A imagem de atletas batendo continência dominou as premiações de brasileiros; Isaquias Queiroz (canoagem) e Diego Hypólito (ginástica) foram os únicos não militares no pódio.
Apesar desse bom desempenho, o Programa de Atletas de Alto Rendimento (PAAR) recebeu críticas por oferecer apoio apenas a atletas já consagrados e ajudarem pouco na formação de novos atletas.
Marcos Goto, técnico do ginasta da Aeronáutica, Arthur Zanetti, disse no início da semana a órgãos de imprensa locais: “Apoiar atleta de alto nível é muito fácil”. Mas, um dia depois da conquista – Zanetti ganhou a prata nas argolas, voltou atrás na declaração.
“De jeito nenhum, foi uma crítica ao que os militares fazem para o esporte. Não fiz queixa, dei minha opinião pessoal. Hoje fiquei sabendo que existem alguns projetos que fomentam o esporte. É uma alegria saber disso”, disse ele.
Em entrevista à BBC Brasil, o vice-almirante Paulo Zuccaro, diretor de Desporto Militar do Ministério da Defesa, disse que, além de incorporar atletas já renomados através do PAAR, as Forças Armadas estão elaborando uma nova estratégia para apoiar a formação de atletas que competirão nas duas próximas edições das Olimpíadas e dos Jogos Mundiais Militares e para identificar talentos esportivos em escolas públicas.
“Para o próximo ciclo nós estamos contando com a ajuda das confederações para nos orientarem tecnicamente desde já na identificação das principais promessas das respectivas modalidades”, afirmou Zuccaro.
Porém, para 2024 haverá uma dificuldade adicional: muitos dos jovens que competirão nesses jogos não terão idade suficiente para entrar nas Forças Armadas em sua fase de preparação.
Por isso, a ideia é identificar talentos esportivos em escolas públicas através de outro programa: o Forças no Esporte, ou Profesp.
Trata-se de um programa social conjunto dos ministérios da Defesa, do Esporte e do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, onde 21 mil alunos do ensino público praticam esportes, atividades educacionais e recebem atendimento de saúde dentro das unidades militares.
“Para o ciclo de 2024, nós estamos buscando parcerias com universidades e centros de pesquisa esportiva para aplicação de ferramentas de revelação de talentos olímpicos em nosso programa de inclusão social por meio do esporte, denominado Forças no Esporte”, afirmou Zuccaro.
Outro desafio será lidar com o fato de que, após oito anos nas forças, os militares de quadro temporário (profissionais formados em áreas civis que entram nas Forças Armadas para exercer funções específicas) têm que se desligar das suas instituições. Quem entrou para a vida militar no início do programa já se aproxima desse prazo e pode ainda estar em idade de participar de mais competições.
A solução estudada, segundo o Ministério da Defesa, é que eles se desliguem e depois voltem a prestar concurso para um novo período nas Forças Armadas. Mas esse processo pode levar até um ano.
Entenda o PAAR
Mas como funciona o programa que trouxe nove medalhas para o Brasil na Rio 2016 até agora?
Os ministérios da Defesa e do Esporte se basearam na experiência internacional para criar seu Programa de Atletas de Alto Rendimento. Ele foi inspirado em experiências semelhantes de países como Itália, Rússia, China e Alemanha.
O programa foi iniciado em 2008 com o objetivo de tornar o Brasil mais competitivo para a 5º edição dos Jogos Mundiais Militares, que ocorreram no Rio de Janeiro de 2011.
O Exército e a Marinha abriram concursos para incorporar às forças atletas civis que já tinham bom desempenho em competições reconhecidas (mais tarde a Aeronáutica entrou no programa também).
Os esportistas selecionados se tornam sargentos temporários dessas forças e recebem treinamento básico militar. Também passam a ganhar um soldo mensal (cerca de R$ 3,2 mil atualmente), recebem equipamentos esportivos e podem treinar nas instalações das Forças Armadas ─ entre elas o Centro de Capacitação Física do Exército, na Urca, no Rio de Janeiro, que possui instalações especializadas de modalidades como atletismo, lutas e esportes coletivos.
Além disso, eles passam a ter acesso a acompanhamento médico, psicológico, fisioterapeutas e outros profissionais relacionados fornecidos pelas Forças Armadas e pelo Comitê Olímpico Brasileiro.
“Quando eu entrei no Exército em 2009 eu já tinha começado a competir internacionalmente com o judô. A gente tem o dojo (local de treinamento), o rancho (restaurante sem custos), sessões de fisioterapia, academia, ou seja, instalações fundamentais na caminhada de um atleta para pensar em uma medalha”, disse o judoca Victor Penalber.
“Ter essa estrutura por trás foi fundamental para eu ter mais tranquilidade e pensar só no tatame”, disse.
Alguns atletas dizem que a experiência militar também influenciaria o comportamento e a disciplina.
“O sentimento de cumprimento de dever que o Exército passa para todos os atletas no momento que eles entram pode ser refletido no esporte como num campo de batalha. É o momento em que a pessoa, independente do estresse, do fragor da batalha, tem que representar muito bem o nosso Brasil”, disse o major Cássio Rippel, que representou o país no tiro esportivo na Rio 2016.
Falta de patrocínio
Mas o PAAR foi adotado por muitos atletas fundalmentalmente por questões econômicas. Boa parte deles não tinha patrocínio ou capacidade financeira para se dedicar exclusivamente ao esporte.
O resultado inicial do programa foi que o Brasil ficou em primeiro lugar nos Jogos Mundiais Militares de 2011, realizados no Rio de Janeiro. Quatro anos depois, nos Jogos Mundiais Militares da Coreia, o Brasil ficou em segundo lugar (perdendo apenas para a Rússia).
Os resultados fizeram o programa continuar e se focar também em competições civis, como os Jogos Panamericanos do Canadá, a Olimpíada de Londres e do Rio, além de torneios mundiais de várias modalidades.
Atletas militares ganhadores de medalhas
- Felipe Wu – Prata – Tiro Esportivo
- Rafael Silva – Bronze – Judô
- Poliana Okimoto – Bronze – Maratona Aquática
- Rafaela Silva – Ouro – Judô
- Mayra Aguiar – Bronze – Judô
- Arthur Nory Mariano – Bronze – Ginástica artística
- Arthur Zanetti – Prata – Ginástica artística
- Thiago Braz – Ouro – Salto com Vara
- Robson Conceição – Ouro – Boxe
- Agatha Rippel e Bárbara Seixas – Prata – Vôlei de praia
- Martine Grael e Kahena Kunze – Ouro – Vela
- Alison Cerutti e Bruno Schmidt – Vôlei de praia
Como foi o resultado em Londres 2012? Quantos atletas militares ganharam medalhas?
Segundo Zuccaro, o objetivo do PAAR é contribuir com esportes que não atraem tanto dinheiro e visibilidade como o futebol, o tênis e o basquete.
O programa abrange 34 modalidades, sendo 26 delas olímpicas e cinco exclusivamente militares, como o paraquedismo e o pentatlo naval. Ao todo são 670 atletas beneficiados (594 deles civis incorporados por terem bons índices esportivos e 76 militares de carreira).
Mas o foco de atenção está em algumas modalidades. Elas são: lutas, atletismo, natação, tiro e vela.
O Ministério da Defesa considera o programa relativamente barato, se comparado aos resultados que propicia, de acordo com o vice-almirante. Ele custa cerca de R$ 18 milhões por ano ao Ministério da Defesa ─ sendo R$ 15 milhões para o pagamento de soldos e R$ 3 milhões para a compra de equipamentos esportivos e financiamento de viagens para torneios internacionais.
Propaganda?
O fato da maioria dos atletas militares baterem continência no pódio após receberem suas medalhas vem levantando polêmica entre os críticos do programa.
Muitos atletas militares dizem que se sentem parte das forças e querem honrá-las.
Já para o professor Márcio Antonio Scalercio, da PUC-Rio e da Universidade Cândido Mendes, as forças incorporam os atletas profissionais como “uma estratégia de marketing” e atrás dos mesmos benefícios que levam empresas a patrociná-los: “ganhar um olhar positivo da sociedade”.
“As Forças Armadas brasileiras já desfrutam de um elevado conceito no seio da sociedade e não dependem de campanhas específicas de marketing para melhorá-lo”, avalia Zuccaro.
Segundo ele, além dos objetivos de melhorar o desempenho nos Jogos Mundiais Militares e ajudar o Brasil a se tornar uma potência esportiva, o programa tem outros objetivos diretos. Um deles é que as instalações e equipamentos esportivos adquiridos estão sendo usados para a melhoria da capacitação física dos outros combatentes.
O vice-almirante também disse que o programa ajuda a acumular conhecimentos nas ciências do esporte, entre eles medicina, biomecânica, nutrição, fisioterapia.
“Estamos nesta jornada há muito tempo, com planejamento e objetivos muito claros. Estamos, agora, colhendo os primeiros frutos da dedicação e do profissionalismo de todas as pessoas (envolvidas)”, disse.
Fonte: UOL