Quebrando o armário

Exorcismo, manipulação e ameaça de morte: a cura gay numa igreja evangélica

"Um pastor chegou a me levar a acreditar que eu havia sido abusado sexualmente para justificar a minha sexualidade"

Nascido em uma família evangélica, Bruno Aguiar, de 29 anos, se entendeu homossexual na adolescência. Com conflitos pessoais próprios da idade, ia aos cultos com a esperança de que estivesse na igreja a solução de seus problemas.  “Eu estava em uma fase bastante vulnerável emocionalmente”, conta. O que ele não imaginava é que a experiência, que durou quase três anos, lhe traria muito mais angústia que conforto. “O processo de ‘cura gay’ não tem esse nome, tem vários outros: libertação, restauração, quebra de maldição, santificação… E eles servem para oprimir e prender as pessoas na igreja. Uma ferramenta muito eficiente para que você acredite no pecado do ‘homossexualismo’ é o medo. A todo momento te lembram sobre o inferno. Você fica com medo o tempo todo. Quase ninguém está ali por amor ou algo bom”.

“Um pastor chegou a me levar a acreditar que eu havia sido abusado sexualmente para justificar a minha sexualidade”

“Processos de ‘libertação’, como o da cura gay, se alimentam da fragilidade do outro, até porque pessoas buscam igrejas, em grande maioria, em momentos de tristeza, sofrimento ou de um sentido maior pra viver. Eu só topei deixar de ficar com homens durante tanto tempo, quase três anos, porque estava em um momento muito vulnerável, e a cura gay me foi apresentada como a solução de todos os meus problemas. Um pastor chegou a me levar a acreditar que eu havia sido abusado sexualmente para justificar a minha sexualidade. Tudo mentira. Mas a estrutura de manipulação é tão eficiente que acreditei mais no pastor do que nas minhas memórias”, conta.

Isolamento e culpa

A proibição – e a condenação – dos relacionamentos homossexuais são apenas dois dos diversos pontos de controle sobre os fiéis. “Fiquei sem nenhum tipo de contato sexual, nem com homens, nem com mulheres. E a masturbação também é censurada com muita força. Tinha semanas que eu tinha polução noturna duas ou três vezes. Por duas vezes eu não consegui conter o desejo e me masturbei. Foi a pior coisa que fiz durante esse processo. A culpa que caiu sobre mim me perseguiu durante meses. Jogaram tanto peso quando contei, que eu fiquei sem dormir durante dias. Uma verdadeira tortura mental. Os líderes que conduzem a cura gay também querem que você se afaste de qualquer pessoa homossexual. Cheguei a mudar de casa por conta disso. Na época eu dividia apartamento com dois dos meus melhores amigos. E gays.”

Depois de ouvir que estava possuído por demônios, Bruno, que à época tinha pouco mais de 20 anos, chegou a namorar uma moça, também da igreja. Os dois passavam horas ao telefone e mantinham um relacionamento ‘santo’, dentro dos preceitos da congregação: sem nenhum contato sexual e sequer beijo de língua, “apenas ‘selinhos'”.

“Com o passar do tempo você percebe que a cura não existe e para de esperar um milagre” (Foto: Arquivo Pessoal/Instagram)

O preço da cura

Além de ser obrigado a fazer uma lista com os nomes de todos os homens com quem tinha se relacionado, Bruno foi “desafiado” pelo bispo a fazer uma oferta de R$ 2 mil reais para que ‘para que Deus destrancasse todas as bênçãos em sua vida’. Sem ter o dinheiro, ele fez um empréstimo. “Com o passar do tempo você percebe que a cura não existe e para de esperar um milagre. Neste momento, seus líderes dizem que o seu caso não é de cura, mas de provação. É como se Deus estivesse testando se você ama mais Jesus ou os seus desejos carnais”, relata ele, que chegou a coordenar um grupo de cura gay na igreja, a Comunidade das Nações, em Brasília, e liderar um grupo de dez jovens.

“Se você sair da igreja, Deus manda te dizer que a próxima vez que eu te verei será no seu enterro”

“Quando o bispo descobriu que eu estava entregando os cargos da igreja, ele me chamou no seu gabinete. Somente eu e ele. Ele me olhou nos olhos e disse: ‘Se você sair da igreja, Deus manda te dizer que a próxima vez que eu te verei será no seu enterro’. Eu senti meu corpo paralisar”, lembra Bruno, que parou de frequentar os cultos e começou a terapia, há seis anos. “Hoje consigo entender melhor tudo o que aconteceu. Passei um tempo me condenando por ter feito isso comigo, por ter me permitido ser tão manipulado. Hoje vejo tudo como um grande aprendizado e a chance de ajudar pessoas que passaram e passam pelo mesmo”, conta ele, que está escrevendo um livro sobre manipulação religiosa. “Não é fácil lidar com esse tipo de manipulação psicológica e com a dor que ela causa. Expor minha experiência no Twitter (que foi lida e curtida por mais de 25 mil pessoas) fez com que eu conhecesse muitas histórias que também merecem atenção.”

Fonte: Uol
Créditos: Uol