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TCU suspeita de contrato milionário antes de votação na Câmara de denúncia contra Temer

Ministério das Cidades alegou que “o simples fato da contratação de obras não acarreta o desembolso imediato de recursos financeiros”

Um contrato de R$ 300 milhões do governo federal, anunciado três dias antes da votação pela Câmara dos Deputados da primeira denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o presidente Michel Temer (PMDB) no ano passado, está no radar de auditores do Tribunal de Contas da União (TCU) por suspeita de desrespeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal. O GLOBO teve acesso à auditoria do tribunal que aponta suspeitas de irregularidades na liberação de verbas do governo federal às vésperas da votação que livrou o presidente de responder a processo por corrupção na Justiça e se afastar do cargo.

No dia 31 de julho de 2017, o então ministro das Cidades Bruno Araújo (PSDB) anunciou em Salvador o contrato para a segunda fase das obras do sistema de Bus Rapid Transit (BRT) da capital baiana e assinou um compromisso de repasse de R$ 300 milhões, parte via FGTS e parte via Orçamento Geral da União. O prefeito de Salvador e presidente do DEM, ACM Neto, também esteve no anúncio. A sigla é uma das principais da base aliada do governo Temer, e 23 deputados de sua bancada de 30 votaram para livrar o presidente da primeira denúncia na Câmara no dia 2 de agosto do ano passado.

Para os auditores do TCU, a liberação dos recursos desrespeitou a Lei de Responsabilidade Fiscal, pois a proposta foi assinada em meio a vários cortes na pasta e sem a conclusão de outros projetos em andamento.

Em janeiro de 2017, o governo anunciou um total de R$ 10,4 bilhões para obras do PAC (Programa de Aceleração de Crescimento), no âmbito do Ministério das Cidades, entre as quais, estava o BRT de Salvador. Mas, ao longo do ano, para cumprir a meta fiscal, o Ministério do Planejamento anunciou dois cortes, no valor de mais de R$ 6 bilhões, nas verbas dos programas do Ministério das Cidades, que foram reduzidas a R$ 4 bilhões, 32% da estimativa inicial. Além disso, segundo os auditores, no ano anterior o ministério, durante a auditoria do Fiscobrás, o plano de fiscalização anual do TCU, informou que sofrera cortes que inviabilizariam os compromissos na área de saneamento.

INFRAÇÃO ÀS NORMAS

Foi nesse cenário de aperto que o Ministério das Cidades firmou o contrato para repassar os recursos para o BRT de Salvador. “Há, portanto, alta probabilidade da existência de grave infração à norma de finanças públicas voltada para a responsabilidade na gestão fiscal, haja vista que o Ministério das Cidades está firmando novos compromissos para repasse de recursos federais, mesmo num quadro de severas restrições orçamentárias e financeiras, e sem que os recursos destinados a empreendimentos em andamento estejam assegurados”, afirma trecho da auditoria instaurada. Para os auditores do TCU, como a legislação prevê que, diante do corte de gastos, seja dada prioridade a obras em andamento e emergenciais, o Ministério das Cidades não poderia ter assinado novos contratos antes de concluir os que já vinham sendo executados.

Tanto Bruno Araújo quanto o ministério afirmaram, por meio de nota, que não houve desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal no anúncio dos aportes para a obra porque, segundo eles, as tratativas para o contrato já vinham sendo feitas há anos.

Questionado sobre a coincidência entre a data da assinatura do contrato e a votação da denúncia contra Temer, a assessoria de ACM Neto, também por meio de nota, repudiou “qualquer ilação sobre suposta irregularidade na assinatura do repasse de R$ 300 milhões” para o BRT.

JULGAMENTO SEM DATA

A prefeitura de Salvador disse que recebeu o comunicado da Caixa sobre a liberação de recurso cerca de 40 dias antes da assinatura do contrato e que a assinatura foi feita em 31 de julho “em função da necessidade de documentação necessária e comum em qualquer processo de empréstimo junto à CEF”.

Ao TCU, quando questionado sobre o contrato no ano passado, o Ministério das Cidades alegou que “o simples fato da contratação de obras não acarreta o desembolso imediato de recursos financeiros”. O ministério argumentou também que conseguira recursos do FGTS destinados especificamente a esse projeto.

Apesar de negar as irregularidades, diante da cobrança do TCU, o Ministério das Cidades, na gestão do ministro Alexandre Baldy (PP), baixou uma portaria, em 29 de dezembro do ano passado, para regulamentar os processos de contratação e execução dos projetos. O objetivo da portaria foi deixar claro que, como as obras de infraestrutura da pasta demoram a serem executadas, os valores gastos a cada ano são apenas uma parcela do valor total dos contratos. O julgamento do caso pelo TCU ainda não tem data.

Fonte: O Globo
Créditos: MATEUS COUTINHO