
O que antes era uma preocupação restrita ao universo adulto, agora tem ganhado espaço também entre os pequenos: o burnout infantil. Essa síndrome, por sua vez, é associada à exaustão emocional e física provocada por estresse crônico. Cada vez mais, ela tem sido diagnosticada em crianças expostas a rotinas intensas e, além disso, ao uso excessivo de tecnologia.
De acordo com a psicóloga clínica Karla Azevêdo, é preciso atenção redobrada às exigências do dia a dia da infância contemporânea. “O burnout infantil existe, é real e pode comprometer o desenvolvimento emocional e até físico da criança. Muitas vezes, ele se instala silenciosamente, disfarçado por sintomas que os adultos ainda não sabem reconhecer como sinal de alerta”, afirma.
Sintomas vão além do cansaço comum
Os principais sinais do burnout em crianças, segundo Karla, envolvem:
- Cansaço físico e mental persistente, mesmo após descanso;
- Desinteresse por atividades que antes davam prazer, como brincar ou ir à escola;
- Irritabilidade, explosões de raiva e choro frequente;
- Alterações no sono (insônia ou sonolência em excesso);
- Queixas físicas como dor de cabeça, dor de barriga e enjoos recorrentes;
- Baixa autoestima e autocrítica exagerada;
- Queda no rendimento escolar;
- Isolamento social ou recusa em frequentar a escola.
“A diferença para o cansaço natural está na cronicidade e na intensidade. O burnout vem com sinais emocionais densos, persistentes e muitas vezes desproporcionais à rotina”, explica a especialista.
Agenda cheia e pouco tempo para brincar: infância em ritmo acelerado
Embora as atividades extracurriculares sejam importantes para o desenvolvimento integral da criança, o excesso e a falta de equilíbrio podem ter efeito contrário. “O problema não é a atividade em si, mas a ausência de descanso, de tempo livre e de espaço para ser criança. Quando tudo vira cobrança e desempenho, a infância perde sua essência”, pontua Karla Azevêdo.
Além disso, a especialista destaca que a rotina sobrecarregada pode prejudicar o vínculo familiar, já que muitas vezes pais e filhos mal conseguem compartilhar momentos de escuta, afeto e convivência verdadeira.
Telas e tecnologia: um vilão disfarçado de entretenimento
O uso excessivo de tecnologia também é apontado como um fator de risco relevante para o burnout infantil. “Quando a tela ocupa o espaço do brincar, da socialização e do descanso, ela interfere no sono, estimula uma hiperatenção prejudicial e contribui para o isolamento e a comparação social. Tudo isso mina o equilíbrio emocional da criança”, alerta a psicóloga.
A Organização Mundial da Saúde (OMS), por sua vez, já relaciona o uso precoce e não monitorado de telas a sintomas como estresse, depressão e dificuldades de concentração. Além disso, o psicólogo americano Jonathan Haidt, em seu livro A Geração Ansiosa (2024), vai além e afirma que a tecnologia está no centro da crise de saúde mental que atualmente atinge crianças e adolescentes na era digital.
Como proteger a infância do esgotamento emocional?
A psicóloga Karla Azevêdo recomenda estratégias simples, mas eficazes, para pais e cuidadores:
- Estabeleça limites claros para o uso de telas, principalmente à noite;
- Garanta tempo livre e espontâneo para o brincar, sem interferência de regras externas;
- Preserve uma rotina de sono de qualidade, com horários regulares e rituais de relaxamento;
- Evite agendas sobrecarregadas: uma ou duas atividades extracurriculares por semana são suficientes;
- Inclua contato com a natureza na rotina da criança;
- Crie momentos diários de conexão afetiva, com escuta ativa e sem julgamentos;
- Dê o exemplo: mostre como lidar com pausas, frustrações e o uso saudável da tecnologia.
“Cuidar da saúde mental infantil não é sobre fazer muito, é sobre estar com qualidade. A criança precisa de descanso, presença e espaço para ser quem ela é, sem cobrança constante”, finaliza Karla.