Viúva do ex-governador Tarcísio Burity, que faleceu no Incor, em São Paulo, aos 64 anos de idade, em julho de 2003, com insuficiência cardíaca grave, a escritora Glauce Navarro Burity confirmou que será em novembro o lançamento do livro biográfico sobre o intelectual e homem público, resultado de alentada pesquisa de vários anos, com anotações e rascunhos de memórias que têm a assinatura do próprio homenageado. Na solenidade de inauguração do Museu de História da Paraíba Palácio da Redenção, sexta-feira, Glauce Burity afirmou ao colunista que a obra tem o significado de apresentar o homenageado em sua inteira dimensão não só como um estudioso profundo das questões jurídicas mas como uma figura de formação humanista, que tinha amplo conhecimento das conjunturas nacional e internacional e que se projetou na vida pública pela preocupação em inovar e em priorizar as carências do povo paraibano.
Políticamente, Tarcísio Burity foi um fenômeno. Ele foi nomeado governador do Estado em pleno regime militar, escolhido em convenção interna do PDS e homologado pelo presidente da República, tendo derrotado em convenção o ex-deputado Antônio Mariz, que buscou dar à campanha respaldo popular na condição de dissidente, apesar da escolha ser indireta. Voltou, depois, ao Executivo, pelo voto popular, com votação extraordinária na história política estadual. No seu primeiro governo, a partir de 1979, Burity venceu resistências da classe política e de segmentos da imprensa – até então, era tratado como “neófito” e foi apontado pela revista “Veja”, em matéria especial, como “obscuro professor universitário”. Na versão de Glauce, porém, o marido já possuía uma vasta trajetória acadêmica ou intelectual e era respeitado nos mais diferentes círculos culturais, do Brasil e do exterior. O renomado professor Celso Lafer descreveu Burity como “integrante de uma tradição paraibana de eminentes homens públicos, a exemplo do ministro José Américo de Almeida, que se destacaram como escritores, intelectuais e juristas, combinando de forma superior pensamento e ação”.
A repercussão positiva do primeiro mandato foi o passaporte definitivo para a conversão de Burity à atividade política. Em 1982, ao fim do mandato inicial, ele concorreu à Câmara dos Deputados e alcançou expressiva votação no seu primeiro teste nas urnas populares. Em Brasília, formou ao lado de um grupo dissidente do PDS-PFL, denominado “Participação”, que clamava por reformas políticas e sociais e pela abertura plena, mediante eleições diretas e convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, bandeiras que chegaram a ser empalmadas por Burity em entrevistas a jornais de grande circulação. Em 1986, migrou para o PMDB com a condição de ser o candidato ao governo do Estado, substituindo ao senador Humberto Lucena. Ganhou a eleição ao governo por quase 300 mil votos de diferença sobre seu competidor, Marcondes Gadelha.
No auge dos embates e confrontos que foram travados por Burity com líderes políticos paraibanos que não absorviam o seu comando, o então ministro da Justiça do governo Figueiredo, Ibrahim Abi-Ackel, comentou a jornalistas paraibanos que Burity devia ser tratado como um “político não convencional”, o que conferia com o perfil de rejeição do ex-governador ao modelo clássico do exercício da atividade política que envolvia fisiologismos e negociatas de campanário. Desse ponto de vista, ele foi um homem público acima do seu tempo – e a visão futurista ficou impregnada em obras que ainda hoje se mantêm intactas em João Pessoa e na Paraíba, a exemplo do Espaço Cultural José Lins do Rêgo. No segundo governo, Burity enfrentou problemas causados pela crise econômica e, em termos locais, por divergências políticas com aliados do PMDB. Chegou a acusar parlamentares da legenda de boicotarem pedidos de empréstimo internacional que havia tentado contratar através do Senado, e, no fragor da polêmica, chamou o Senado de “vergonha nacional”, tendo se retratado posteriormente perante a Mesa e o colegiado da instituição.
No livro “Esplendor & Tragédia”, o jornalista e escritor Severino Ramos recorda com detalhes o chamado “incidente do Gulliver”, aludindo a tiros disparados contra Burity pelo então governador Ronaldo Cunha Lima em famoso restaurante da orla marítima da capital e que constituiu fato de ampla repercussão nacional. Cultor da máxima de que “o homem se mede pelos obstáculos”, Burity se viu frente à frente com outras adversidades, como o fechamento do Paraiban pelo então presidente Fernando Collor de Mello, uma “punhalada pelas costas” contra o primeiro governador do país que apoiou a candidatura do “caçador de marajás” das Alagoas. Glauce afirmou, certa vez, que Burity “foi um homem público que teve a coragem de tomar decisões contrariando interesses de grupos e de forças influentes”. Como dizia a “Veja”, Burity não tinha paciência para o varejo político por estar sempre comprometido com as grandes causas do interesse público. Burity não deixou herdeiros na política, mas deixou um vasto legado. “Ele era uma exceção, daí a falta enorme que faz no debate das questões públicas”, relembra Glauce Burity, com justificada ênfase.