (com Amir), de muita leitura, de muitas provocações, e de muita dificuldade, me senti nua — rememora Andréa. — Ouvi coisas como: “Não seduza a plateia, deixe-se devorar”; “Entregue ao público tudo o que tem”; “Não procure emocionar os outros se você não estiver realmente emocionada”; “Sua conversa com a plateia precisa ser horizontal”; “Erre e assuma, não esconda nada do público, pois, quando errar e se perder, você terá se encontrado”… E outras coisas mais. Algumas muito doces e outras muito duras. Amir me trouxe aventura, renovou minha coragem. E conquistei uma enorme liberdade. Depois de “Antígona”, todos os meus trabalhos estão banhados do que vivi ao lado dele.

‘Fazer suruba não é alcançar a liberdade’

Criador do Teatro Oficina ao lado de José Celso Martinez Corrêa e Renato Borghi (“Saí de São Paulo porque lá não caberíamos eu e Zé Celso juntos”, ele brinca), Amir Haddad lamenta que suas pesquisas e seus trabalhos performáticos ainda sejam tachados, por alguns, como orgias anárquicas entre artistas que querem ser livres. Longe disso.

— Nas escolas de teatro (em que trabalhei), muita gente achava que minhas aulas eram verdadeiros bacanais, só porque eu falava dessa liberdade da alma humana. Existiam pessoas, inclusive, que iam lá espiar para tentar ver alguma coisa. E ninguém via nada! Recordo-me de uma cena que fiz com dois atores deitados, cada um com a cabeça para lados opostos, e já diziam que eles estavam fazendo sexo oral na posição 69. Essas lendas correm, né? — ele ri.

E após 70 anos de labuta no teatro e mais de 400 peças no currículo, Amir ainda esclarece, com ênfase, que nunca foi libidinoso, nunca foi promíscuo:

— O teatro, para mim, é o lugar da saúde, da felicidade e do encontro. Já encontrei muito ator pirado por causa de diretores que usam métodos inconsequentes. É preciso tomar cuidado. A liberdade tem que ser sempre absoluta, mas fazer suruba não é alcançar a liberdade. Quem faz sexo grupal não é necessariamente melhor resolvido. Às vezes, é o contrário.

Projeto inédito com Claudia Abreu

À frente de uma das mais antigas companhias de teatro de rua do país, o Tá na Rua — com sede no bairro carioca da Lapa —, Amir Haddad afirma que, desde que começou a pandemia, sente-se fazendo sexo por telefone.

Por enquanto, o artista se vê totalmente impossibilitado de voltar às ruas para apresentar as montagens carnavalizadas em praças, avenidas e calçadas ao lado dos dez atores que hoje compõem o seu grupo.

— Teatro, para mim, é fisicalidade. Mas agora vivemos numa espécie de coito interrompido. É horrível, mas é o que temos — lamenta.

Apesar dos pesares — “e de não saber ligar nem o WhatsApp” —, ele ressalta que está mais bem adaptado ao universo on-line. Há muitos projetos em curso ali. Além de aulas remotas para atores de 70 anos que foram seus alunos há cinco décadas, oficinas virtuais sobre autores clássicos da dramaturgia e apresentações on-line de “Assim falou Zaratustra”, inspirado na obra de Nietzsche (o diretor estreia nova temporada em agosto, ao lado de Viviane Mosé), Amir Haddad já prepara um projeto inédito com a atriz Claudia Abreu, e que ele espera estrear nos teatros até o fim de 2021.

Com ensaios que vem sendo realizados em encontros on-line e presenciais em sua casa e na sede do Tá na Rua, o monólogo inspirado na vida e na obra de Virginia Woolf toma como referência obras como “Ao farol”, além de estudos e textos sobre a escritora britânica. Haddad e Claudia já haviam compartilhado os palcos em 1997, na montagem de “Noite de reis”, com texto do bardo inglês.

— Foi uma montagem inesquecível. Seus ensaios eram alegres, dionisíacos, sempre tentando desconstruir a maneira usual dos atores de representar — relembra Claudia. — Fiquei anos querendo trabalhar de novo com ele. Até que no final de 2019, eu o chamei para dirigir a minha peça sobre a Virgínia Woolf. Neste momento tão duro, poder estar próxima do Amir e ouvir suas observações sempre tão pertinentes, tem sido um alento para mim.

Festa on-line aberta ao público

Quem não o conhece tem a chance de entender, um pouco mais de perto, essa “liberdade dionisíaca” a que Claudia e tantos outros artistas se referem. Na noite desta sexta-feira (2/7), para cumprir uma tradição antiga, Amir Haddad celebra seu aniversário na sede do Tá na Rua, ao lado dos dez atores do grupo, que estarão vestidos com figurinos coloridos para dançar e cantar a vida. Todos de máscara, vale frisar. A festa restrita à companhia será transmitida ao vivo para o público, por meio de um link divulgado no Instagram do diretor.

— Não acredito num Deus que não possa dançar. Fazer teatro, mesmo de máscara, cantando e dançando, é o que me deixa feliz. Meu aniversário já virou uma data do calendário cultural do Rio de Janeiro. Antes da pandemia, eu não dominava a minha própria festa. Era uma multidão que se diriga para a casa do Tá na Rua, e eu não conhecia nem metade das pessoas que estavam lá. Tudo o que faço é assim: torna-se público. Eu me ressinto um pouco. É que tem horas que desejo certa intimidade. — ele pondera. — Mas nunca vou me aposentar desse meu jeito. Imagino, quando morrer, meu caixão erguido na Lapa com todos os atores e moradores de rua que me conhecem dançando em volta de mim. É isso o que quero. Depois, espero ser transformado em cinza e atirado da minha varanda para eu me espalhar por esse Rio de Janeiro que amo tanto. É um plano, mas nunca combinei nada com ninguém (risos).

Fonte: POLÊMICA PARAÍBA
Créditos: O Globo