O presidente Jair Bolsonaro, três de seus filhos e sua mulher, Michelle, receberam ao menos 44 multas de trânsito nos últimos cinco anos, segundo registros do Detran-RJ (Departamento de Trânsito do Rio de Janeiro).
Os prontuários da primeira-dama e do senador Flávio têm infrações que extrapolam o limite de 20 pontos permitido por lei para o período de um ano, o que, em tese, pode resultar na suspensão do direito de dirigir. Os dois são os que mais colecionam pontos na carteira ao longo dos cinco anos, com 41 e 39 pontos, respectivamente.
A Folha consultou as informações no site do Detran do Rio, com os dados da CNH e de documentos pessoais. Os dados estavam disponíveis em procurações arquivadas em cartório e outros registros.
Sob o discurso de enfrentar uma suposta indústria de multas, o presidente iniciou nas últimas semanas uma investida contra radares. Declarou que cancelaria a instalação de 8 mil equipamentos nas estradas e que revisaria contratos dos já implantados. A Justiça Federal barrou as medidas.
Bolsonaro anunciou que pretende dobrar para 40 pontos o parâmetro para a suspensão do direito de dirigir. Segundo a legislação atual, ao atingir 20, o motorista é submetido a processo administrativo que pode resultar nessa sanção, de um mês a um ano.
O presidente acumulou seis infrações nos últimos cinco anos, segundo o Detran-RJ. Todas já foram pagas e resultaram em 18 pontos na carteira.
Duas infrações, em 2016 e 2018, foram do tipo “gravíssima”, que contam 7 pontos. Na primeira, o Detran registrou que Bolsonaro dirigiu em faixa exclusiva para ônibus, em Niterói. A segunda foi por avançar sinal vermelho na Barra da Tijuca, zona oeste, em 7 de janeiro de 2018. O restante das multas do prontuário de Bolsonaro são pelo mesmo motivo: excesso de velocidade.
No total, as multas enviadas pelo Detran Rio para a família somam R$ 5,8 mil.
Até agora, considerando que há infrações ainda em fase de notificação prévia ou em prazo de recurso, o clã Bolsonaro soma 129 pontos e já pagou R$ 4,7 mil aos cofres públicos pelo mau comportamento. As violações ao Código de Transito Brasileiro ocorreram no Rio, São Paulo e Brasília.
A maior parte das multas da família do presidente é por excesso de velocidade —24 das 44. O recordista é Flávio, autuado 13 vezes por estar acima do limite permitido.
Segundo os dados do Detran, Michelle e o senador têm em seus nomes infrações que extrapolam os 20 pontos em um período de 12 meses. As notificações enviadas a Flávio somaram 39 pontos de março de 2018 a março de 2019. Todas por excesso de velocidade.
O senador levou ao menos seis multas por acelerar além do limite e por avançar o sinal na avenida das Américas, no Rio, região de sua casa. Em 2016, em cinco dias, duas foram aplicadas por excesso de velocidade na mesma via.
Já Michelle superou o limite de 20 pontos de janeiro de 2017 a janeiro de 2018. Nesse período, ela tomou cinco multas, três consideradas “gravíssimas”, uma por dirigir enquanto falava ao telefone, outra por avançar o farol vermelho e a última por estar com o carro sem licenciamento.
As outras duas foram por parar em cima da faixa de pedestres na mudança de sinal. Em outros períodos, também cometeu deslizes como estacionar sobre a calçada.
Nem Michelle nem Flávio tiveram a licença para dirigir suspensa. O Detran do Rio informou que o processo de suspensão pode ser aberto só depois de o condutor esgotar, sem sucesso, todos os meios de recurso administrativo.
Em outras palavras, é necessário que haja trânsito em julgado das multas do período considerado para computar 20 pontos. O prazo máximo para a instauração desses processos é de cinco anos.
A Folha enviou ao Detran os dados das infrações da primeira-dama, sem informar o nome dela. “Levando-se em consideração o caso apresentado, o processo de suspensão já poderia ter sido instaurado”, explicou o órgão, por meio de sua assessoria de imprensa.
No caso de Flávio, não houve trânsito em julgado de todas as penalidades e autuações. Em tese, no entanto, a depender do resultado da análise do Detran, ele pode perder a carteira no futuro.
A última registrada em nome do presidente foi durante a campanha eleitoral. Ele foi pego por um radar no Rio às 12h37 de 21 de agosto.
A infração, considerada média, se deu na avenida Ayrton Senna. Naquele dia, o então candidato estava no Rio e foi ao enterro do cabo do Exército Fabiano de Oliveira Santos, 36, primeiro militar morto em confronto sob a intervenção federal na cidade. O equipamento registrou velocidade até 20% superior ao máximo permitido, o que, por lei, implica multa de R$ 130,16 e quatro pontos na carteira.
Na quinta-feira (25), Bolsonaro informou ter sido multado em Guarujá, litoral de São Paulo, por andar de moto com o capacete levantado.
Em março, ao anunciar a intenção de extinguir radares, criticou o excesso deles na rodovia Rio-Santos, acesso para sua casa em Mambucaba: “Há uma quantidade enorme de lombadas eletrônicas no Brasil. É quase impossível você viajar sem receber uma multa”.
“A gente sabe que, no fundo —ou desconfia—, o objetivo não é diminuir acidentes. Não é, porque hoje se está muito mais preocupado em se olhar para o lado, para o barranco, para ver se tem uma lombada eletrônica, do que para ver a sinuosidade das pistas”, disse.
O presidente afirmou ainda que, nas rodovias sob concessão, as empresas passaram a explorar os radares em detrimento da manutenção.
O vereador Carlos Bolsonaro acumulou, em cinco anos, segundo o Detran, 24 pontos. Recebeu seis multas, mas teve uma cancelada —não há explicação do motivo. Das cinco que transitaram em julgado, quatro foram por excesso de velocidade e uma, por avançar o sinal vermelho, considerada violação “gravíssima”.
Sua última infração de trânsito foi em dezembro de 2017, por excesso de velocidade, no Rio, o que lhe deu, à época, quatro pontos na carteira.
O deputado federal Eduardo é o com menos pontos registrados, sete até agora. Ele foi notificado pelo Detran do Rio de nove multas em cinco anos. Apenas uma teve trânsito em julgado, infração gravíssima, dirigir sem licenciamento, em dezembro de 2016, o que culminou na pontuação existente até o momento.
As demais ainda não macularam seu prontuário. Duas aparecem no sistema do órgão como canceladas —uma por “evadir-se para não efetuar o pagamento do pedágio”, em Guatapará, estado de SP. Não há registro dos motivos dos cancelamentos.
Num vídeo publicado em dezembro de 2017, Eduardo protestou contra a fiscalização eletrônica nas rodovias paulistas. Disse que viajou 200 quilômetros, de Ubatuba ao Guarujá, e contou 79 radares.
Segundo o Detran do Rio, três de suas nove multas foram por excesso de velocidade em estradas paulistas.
Eduardo também reclamou dos radares inteligentes na capital paulista, aqueles que calculam a velocidade média do veículo ao passar por dois pontos de um trecho. “Dessa maneira, fica impossível você transitar de carro. A gente já paga um carro caríssimo, 20% a 30% pelo menos é só imposto, fora os chamados impostos embutidos, que são inseridos durante a cadeia de produção”, queixou-se.
A ideia de dobrar o limite de pontos para a suspensão da CNH já constava de projeto de lei do então deputado federal Bolsonaro em 2011.
Em entrevista ao site da Câmara naquele ano, ele disse que as multas transformaram-se em negócio lucrativo. “Em que pese a boa intenção do legislador, na prática, o que vale é arrecadar. E o povo está aí para votar e pagar os tributos.”
Segundo Bolsonaro, a medida não prejudicaria o estado em “sua sanha de arrecadar recursos”, mas diminuiria os prejuízos aos condutores. “Assim, fica combinado: eles multam à vontade, mas não tiram a CNH dos cidadãos de bem”, declarou.
O projeto de mudanças na legislação de trânsito, sob responsabilidade do Ministério da Infraestrutura, ainda prevê ampliação do prazo de validade da carteira de habilitação de cinco para dez anos.
Planalto não comenta; senador diz que não há interesses pessoais
Procurado pela Folha, o Palácio do Planalto não respondeu sobre as infrações de registradas em nome do presidente Jair Bolsonaro e da primeira-dama Michelle.
Em nota, o senador Flávio Bolsonaro (PSL) afirmou que as perguntas da reportagem só foram feitas porque ele é “filho do presidente” e não porque é “senador da República”.
A respeito das medidas do pai para afrouxar a fiscalização, ele comentou: “Só tenho a dizer que a lei é para todos. A proposta do presidente não está sendo feita para interesses pessoais, mas, sim, para muitos brasileiros que são vítimas da indústria da multa. Toda lei tem que ser aperfeiçoada”.
Carlos Bolsonaro, também por escrito, disse que “é um cidadão e, como outros, também passível de cometer infrações”. Ele alega que, embora estejam em seu nome, algumas multas foram cometidas por “terceiros (motoristas)”.
Questionado se compartilha das posições do pai sobre a fiscalização reagiu: “Trata-se de um assunto do ente federativo nacional, relativo ao trânsito. Nada a declarar”.
A Folha perguntou se as opiniões do vereador derivam da própria experiência com a fiscalização. Ele respondeu que “não é fiscal de trânsito” e está “sujeito à legislação em vigor”.
Eduardo Bolsonaro, procurado por meio de sua assessoria, não se pronunciou.
A reportagem perguntou ao Detran-RJ por que não foi instaurado o processo de suspensão do direito de dirigir da primeira-dama. O órgão informou que a atual gestão encontrou um passivo de 697 mil processos dessa natureza.
“Os processos são priorizados de acordo com o prazo prescricional (autos de infração que chegariam a cinco anos em 2019), seguido pela existência de multas mandatórias (Operação Lei Seca, dirigir ameaçando a segurança do trânsito, velocidade acima de 50% do limite etc) e, finalmente, pelos que atingem a contagem de 20 pontos ou mais”, justificou.
O Detran-RJ explicou que o prazo máximo para a instauração do processo de suspensão é de cinco anos. “No caso em questão [de Michelle], todos os autos que compõem o bloco de infrações no período de 12 meses são de 2017. Portanto, esse processo pode ser instaurado até 2022”, acrescentou.
Fonte: Folha de São Paulo
Créditos: Folha de São Paulo