Opinião

“Habeas Pinho” evoca a trajetória do poeta que viveu o poder - Por Nonato Guedes

“Habeas Pinho” evoca a trajetória do poeta que viveu o poder - Por Nonato Guedes

Será exibido hoje à noite, no Cinépolis (Manaíra Shopping), em João Pessoa, o curta-metragem “Habeas Pinho”, inspirado no poema homônimo de Ronaldo Cunha Lima, ex-governador e ex-senador, com 25 minutos de duração, e que recria, com fina sensibilidade, o emblemático episódio do poema-petição escrito em versos por ele para recuperar o violão de um seresteiro. Lançado já em Campina Grande, com ampla repercussão, o curta-metragem é uma homenagem que evoca a trajetória de um dos políticos mais completos da história da Paraíba, que fez carreira a partir da militância estudantil, principiou na vida pública como vereador e consagrou-se como governador, na década de 90, destacando-se como ativo parlamentar desde a Assembleia Legislativa ao Senado Federal e à Câmara dos Deputados. Ronaldo viveu intensamente até os 76 anos, tendo falecido em julho de 2012. Mesmo no poder, não deixou de exercitar o dom de poeta, que funcionava para ele como bálsamo e desaguadouro de desilusões com as coisas da vida.

O curta-metragem constitui projeto idealizado por Gal Cunha Lima, filha do poeta, com direção de Aluísio Guimarães e Nathan Cirino e elenco formado por artistas locais – Lucas Veloso, filho do saudoso humorista “Shaolin” representa o jovem Ronaldo, ao lado de Mayana Neiva e Juzé, artistas consagrados da televisão brasileira e do cinema. Gal contou que o processo demandou três anos, envolvendo uma equipe versada na arte e que procurou retratar a Campina Grande dos anos 60, com toda a carga romântica que emoldurava a Rainha da Borborema. A proposta é de levar o “curta” a escolas, universidades e quaisquer ambientes onde seja requisitada a poesia de Ronaldo, em si mesma espalhada por diversos livros que têm encantado corações e mentes ao longo dos tempos. Boêmio e advogado, Ronaldo criou o “Habeas Pinho” em 1955 quando foi ‘convocado’ por um grupo de seresteiros a liberar um violão que havia sido apreendido a pretexto de perturbar a ordem pública. O petitório famoso ainda hoje enfeita paredes de escritórios de muitos advogados e bares em praias do Nordeste.

A paixão de Ronaldo pela poesia surgiu quando ele era criança, tendo tido influência do avô João da Cunha Lima, que era exímio sonetista. Aos 10 anos, Ronaldo ensaiou seus próprios versos e a partir daí decidiu aprimorar-se no estilo. Como advogado, redigiu inúmeras petições em estilo poético, algumas imortalizadas como a do “habeas pinho”, requerimento formulado ao juiz Arthur Moura, da Segunda Vara da Comarca em Campina Grande. Ronaldo peticionou: “O instrumento do crime que se arrola Neste processo de contravenção Não é faca, revólver, nem pistola É simplesmente, doutor, um violão Um violão, doutor, que, na verdade, Não matou nem feriu um cidadão Feriu, sim, a sensibilidade De quem o ouviu vibrar na solidão Mande soltá-lo, pelo amor da noite Que se sente vazia em suas horas Para que volte a sentir o terno açoite De suas cordas”

O juiz deu a sentença no mesmo tom: “Para que eu não carregue/Muito remorso no coração/Determino que seja entregue/Ao seu dono, o violão”. Fenômeno nas urnas, líder popular de indiscutível carisma, Ronaldo empreendeu verdadeira “via crucis” para chegar ao governo do Estado, tendo sido preterido por duas vezes. Na sua chance, em 1990, conduziu uma das mais memoráveis campanhas de que se tem registro no Estado, mobilizando seguidores em todas as regiões e dando combate a um outro líder tão popular quanto ele – o ex-governador Wilson Braga, que foi vencido em segundo turno. Político de posições arrebatadoras, Ronaldo gerou fatos de repercussão política, como os desentendimentos com o PMDB, atritos com ex-governadores e chefes partidários e a escalada rumo ao PSDB, onde formou grupo que passou a polarizar o cenário político estadual e consagrou seu filho, Cássio Cunha Lima, em eleições seguidas ao governo e Senado. Ronaldo foi, também, vítima do regime militar, tendo sido cassado como prefeito de Campina Grande na primeira vez em que foi eleito. Sobreviveu com dignidade no ostracismo político e voltou à prefeitura nos braços do povo. No voto popular, não perdeu nenhuma eleição, o que confirma que havia um caso de amor entre o poeta e as urnas.