Nesta quinta-feira

Americano que atua para desacreditar a imprensa chega ao Brasil para reunião com bolsonaristas

Com adesivo de apoio à reeleição de Donald Trump e Jair Bolsonaro no peito, o militante norte-americano de direita Ryan Hartwig está fazendo um road show no Brasil. Já participou de ato político no 7 de Setembro e deu até entrevistas em portunhol a blogueiros e youtubers de direita, como o canal governista Terça Livre.

Apresentado como “delator” de uma suposta “censura política” à direita em organizações de mídia, Hartwig desembarcou no País na semana passada para uma série de encontros com grupos conservadores brasileiros, em São Paulo e em Brasília.

Bolsonaristas tentam atrair projeto dos EUA que coage imprensa

O ativista ganhou notoriedade no círculo conservador por meio do projeto Veritas, iniciativa da extrema direita norte-americana que busca desacreditar jornalistas, empresas de comunicação e gigantes da área de tecnologia. A organização é favorável a Trump e tem como método principal, segundo especialistas, criar situações para filmar e depois editar de forma seletiva conversas informais de jornalistas e executivos sobre política e suas empresas.

A agenda das visitas ao Brasil não é pública, mas Hartwig e seus admiradores divulgam parte dela à medida que os compromissos terminam. Em Brasília, o militante almoçou e se reuniu com a deputada Bia Kicis (PSL-DF), alvo do inquérito das fake news no Supremo Tribunal Federal (STF), e participou da transmissão ao vivo do Terça Livre. O canal é liderado pelo blogueiro Allan dos Santos, também investigado no processo que apura a existência de uma rede para divulgar mensagens de ódio e notícias falsas.

“Estamos conversando sobre as mentiras, as fake news produzidas pela esquerda, e que têm completo amparo de redes como o Facebook. E aquelas verdades que a gente fala são tratadas como fake news”, afirmou Bia Kicis em um vídeo postado no Instagram, após almoçar com Hartwig no bairro Asa Norte, em Brasília. “Ele tem as gravação de pessoas, funcionários, empregados do Facebook confessando que perseguem mesmo conservadores, que a ordem é retirar posts de conservadores e deixar os progressistas.”

Numa rede social, um perfil atribuído a Allan – que teve a conta principal bloqueada pelo Twitter a mando da Justiça – celebrou a visita do militante ao Brasil em tom de brincadeira. “Agora a CIA (agência de inteligência dos EUA) chegou, porra! Ninguém nos detém”, diz o post. Hartwig respondeu: “Não, não sou da CIA. Só um cidadão norte-americano preocupado tentando ajudar o Brasil a manter a liberdade de expressão”.

O Estadão não conseguiu contato direto com Hartwig. Ele publicou no Twitter uma mensagem dizendo achar “muito possível” a abertura de novas investigações no Brasil sobre censura e a classificação de pontos de vista conservadores como fake news – uma referência à CPI das Fake News, suspensa por causa da pandemia do coronavírus.

De Phoenix, no Arizona, Hartwig se define como conservador e simpatizante do Partido Republicano. Ao todo, o norte-americano já concedeu mais de 13 entrevistas a blogueiros e sites aliados do governo Jair Bolsonaro, como “Avança Brasil” e “Brasil Paralelo”. Em todas, acusa o Facebook de supostamente dar orientações para privilegiar conteúdo favorável à esquerda e remover publicações simpáticas à direita.

Hartwig diz ter trabalhado por dois anos, de 2018 a 2020, para o Facebook. Era moderador de conteúdo contratado como terceirizado. Cuidava de páginas de países latino-americanos por falar inglês e espanhol. Depois, divulgou gravações que alega ter feito, com câmera oculta. No vídeo editado, ex-colegas de escritório aparentam manifestar opiniões contrárias a grupos conservadores.

O fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, foi acusado por Hartwig de ter mentido ao Congresso dos Estados Unidos quando disse que a plataforma não censura conteúdo com viés ideológico. Para o ativista, o Facebook é leniente com ataques a Trump e Bolsonaro por meio de publicações de cunho violento.

“Vi muitos exemplos de censura no Facebook e filmei com câmera secreta. Minha evidência mostra o contrário do que Mark Zuckerberg fala. A orientação do Facebook é promover pontos de vista esquerdistas e apagar direitistas, promover ponto de vista a favor do aborto”, afirmou ele, durante entrevista, em Brasília, na sede do Terça Livre.

A empresa nega as acusações. “Nossas políticas de conteúdo se aplicam igualmente a todos, e não censuramos ou promovemos quaisquer correntes políticas”, disse o Facebook ao Estadão.

Ao criticar as remoções de apoiadores do presidente suspeitos de fazer parte de uma rede de ataques e ameaças a ministros do Supremo e de difundir informações falsas ou distorcidas, Hartwig disse que as plataformas estariam “ajudando ditaturas”. “O que a Corte Suprema está pedindo é contra as regras e leis do Brasil. O Facebook não deveria permitir e fazer isso. Deveria seguir as regras, e não censurar os conservadores”, insistiu.

Ele reclamou, por exemplo, de não poder falar de imigração num conteúdo com lado xenófobo. “Não é permitido falar ‘Fora venezuelanos’”, protestou. Hartwig sugere, ainda, que a rede protegeria o islamismo e permite blasfemar imagens cristãs. Disse ter evidências do que fala, mas não as exibiu. Mostrou apenas exemplos de memes.

Alguns dos novos alvos do ativista são os movimentos antifascistas, os “Antifas”, e o Black Lives Matter (Vidas Negras Importam). No Brasil, incentivou campanha virtual contra o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, um adversário declarado de Bolsonaro, questionou o perfil Sleeping Giants, que tenta expor financiadores de sites governistas com conteúdo falso, e compartilhou o vídeo usado por ministros e pelo vice-presidente Hamilton Mourão para contestar incêndios na Amazônia, mas com imagens de animais da Mata Atlântica.

Para cobrir as despesas do tour conservador com passagens e hospedagem, o advogado Emerson Grigollette, de Presidente Prudente (SP), que faz as vezes de cicerone de Hartwig, promoveu uma “vaquinha virtual” e arrecadou R$ 11,9 mil de um total de R$ 16 mil pretendidos.

Fonte: Estadão
Créditos: Estadão