Feriadão: carestia e decepção

Rubens Nóbrega

– Avia, homem de Deus! Desse jeito, a gente perde o ônibus…

Pela pressa e tom da mulher, Tenório pressentiu ainda dentro do banheiro que ia dar m… O cara ali, fazendo a maior força, dando tudo de si, como diz jogador de futebol, e a mulher naquela pressão. Pode?

Ele não tinha como apressar coisa alguma. Fazer ligeiro, como queria a patroa, só com a natureza ajudando. Sem isso, adeus feriadão tão aguardado naquele hotel do litoral norte de Alagoas. Paciência, mulher. Sem descomer, viajar, nem a pau.

Tenório é assim. Dois quilômetros além do perímetro urbano e logo lhe bate uma tremenda inibição fisiológica. Saindo pr’um feriadão, então, é como ser condenado à prisão de ventre perpétua. É um suplício.

Mas o amor é lindo e vale qualquer sacrifício. A natureza ajudou, ele concluiu a obra e deu pra embarcar na hora, rumo ao paraíso alagoano em dez vezes, sem juros. Apesar de parcelamento tão extenso, era caríssimo pra ele. Mesmo com as diárias correndo por conta do clube de viagens que pagava todo mês para ter direito a hospedagem bem mais em conta.

O único problema é o sistema de reserva do clube. Tem que ser feita com muita antecedência, de meses até. E, quando o ‘sócio’ chega ao hotel, não raro se decepciona com serviços e acomodações meia boca, tipo apartamento bem afastado do lobby, precariamente conservado ou menos apetrechado de comodidades e conforto.

Num hotel grande e horizontalmente espalhado como aquele de Maragogi, no mínimo colocam o sujeito no extremo norte ou extremo sul. E, mesmo sendo beira de praia, não se espante se a varanda do apartamento (se houver) for de frente pro oeste.

Com Tenório não foi diferente. “Não tinha como não ser. Sou flechado mesmo”, pensou, assim que sentiu nas narinas e pulmões a barrufada de mofo que lhe pegou de cheio quando o carregador das malas abriu a porta do apartamento.

Ainda bem que a patroa estava achando tudo lindo e maravilhoso. Também pudera! Até o ônibus da agência de turismo em que viajaram ela elogiou. Candidatíssimo ao Lata Velha do Luciano Huck, o bicho gemeu e rangeu por seis horas e dez congestionamentos na estrada para alcançar o destino.

“E esse cheiro de mijo, hem? E esse ar condicionado que mais parece aquecedor?”, questionou Tenório durante o percurso, sendo imediatamente repreendido pela mulher. “Pare de reclamar, homem de Deus! Deixe de ser tão negativo”, disse ela, emudecendo automaticamente o marido resmungão.

Pois bem, no quarto do hotel, depois de dar dois reais de gorjeta ao boy e fechar a porta, Tenório tratou de ligar a tevê pra ver se ainda estava passando o jogo do seu time. Mas, cadê ligar? Mexe pra cá, mexe pra lá… Nada! “Liga pra recepção, chama alguém”, sugeriu a patroa. Ligou.

Meia hora depois, apareceu uma moça com jeito de camareira, que pegou o controle remoto, apertou todos os botões e, sem nada alterar na tela, resolveu abriu o compartimento das pilhas. Não tinha. “Vou buscar. Trago já”, prometeu a funcionária. Voltaria em quarenta minutos, anunciando que as pilhas eram usadas, mas “praticamente novas”. Botou, testou, funcionou.

Tevê ligada, enfim, Tenório zapeou, zapeou e não achou o jogo. Ligou para a recepção. O moço que atendeu explicou: “Nesse apartamento aí, Doutor, o combo é o básico. Jogo, só quando a tevê aberta transmite”. O hóspede perguntou se não daria para mudar de apartamento. Não. Hotel lotado, super lotado. Além disso…

Temos um apartamento vago, Doutor, mas está reservado, embora o hóspede não tenha aparecido até agora. O problema é que esse tipo de apartamento é pra quem tem o plano superior, Doutor – esclareceu o funcionário do hotel.

– Quer dizer que o meu é inferior, é? – reagiu Tenório, sem conter a irritação.

– Não, inferior não, Doutor. O seu plano é o executivo – informou o rapaz.

Tenório perdeu de assistir ao jogo, soube depois que perdeu o jogo e, de vez, o pouco de humor que havia guardado para gastar com a patroa nos dois longos dias que ainda lhes restavam no hotel. Mas ainda bem que ela continuava achando tudo lindo e maravilhoso. Não fez restrições sequer à posição do apartamento, de costas pro mar.

– Ah, Tenório, pense como deve ser lindo o pôr do sol daqui dessa varanda. Ô, homem de Deus, deixe de ser tão negativo. Eu, hem? Vôte como tu é! – disse a mulher.

Ainda bem, também, que ele havia comprado por fora o pacote ‘tudo incluído’ do hotel. Comeria de tudo do bom e do melhor e tomaria todas do Red Label de sua preferência. Qual o quê?… Outra decepção. Das grandes.

Durante toda a estadia, só conseguiu uma dose do seu uísque predileto. O ‘all inclusive’ do hotel incluía, basicamente, oito anos de segunda linha e cerveja de quinta. E a comida, pra vocês terem uma idéia, deu saudade em Tenório dos aniversários de K-Suco com bolacha regalia que costumava freqüentar de penetra na adolescência.

Ainda bem que os meninos não vieram. Se tivessem vindo, o apê seria um triplo, com cama extra, extra orçamento. Além disso, não ficaria à vontade com a patroa…

Pensando nisso, na noite de estréia no hotel, Tenório moderou nos bebes, acumulou energia e, no retorno ao quarto após o jantar, chegou chegando na patroa. Qual o quê! Outra decepção. Essa, talvez a maior de todas. Vejam só como ela reagiu:

– Ei, aquiete o facho! A viagem foi longa, tô cansada demais, com muita dor de cabeça e aquele risoto não me caiu bem. E não me fique com essa cara, viu? Deixe de ser tão negativo, homem de Deus – repetiu a mulher, já se dirigindo ao banheiro, onde passaria tempo suficiente aguardando que o marido começasse a roncar.

Mas, enquanto não adormeceu, Tenório, o negativo, ficou refletindo sobre os últimos acontecimentos, as perspectivas para os dias seguintes e concluiu: aquele feriadão, além de lhe sair muito caro, estava fadado a ser a mais completa negação.