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Cruz Vermelha não comprova aluguel de 35 ambulâncias para o Hospital de Trauma

TCE quer devolução de mais de meio milhão de reais

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(Jornal da Paraíba ) – O Tribunal de Contas do Estado da Paraíba (TCE-PB) detectou através de auditoria realizada em 2013 que a Cruz Vermelha Brasileira (CVB) alugou no ano passado 35 ambulâncias para o Hospital de Emergência e Trauma Senador Humberto Lucena, em João Pessoa. Esses veículos, no entanto, não foram localizados pela auditoria, que também não constatou qualquer comprovação material dos serviços prestados pela empresa Safety Med Ltda., sediada em Bonsucesso, no Rio de Janeiro, que recebeu R$ 561.694,74 pela locação das ambulâncias.

A auditoria do Tribunal de Contas propôs a devolução integral do valor gasto com a locação das ambulâncias, sob pena de a Cruz Vermelha ser indiciada por favorecer com recursos públicos o enriquecimento ilícito de empresa privada. De acordo com relatório da auditoria, a coordenação de Transporte do Trauma admitiu a não existência das ambulâncias nas dependências do hospital. O contrato com a Safety Med previa o fornecimento de ambulâncias de suporte avançado, básico e neonatal, à disposição 24 horas por dia, sendo 10 avançadas para adulto, cinco avançadas para neonatos e pediatria e 20 de suporte básico. Além disso, a auditoria constatou que Luiz Felipe Ferreira Torres, que assina o contrato com a Cruz Vermelha, não consta como sócio da Safety Med, empresa já conhecida do público em razão da divulgação na imprensa das acusações de fraudes em concorrências públicas nas quais concorreu.

O fato se soma a uma série de irregularidades constata- das na auditoria do TCE e divulgadas com exclusividade pelo JORNAL DA PARAÍBA. O relatório faz parte do processo 02642/14, referente a Inspeção Especial de Contas relativa ao exercício 2013 da Secretaria de Estado da Saúde.

 

Centro fatura R$ 700 mil

 

Os auditores do TCE também propõem a devolução ao erário dos valores pagos ao Centro de Investigação em Cardiologia e Ginecologia (CICG), sediado em Duque de Caxias (RJ). A empresa foi contratada por mais de R$ 700 mil pela Cruz Vermelha para prestar serviços de consultoria e fornecimento de pessoal especializado ao Trauma, entretanto, não houve qualquer comprovação material dos serviços prestados pela empresa junto ao Trauma. Chama a atenção dos técnicos do TCE que o médico Edmon Gomes da Silva Filho, primeiro gestor da terceirização do Trauma e que deixou o cargo há mais de um ano, é um dos sócios da empresa. Réu em processos nos quais é acusado de golpes contra a Unimed, da qual foi presidente em Duque de Caxias e para a qual teria contratado empresas das quais era sócio ou dono, Edmon foi o primeiro superintendente da organização contratada pelo governo Ricardo Coutinho para gerir o Trauma em 2011.

 

De acordo com o relatório do TCE, foram pagos ao Centro de Cardiologia R$ 24 mil referentes ao serviço de consultoria e R$ 75 mil de fornecimento de pessoal especializado. Em 2013, a empresa recebeu da Cruz Vermelha R$ 761.403,62, conforme auditoria do tribunal. A auditoria lembra que o ex-gestor do Trauma teve os bens bloqueados pela Justiça por conta das acusações de fraudes contra a Unimed de Duque de Caxias, que fechou após o fim da sua gestão. Ele responde, também, por participação em fraudes na saúde pública no Estado do Rio Grande do Norte, a partir da Operação Assepsia, deflagrada pelo Ministério Público Estadual, e na Operação Caixa de Pandora, com denúncias de fraudes no Rio de Janeiro.

 

Pagamento superior ao contratado

 

A auditoria de 2013 do TCE constatou, ainda, outras irregularidades na execução do contrato entre a Cruz Vermelha e o governo da Paraíba. As novas descobertas alcançam, por exemplo, os contratos com as empresas MyriaDBrasil Medical ME e NTB Materiais Ltda., para prestação de serviços de revisão e manutenção preventiva e corretiva de equipamentos hospitalares no centro de imagem do hospital, com valor mensal de R$ 42 mil, de janeiro a dezembro de 2013. Entretanto, foram pagos R$ 35.189,00 a mais do que estava previsto no contrato, perfazendo um total de R$ 539.189,00.

 

O relatório destaca que o contrato incluía reposição de peças, porém o Trauma adquiriu um tubo de Raio X no valor de R$ 88.500 com recursos próprios, quando, em tese, deveria ser adquirido pela empresa terceirizada. A empresa Myriad Ltda foi constituída em julho de 2011, praticamente na mesma época da entrada da Cruz Vermelha no hospital, tendo como objeto social “atividade de reparação e manutenção de computadores periféricos, bem como de equipamentos eletrônicos de uso pessoal e doméstico”. Nos termos do objeto social, sem mu- dança de sócios de suas qualificações, passa em dezembro do mesmo ano a ter também com objeto social “gestão e administração hospitalar, gestão em manutenção de equipamentos médico-hospitalares, engenharia clínica e predial e palestras para a área médica”.

 

Os auditores, ainda no âmbito do centro da imagem do hospital, se surpreenderam com a subtração de uma bomba injetora para angiografia, com valor aproximado na ordem de R$ 40 mil. Em relação a isso, houve a abertura de inquérito administrativo e ajuizamento de ação ordinária contra as empresas Myriad e NTB, também prestadora de serviços de manutenção de equipamentos hospitalares, sediada em Recife. O contrato com a NTB foi no valor de R$ 759.469,45 em 2013, mas não houve comprovação dos serviços efetuados e o TCE solicita a devolução do dinheiro ao erário.

 

Empresas prestam o mesmo serviço

 

Na contabilidade, a auditoria apontou a contratação de três empresas pela Cruz Vermelha em 2013 para a prestação do mesmo serviço. Os gastos com escritório de contabilidade no ano passado chegaram a 389 mil. A auditoria do Tribunal de Contas solicitou emissão dos balancetes de 2013, mas não obteve êxito e nem comprovação dos serviços executados. Foi constatado que o Trauma também paga a uma outra empresa pela prestação de serviços contábeis e que, ainda em 2013, realizou pagamento de R$ 33 mil a uma terceira empresa a título de serviços contábeis. Os valores pagos estão acima dos padrões do mercado e com indícios de sobrepreço. Um dos contratos é com a empresa Sérgio Moraes Contadores Associados para a prestação de serviços profissionais de assessoria contábil e fiscal. O contrato prevê remuneração de R$ 29.970 mensais.

 

No ano passado, foram pagos R$ 389.610,00. O contrato determina que a empresa é obrigada a emitir balancetes mensais, elaborar e escriturar livros fiscais exigidos pela legislação tributária, entregar no prazo as obrigações tributárias acessórias junto ao Fisco Federal e de João Pessoa, entre outras atribuições. No entanto, a auditoria solicitou mais de uma vez a emissão dos balancetes de 2013 e os demonstrativos de encerramento do exercício financeiro, mas só recebeu os balancetes até o mês de novembro, apresentando inconsistências técnicas.

 

Além disso, a manutenção da regularidade fiscal do hospital também foi descumprida, como pode ser observada na falta de emissão negativa de débitos do Fisco Municipal de João Pessoa e da Receita Federal do Brasil, no tocante às contribuições previdenciárias. Segundo a auditoria, o Hospital de Trauma remunera uma outra empresa de prestação de serviços contábeis para feitura do setor de pessoal da organização. Neste caso, a gestão paga R$ 13 mil mensais à Advanced Assessoria Contábil e Tributária. Considerando que o contrato também prevê o pagamento de uma parcela a título de 13º salário, o valor anual pago de- veria ser de R$ 169 mil, mas foi efetivamente dispendido o valor de R$ 143 mil em 2013. Além disso, em 2013 houve o pagamento de R$ 33 mil à empresa JJ Serviços de Malote Ltda a título de serviços contábeis, sendo R$ 3 mil por mês. Não há, entretanto, qualquer prestação de serviços contábeis por parte desta empresa ao Trauma. A auditoria explicita que o custo mensal com os setores contábil, fiscal e pessoal do hospital chega a R$ 45.970,00, incluindo as três empresas, valores claramente fora de mercado e com indícios de sobre preço.

 

Em nota, Trauma nega

 

Em nota, a direção da Cruz Vermelha e do Hospital de Emergência e Trauma Senador Humberto Lucena afirmou que todas as contratações de serviços feitas para a unidade obedecem a critérios técnicos rígidos e à legislação vigente. “Por isso, refutamos com veemência todas as inconsistências e inverdades produzidas por um auditor em um relatório preliminar do Tribunal de Contas do Estado. Terminamos afirmando que todas estas ilações descabidas serão desmentidas na instância própria, com farta apresentação de provas que desfazem esta tentativa de trazer para um serviço público essencial à população a sordidez da disputa eleitoral”, diz a nota.