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Chefe invade live de modelo que o acusava de transfobia e a agride ao vivo - VEJA VÍDEO

Nos últimos dez anos em que vem passando pelo processo de transição de gênero, a modelo Jeniffer de Oliveira Pereira, 25, conta que nunca sofreu transfobia, ou seja, preconceito em relação ao gênero com o qual se identifica. Até começar a trabalhar como vendedora na loja Fendior, no centro de São Paulo, há pouco mais de um mês.

Nos últimos dez anos em que vem passando pelo processo de transição de gênero, a modelo Jeniffer de Oliveira Pereira, 25, conta que nunca sofreu transfobia, ou seja, preconceito em relação ao gênero com o qual se identifica. Até começar a trabalhar como vendedora na loja Fendior, no centro de São Paulo, há pouco mais de um mês.

Foi da loja de roupas e acessórios que ela decidiu fazer uma live [vídeo ao vivo] em suas redes sociais para acusar o chefe, o empresário Helio Job Neto, de maus tratos e transfobia, relatando, entre outras coisas, que ele a chamava de “traveco”. Job Neto invadiu a transmissão para agredi-la.

No vídeo, ele nega as acusações. Depois, na delegacia onde o caso foi registrado, o empresário afirmou que as agressões foram mútuas e ocorreram após a demissão de Jeniffer.

Em conversa com Universa, a modelo conta que conhece Helio há dez anos, quando ainda não havia feito sua transição de gênero, e que foi chamada para trabalhar na loja porque, segundo ela, o empresário queria ter uma equipe mais diversa de funcionários. A marca Fendior é, inclusive, conhecida entre o público LGBTQIA+.

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Ela diz que chefe a chamava de ‘traveco’ e fez comentário racista

“No começo, ele se mostrou bacana, mas com o tempo passou a fazer comentários do tipo: ‘E aí, traveco? Hoje você está parecendo mais mulher, né?’. Respondi que não queria ser humilhada daquela forma e pedi para ele parar”, conta Jeniffer.

Ela fala que o patrão, no entanto, seguiu com os comentários preconceituosos, mas como precisava do emprego preferiu nada falar. Até que no domingo (18), ela apareceu para trabalhar com os cabelos cacheados e não alisados e ouviu um comentário racista. “Ele perguntou se ia trabalhar daquele jeito, com aquele cabelo. Me senti humilhada, mas continuei fazendo meu serviço.”

Por volta das 17h30, Jeniffer diz que atendia a um cliente quando Helio a teria mandado se calar. Ela então decidiu pedir demissão. Foi quando começou a discussão, presenciada, segundo ela, pela gerente da loja e pelo pai de Helio, que também estava no local e aparece no vídeo, de camisa estampada, gritando com ela.

“Decidi encerrar o meu trabalho com a empresa porque não aguentava mais ser humilhada. E pedi para a gerente atender os clientes, mas nesse momento ouvi o Helio me chamando de folgada. Respondi que não aceitava ser tratada daquela forma e ele veio me bater. Foi quando comecei a gravar o vídeo.”

“Ele tentou puxar o meu celular, levei dois puxões no cabelo, dois murros, e depois ele e o pai ainda tentaram me prender no estoque, mas consegui fugir e saí gritando. Também chamei a polícia.”

Polícia não registrou caso como de transfobia por ‘falta de elementos’

Os três foram encaminhados ao 78º DP, nos Jardins. Jeniffer afirma que o chefe prestou depoimento de uma hora e meia na delegacia e foram dispensados e que o delegado não quis ouvi-la.

“O delegado disse que já tinha usado o que eu havia contado para os policiais que atenderam a ocorrência na loja, me mandou ir trabalhar e procurar uma advogada. Ainda me chamou pelo meu nome de batismo, sendo que meus documentos já são retificados [com o nome de mulher, gênero com o qual ela se identifica]. Fui então fazer o exame de corpo de delito e, depois, para casa.”

“Sempre fui muito bem tratada, tenho apoio da minha família. Agora estou encarando pela primeira vez a realidade que muitas amigas trans relataram. Nunca imaginei que fosse tão cruel.”

Universa procurou Helio e seu advogado, por telefone, mensagens e e-mail, e não obteve resposta. Helio Job, que tem 635 mil seguidores no Instagram, fechou sua conta após o episódio.

De acordo com o boletim de ocorrência, Helio informou que o desentendimento começou porque demitiu Jeniffer e, inconformada, ela teria exigido ali mesmo o pagamento de seus dias trabalhados. E quando ouviu que só receberia no próximo dia útil, ela teria feito o vídeo. Por isso, ele justifica, tentou tomar o celular de sua mão. Helio afirmou ainda que os dois se agrediram.

O boletim nada fala de transfobia. No texto lê-se ainda que Jeniffer contou ter sido agredida por desentendimento no trabalho e trancada no depósito da loja Fendior. A modelo diz a Universa que retornará à delegacia com advogado para pedir que o caso seja investigado como transfobia e racismo, já que, segundo ela, o chefe também a ofendeu por causa dos cabelos.

Em nota enviada a Universa, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo diz que todos os os envolvidos foram ouvidos na delegacia e que em nenhum momento foi citado qualquer elemento que indicasse crime de transfobia.

Delegacia tem obrigação de ouvir vítimas

O Brasil lidera o ranking de países que mais matam pessoas trans no mundo. Em 2020, foram 175 travestis e mulheres transexuais assassinadas, uma alta de 41% (124) em relação ao ano anterior. Os dados são baseados em notícias veiculadas na mídia e fazem parte de um dossiê elaborado pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais).

Em 2019, o STF (Supremo Tribunal Federal) aprovou a criminalização da homofobia e da transfobia, agressões que a partir de então passaram a ser tipificadas da mesma forma que o racismo — ou seja, um crime hediondo, inafiançável e com pena de dois a cinco anos de prisão para o agressor.

Em seu voto, o ministro Luiz Fux citou, como exemplos de homofobia, desde agressões físicas motivadas por intolerância até a recusa de aceitar alunos homossexuais ou filhos de homossexuais em escolas.

Caso a pessoa se sinta desrespeitada e resolva denunciar na delegacia, o dever da instituição é fazer o boletim de ocorrência e investigar. Quem decide se há crime é o Ministério Público, órgão que faz a acusação à Justiça ou arquiva o caso, conforme ensina a vice-presidente da Comissão de Diversidade e Igualdade de Gênero da OAB – SP (Ordem dos Advogados do Brasil), Priscila Sanches Salviano de Oliveira.

“Se a vítima se sente discriminada, ela tem o direito de fazer o boletim de ocorrência e ser ouvida. E seria interessante ir acompanhada de advogado. Quem é o dono da ação penal é o Ministério Público, que vai denunciar ou arquivar. É complicado fazer juízo de valor na entrada da delegacia. O preconceito é amplo e quem sofre é a vítima, não o delegado ou delegada.”

Fonte: UOL
Créditos: Polêmica Paraíba