violência no rio de janeiro

Especialistas criticam fala de Witzel sobre ir à ONU pedir punições

Estudiosos de Segurança Pública e Relações Internacionais dizem que pedido não teria efeitos legais e práticos. Governador do Rio chegou a defender fechamento de fronteiras

Além de ser inviável do ponto de vista legal, um possível pedido de fechamento de fronteiras com Paraguai, Bolívia e Colômbia teria poucos efeitos práticos. Essa é a opinião de especialistas em segurança pública e Direito Internacional ouvidos pelo G1.

No domingo (30), o governador do RJ, Wilson Witzel disse que vai recorrer à ONU para combater a violência no RJ, que chamou de “genocídio”. Ao falar com jornalistas no Rock in Rio, afirmou que vai pedir sanções aos países vizinhos que vendem armas ao Brasil, como Paraguai, Bolívia e Colômbia. Witzel defendeu inclusive o fechamento de fronteiras e que a ONU deveria impor sanções aos países por venderem armas ao Brasil.

“Os traficantes de armas usam rotas alternativas, muitas são desconhecidas das forças de segurança. Fechar as fronteiras não faria diferença significativa. As armas da Colômbia que chegam aqui são de segunda mão e vêm das guerrilhas, que também usam essas mesmas rotas”.

Para o especialista em segurança pública e diretor regional da Associação Brasileira dos Profissionais de Segurança, Vinícius Cavalcante, a contenção feita nas fronteiras não resolveria o problema da chegada de armas enviadas por outros países, como os Estados Unidos. Ele usa como exemplo os 60 fuzis apreendidos pela Polícia Civil no Terminal de Cargas do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, em junho de 2017.

“Ao contrário do que se pensa, os americanos não são muito cuidadosos na saída de armas de seu território – eles têm grande responsabilidade nessa situação que enfrentamos aqui. A própria Colômbia é bem mais efetiva no combate ao tráfico de armas que os Estados Unidos”.

Cavalcante diz que, mais que fechar as fronteiras, o que faria diferença efetiva na chegada de armas ao Rio de Janeiro seria o investimento em inteligência.

“O setor de inteligência das forças de segurança do Rio de Janeiro foi sucateado nos últimos anos. Essa atividade é fundamental para mapear as rotas de entradas de fuzis no estado. Sem esse tipo de atividade, ficamos às cegas e as armas entram”.

Cavalcante acredita que a declaração feita pelo governador sobre fechamento de fronteiras tem muito mais cunho político que prático. “Ele nem tem autonomia para fazer isso”, opina.

Witzel também chamou a violência no Rio de genocídio, o que foi contestado pelo professor de Política Internacional da UERJ Paulo Velasco. O professor também argumenta que governo estadual não poderia fazer diretamente este pedido à ONU. Segundo ele, essa demanda caberia ao governo federal.

Impossibilidade

O presidente da Comissão de Direito Internacional da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro (OAB/RJ), Carlos Nicodemos, adverte que o governador Witzel não tem competência jurídica para entrar com dispositivo internacional no Conselho de Segurança da ONU. Segundo ele, os países – e não estados brasileiros – têm essa prerrogativa.

“Se o governador quiser, ele pode entrar com uma simples correspondência ou informe. Entretanto, isso não funciona como instrumento jurídico internacional capaz de acionar o direito internacional”, explica Nicodemos.
Da mesma forma, o advogado também afirma que Witzel não poderia solicitar fechamento de fronteiras de maneira unilateral. “É decisão de uma autoridade que ele não tem. Constitui mais uma cortina de fumaça internacional do que uma política eficaz”, comenta Nicodemos.

“Como governador, ele poderia mobilizar o Ministério da Justiça para que fizessem ações nas fronteiras para inibir entrada de armas e drogas”, acrescenta.

No domingo, o professor de Política Internacional da UERJ Paulo Velasco também contestou a fala de Witzel e afirmou que a violência no RJ não pode ser classificada como genocídio e que o governo estadual não poderia fazer diretamente este pedido à ONU. Segundo ele, essa demanda caberia ao governo federal.

“É difícil caracterizar como genocídio o que acontece aqui. Ele como juiz federal deveria saber. Até para fazer concurso para juiz federal, uma das disciplinas é Direito Internacional”, disse Velasco. “Existe uma definição dada pelo Direito Internacional para entender o que é genocídio. Uma definição aprovada em convenção da ONU em 1948. O genocídio é entendido como a violência com o objetivo de destruir no todo ou em parte grupos étnicos, raciais, religiosos. Então, tem que haver uma violência praticada deliberadamente contra um grupo com o objetivo de destruí-los.”

“Não tem (condição de pedir diretamente ao Conselho de Segurança da ONU). Quem tem representação na ONU é o estado brasileiro. Caso o estado do Rio de Janeiro estivesse em uma situação de violência extrema e quisesse algum tipo de interação com a ONU teria que ser feito via governo federal”, explica Velasco.

“Muito embora exista a paradiplomacia – as unidades da federação terem atividades internacionais – isso é mais para acordos culturais, questões comerciais. Nunca para questões que digam respeito a paz e a segurança, muito menos a interação direta com o Conselho de Segurança.”

Críticas em comum

Cavalcante concorda ao menos com as críticas de Witzel ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal.
“Quem investiga o tráfico de armas e de drogas é a Polícia Federal. É o Ministério Público Federal. Então eles estão neste momento em débito com a sociedade. É preciso explicar, mostrar os números, os promotores federais têm que vir a público para dizer o que eles estão fazendo para impedir que essa quantidade de armas chegue ao Rio de Janeiro.”

“Armas e drogas entram no Brasil o tempo todo. Essa é uma responsabilidade federal. Os dois órgãos deveriam dar satisfações do que fazem de forma prática para mudar essa situação”, avaliou Cavalcante.

Ainda no domingo, o G1 entrou em contato com as duas instituições para que se posicionassem sobre as afirmações do governador. Até a conclusão deste texto, nenhuma das duas havia enviado respostas.

O que é a ONU?

Em 1945, no fim da 2ª Guerra Mundial, a Organização das Nações Unidas (ONU) foi criada para facilitar o diálogo internacional e evitar novos conflitos. Ela agrupa atualmente 193 países e tem um custo operacional equivalente a quase R$ 40 bilhões por ano.

Ela é composta por:

Assembleia geral: onde cada estado dispõe de um assento, que o permite de votar nas questões relativas à organização da ONU (orçamento, aceitação de um novo país-membro, eleição do secretário-geral).
Corte Internacional de Justiça: intermedia conflitos jurídicos entre os países-membros e crimes de guerra.
Conselho de segurança: que tem como principal responsabilidade manter a paz e segurança internacional

Qual é o papel do Conselho de Segurança?

O Conselho de Segurança tem um papel central já que suas decisões devem ser aplicadas no conjunto dos países-membros. Ele é composto por representantes de 15 países, sendo que cinco deles são permanentes e 10, rotativos.

China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos – países vitoriosos da Segunda Guerra – ocupam os assentos permanentes e têm direito de veto.

Outros 10 países são eleitos pela assembleia geral para ocupar a função por dois anos. A cada ano, a metade desse grupo é renovada. Atualmente, ocupam as vagas rotativas: Bélgica, Costa do Marfim, República Dominicana, Guiné Equatorial, Alemanha, Indonésia, Kuwait, Peru, Polônia e África do Sul.

Fonte: G1
Créditos: G1