
Um dia depois de bombardear o Irã oficialmente para impedir que seu programa nuclear possa desenvolver armas, o presidente Donald Trump fala abertamente sobre a possibilidade de promover uma mudança de regime em Teerã. Ou seja, derrubar a atual estrutura de poder estabelecida desde 1979 e hoje conduzida pelo aiatolá Ali Khamenei.
“Não é politicamente correto usar o termo “mudança de regime”, mas se o atual regime iraniano não é capaz de FAZER O IRÃ GRANDE DE NOVO, por que não haveria uma mudança de regime? MIGA!!!”, escreveu Trump nas redes sociais neste domingo, usando uma referência ao seu movimento MAGA (Make America Great Again).
A mensagem do presidente americano pegou diplomatas na sala do da ONU de surpresa, enquanto muitos passaram a questionar se essa seria mais uma ameaça ao regime para conseguir que haja uma capitulação total em relação ao programa nuclear. Um dia antes, ele avisou em rede nacional que o Irã teria apenas duas opções: a paz imposta ou “tragédia”.
No início deste domingo, o vice-presidente dos EUA, JD Vance, o secretário de Defesa Pete Hegseth e o secretário de Estado Marco Rubio afirmaram categoricamente que o governo americano não buscava a queda do regime de Ali Khamenei, o líder supremo.
A nova postagem de Trump ainda ocorreu no mesmo momento em que, em Nova York, a delegação do Irã discursava no Conselho de Segurança da ONU, que se reuniu em caráter de emergência neste domingo.
No encontro, o embaixador do Irã na ONU, Amir Saeid Iravani, criticou a “brutal” ofensiva militar americana e insistiu que o programa nuclear era apenas um “pretexto fabricado” para justificar uma violação da soberania do país. “Não há evidências para substanciar a alegação de que estamos prestes a obter uma arma nuclear”, afirmou. Segundo ele, os ataques foram “politicamente motivados”.
Para o embaixador, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, é um “criminoso” que “dragou os EUA para uma nova guerra”. “O governo americano sacrificou sua segurança para resgatar Netanyahu”, disse o embaixador. “Israel e EUA decidiram destruir a diplomacia e foi usada para criar uma ilusão na comunidade internacional”, disse.
O iraniano anunciou que a resposta de Teerã será “proporcional” e a retaliação vai depender da avaliação das Forças Armadas. “Vamos mostrar nossa dignidade e grandeza ao mundo”, alertou.
Trocas de acusações e pedido de cessar-fogo
Enquanto Trump soltava uma bomba nas redes sociais, a escalada militar no Oriente Médio se transformava em uma troca de acusações no Conselho de Segurança da ONU. Russos, chineses, argelinos, paquistaneses e outros países usaram o encontro para denunciar os atos americanos e de Israel contra o Irã e propor um cessar-fogo, que será votado na próxima terça-feira. Já o governo dos EUA e de Israel rebatem as críticas e ignoram os pedidos por uma interrupção na ofensiva militar.
Um dos ataques mais duros veio de Vasily Alekseyevich Nebenzya, embaixador da Rússia na ONU. Ele acusou os EUA de agir de forma “irresponsável” ao atacar o Irã e alertou que o governo de Donald Trump está “jogando com a segurança da humanidade”. “Pedimos um cessar-fogo por parte de EUA e Israel”, disse.
Condenando Washington, a Rússia afirmou que “por seus aliados, os EUA não apenas fecham os olhos para os crimes em Gaza, mas jogam com segurança da humanidade”.
“Os EUA acham que são o maior juiz. Por hegemonia, estão prontos para cometer qualquer crime. Não receberam mandato para agir”, acusou o diplomata.
O russo ainda chamou o governo Trump de cínico. “Ninguém mais acreditar em nossos colegas americanos”, alertou.
O embaixador apontou que a manobra americana repete as cenas de 2003, quando os EUA insistiram que o Iraque tinha armas químicas para justificar uma invasão. “Já vimos isso antes”, disse o diplomata, acusando os americanos de divulgar “contos de fadas”.
“A história não ensinou nada aos americanos”, afirmou. “Essa é um teatro cínico do absurdo”, insistiu.
Para o russo, a incoerência é que Israel, que não faz parte de acordos contra armas nucleares, exige que o Irã seja impedido de ter seu programa nuclear.
Voto marcado para terça-feira
O encontro ocorreu enquanto, nos bastidores, as delegações mergulharam numa negociação diante da proposta de Rússia, China e Paquistão para que o órgão vote uma resolução determinando um cessar-fogo “imediato e incondicional” diante do conflito entre Israel e Irã, que começou há 10 dias.
A iniciativa que será votada na terça-feira coloca pressão sobre os EUA, um dos membros permanentes do Conselho de Segurança e que tem o poder de vetar o texto. Diplomatas indicaram que, nas próximas horas e dias, o texto será alvo de uma intensa negociação. Na sexta-feira, o presidente Donald Trump foi questionado se iria pressionar o governo de Israel por suspender os ataques. Mas descartou a opção. Um dia depois, ordenou os ataques americanos contra instalações nucleares do Irã.
Na reunião deste domingo, o texto proposto por russos e chineses não foi colocado para votação, já que seu processo negociador acaba de ser lançado. Mesmo assim, a reunião serviu para tomar a temperatura das diferentes delegações.
EUA ignoram pedido de cessar-fogo
Na ONU, o governo americano tomou a palavra para responder e ignorou a proposta de um cessar-fogo. Depois de acusar Irã de ameaçar os EUA e Israel, a embaixadora americana, Dorothy Shea afirmou que “regime iraniano não pode ter armas nuclear” e insistiu que é o Irã quem está escalando a crise.
Na reunião, Shea ainda repetiu uma ameaça feita por Donald Trump: “qualquer ataque por parte do Irã contra americanos vai ser respondido com uma retaliação devastadora”.
Segundo ela, o Conselho de Segurança deve determinar que o Irã “pare com os 47 anos de projeto para acabar com Israel”.
Ao ser acusado de cinismo pelos russos, o governo americano retrucou que é o Irã que vem ampliando seu programa nuclear.
China condenou EUA
Durante a reunião, o governo da China também condenou os EUA e indicou que os ataques “violam a carta das ONU, assim como soberania do Irã e ampliam a tensão na região”.
A proposta de Pequim prevê quatro pontos:
A aprovação de um cessar-fogo. Para a China, o temor é que a crise “saia de controle”. Ela sugere que Israel pare de atacar, que todos respeitem o direito internacional e não colocar “gasolina no fogo”.
O fim dos ataques contra civis.
Um compromisso pelo diálogo. “A paz não será pelo uso da força”, disse, num ataque aos americanos.
Uma votação no Conselho de Segurança para suspender a crise
Israel critica silêncio de governos e da ONU
Antes de começar a reunião do Conselho de Segurança da ONU, o embaixador de Israel, Danny Danon, agradeceu ao apoio dos EUA após o bombardeio ordenado por Donald Trump contra o Irã e acusou os demais países de ficarem em “silêncio” diante do programa nuclear iraniano. “São cúmplices”, disse.
“Qualquer novo ataque será respondido com força. Vamos defender nosso povo”, disse. “EUA mostrou coragem e agora o resto do mundo deve seguir o mesmo caminho. O mundo está mais seguro hoje”, insistiu.
Segundo ele, Israel tem “muitos alvos” em mente caso opte por continuar os ataques. Mas colocou a responsabilidade no regime iraniano. “É o Irã que deve pensar em seus próprios passos”, disse.
Danon optou por ser vago ao ser questionado se o objetivo de Israel é levar o governo iraniano a uma renúncia. “Isso é uma decisão para o povo iraniano. Não para nós”, disse.
O embaixador ainda criticou o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, que foi às redes sociais na noite de sábado para afirmar que estava “alarmado” com os ataques dos EUA. “Foi decepcionante”, disse o israelense. “Ele (Guterres) sequer citou o programa nuclear iraniano”, completou.
ONU critica Trump
Por sua vez, já na reunião, Guterres mandou uma mensagem aos americanos. “Há dois dias, fiz um apelo: de uma chance para a paz. O apelo não foi ouvido. No lugar, vimos uma guinada perigosa”, disse.
Sua preocupação se refere ao ciclo de retaliações e pediu que a diplomacia volte a ter um papel. Guterres também apelou para que o Irã não feche locais críticos para a livre circulação de navios.
Para o secretário-geral, apenas uma negociação sobre o acordo nuclear iraniano, com inspeções completas, pode ser a solução.
Num recado para os EUA, ele alertou: “a paz não pode ser imposta”. No sábado, Trump disse que havia apenas duas opções para os iranianos. “Paz ou mais tragédia”, disse.
Guterres insiste que o mundo vive uma encruzilhada: “temos um caminho de guerra e outro de diálogo. Sabemos qual é o caminho certo. Não podemos desistir da paz”, completou.
Miroslav Jena, secretário-geral assistente da ONU, anunciou que, em dez dias, 433 pessoas morreram no Irã e outros 3 mil foram feridos pelos ataques de Israel e EUA. As vítimas são, em sua maioria, civis.
Do lado israelense, a ONU soma 25 mortos e 1,3 mil feridos. “Há uma escalada perigosa. É uma ameaça direta para segurança internacional. Há dois dias, ouvimos que estávamos na beira do precipício de um conflito. Temo que estamos nesse lugar hoje”, disse.
França e Reino Unido pedem que Irã volte à mesa de negociação
Já a embaixadora do Reino Unido, Barbara Woodward, afirmou que Trump tomou a “iniciativa para aliviar a ameaça” que o programa nuclear iraniano significa para o mundo. Mas só uma ação militar não pode ser a solução. “Pedimos que o Irã retorne para mesa de negociação e que encontre uma solução diplomática”, disse.
Jérôme Bonnafont, embaixador da França na ONU, defendeu que esse é o momento de desescalada militar. “Apelamos para que os iranianos optem pela diplomacia e evitem mais retaliações”, disse. Mas ele deixou claro que a posição da França não mudou: “não podemos deixar que o Irã tenha armas nucleares”.
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