
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) acionou autoridades internacionais para acelerar a disponibilização do medicamento fomepizol no Brasil. O antídoto é considerado referência para o tratamento da intoxicação por metanol, mas não tem registro no país.
“A Agência já consultou formalmente autoridades reguladoras internacionais sobre a autorização de comercialização do produto em seus respectivos países (…) O objetivo é acelerar a aquisição do produto e garantir o atendimento aos pacientes no menor tempo possível”, diz a autarquia em nota.
Entre as agências consultadas, estão as da China; da União Europeia; dos Estados Unidos; da Argentina; do México; do Canadá; do Japão; do Reino Unido; da Suíça e da Austrália. Além disso, o órgão publicou um Edital de Chamamento para identificar fabricantes e distribuidores internacionais com disponibilidade imediata de fornecimento ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Segundo a última atualização do Ministério da Saúde, desta quinta-feira, o Centro Nacional de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (CIEVS) recebeu a notificação de quase 60 casos suspeitos de intoxicação por metanol ligados ao consumo de bebidas adulteradas em São Paulo, Pernambuco e no Distrito Federal. Além disso, foi confirmado um óbito, no estado paulista, e outros sete são investigados.
A pasta criou uma Sala de Situação para monitorar e coordenar a resposta nacional. Em coletiva nesta quinta-feira, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, disse ainda que, de forma complementar, foi feito um pedido à Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) para a doação imediata de 100 tratamentos de fomepizol, e manifestada a intenção de adquirir outras mil unidades por meio da linha de crédito do Fundo Estratégico da OPAS, ampliando o estoque nacional.
— Os pedidos e compras de antídotos que estamos fazendo são por precaução. Nos últimos anos, não ultrapassamos 20 casos por ano, mas temos observado um registro maior no estado de São Paulo. Essas são medidas preventivas do Ministério da Saúde — reforçou na ocasião.
O metanol é um composto industrial muito utilizado como solvente, combustível e outros produtos químicos. Quando ingerido, transforma-se em formaldeído no fígado e, depois, em ácido fórmico, que é o subproduto altamente tóxico para o organismo. Por isso, o objetivo dos antídotos é frear a metabolização do metanol em mais ácido fórmico.
— O fomepizol bloqueia diretamente a ação da enzima que quebra o metanol, evitando a formação de formaldeído e ácido fórmico, os verdadeiros responsáveis pelos danos à visão e ao sistema nervoso. Mas, no Brasil, o acesso ao fomepizol ainda é limitado. Embora seja o tratamento de escolha em muitos países, ele não está amplamente disponível por aqui — explica Raphael Garcia, professor no setor de Bioquímica, Farmacologia e Toxicologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Enquanto isso, uma alternativa de antídoto, curiosamente, é o próprio etanol, explica Diego Rissi, perito legista e toxicologista na Secretaria de Estado de Polícia Civil do Rio de Janeiro e doutorando em Saúde Pública na Fiocruz:
— É o curioso, mas o etanol pode ser administrado intravenoso como antídoto pois compete com a mesma enzima que metaboliza o metanol, porém com uma afinidade cerca de 50 vezes maior, reduzindo assim a formação dos metabólitos tóxicos pelo metanol. Mas é importante ressaltar que, em casos de suspeita de intoxicação por metanol, a pessoa deve procurar imediatamente atendimento médico e relatar a suspeita para a equipe.
O etanol farmacêutico tem o uso restrito aos 32 Centros de Informação e Assistência Toxicológica (CIATox) do Brasil, que oferecem suporte para diagnóstico, manejo de intoxicações, toxicovigilância e gestão de risco químico pelo SUS. Em São Paulo, há 9 centros disponíveis.
Além do maior acesso ao fomepizol, o Ministério da Saúde também anunciou que, em parceria com a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), foi estruturado um estoque estratégico em hospitais universitários federais e serviços do SUS com 4,3 mil ampolas de etanol farmacêutico.
A pasta disse ainda que está em andamento a compra emergencial de mais 5 mil tratamentos (150 mil ampolas), “garantindo a reposição e distribuição do produto conforme a necessidade de estados e municípios”.
Em caráter emergencial, a Anvisa também trabalhou na identificação de farmácias de manipulação e laboratórios farmacêuticos aptos à produção de etanol farmacêutico caso sejam necessárias mais unidades.
Segundo a agência, foi feito um levantamento nacional dos estabelecimentos, que mapeou 604 farmácias de manipulação, e a autarquia está “pronta para adotar medidas regulatórias que viabilizem a produção do etanol manipulado, caso essa estratégia seja aprovada pelo Ministério da Saúde”.
Além dos antídotos, há outras medidas que fazem parte do tratamento da intoxicação por metanol, a depender da gravidade do quadro e do tempo transcorrido desde a ingestão da substância. Garcia explica, por exemplo, que, quando o ácido fórmico já está muito presente no corpo, é indicado fazer a hemodiálise, filtragem do sangue fora do corpo, por uma máquina, capaz de remover tanto o metanol quanto seus metabólitos.
— Também podem ser necessárias intervenções médicas para suporte da vida, como ventilação forçada, intubação e reanimação cardiopulmonar em casos graves — complementa Rissi.
Leonardo André Silvani, biomédico especialista em Patologia e Toxicologia, acrescenta que pode ser administrado bicarbonato de sódio ao paciente para conter a acidose no organismo devido ao acúmulo de ácido fórmico no corpo:
— Lembrando que todo esse tratamento deve ocorrer em ambientes de média a alta complexidade hospitalar.
O tratamento é de suma importância já que mesmo pequenas quantidades de metanol podem gerar casos graves de intoxicação. As autoridades de saúde estimam que apenas 10 ml já é suficiente para causar cegueira, e 30 ml é considerada a dose mínima fatal para um adulto. Siddhartha Giese, analista químico do Conselho Federal da Química (CFQ), explica que o composto pode aparecer nas bebidas alcoólicas de duas maneiras:
— Quando há fraude e adulteração, com alguém tentando reduzir custos ao substituir o álcool próprio para consumo (etanol) por metanol, que é mais barato, ou por erros em processos de destilação, quando partes da bebida que contêm metanol não são corretamente separadas, o que acontece principalmente na produção clandestina.
O Globo