'um liberal progressista'

Suspenso do PSB, 1º deputado federal cego desafia fidelidade partidária

Felipe Rigoni, eleito pelo Espírito Santo - Chico Ferreira

“Um liberal progressista”. Assim se define o deputado federal Felipe Rigoni (PSB-ES), o primeiro parlamentar federal cego da história do Brasil.

Um político de centro e que se diz atento às vulnerabilidades da população brasileira, ele equilibra o aspecto liberal do mestrado em Oxford, na Inglaterra, com a pauta que se tornou central na sua vida quando se percebeu deficiente visual: promover a igualdade de oportunidades. “Responsabilidade fiscal com sensibilidade social”, diz. Só assim, segundo ele, é possível custear políticas públicas e manter as contas do país “minimamente” equilibradas —o que Rigoni diz não acontecer hoje em dia.

A identificação com a deputada se tornou palpável durante a votação da reforma da Previdência. Mesmo fazendo parte de partidos que fecharam questão contra a proposta, Rigoni e Amaral votaram com o governo, se somando aos outros 368 que aprovaram a reforma.

Nos dois casos, as siglas se alinham à oposição ao governo Bolsonaro e viram as adesões como desrespeito à orientação partidária.

O desrespeito à decisão rendeu a Rigoni um ano de suspensão das atividades partidárias. Ele considera a decisão da direção do PSB autoritária e injusta, mas diz que não hesitou, mesmo sob ameaça de punição, em manter seu voto. “Meu voto foi baseado em muita evidência. Eu sei um número sobre cada linha da Previdência”, diz.

Briga na Justiça

Fora das janelas de trocas partidárias, a alternativa que encontrou para seguir representando os capixabas que o elegeram foi entrar na Justiça para pedir filiação a uma nova sigla.

A tese defendida por sua defesa é que o PSB está discriminando os parlamentares pessoalmente. O partido fechou questão em duas situações recentes: na reforma trabalhista, durante o governo Temer, e agora, na Previdência. Durante a votação das alterações nas leis trabalhistas, também houve dissidentes, mas estes não foram punidos.

Desta vez, nove deputados estão suspensos, e Átila Lira, eleito pelo Piauí, foi expulso por reincidência. “Diante do fato de que existe um tratamento completamente incoerente entre as duas votações, a gente percebe que tem um negócio pessoal conosco, então pediremos o mandato”, afirma Rigoni.

Durante os seminários da sigla sobre a Previdência, o deputado se queixa de nunca ter conseguido emplacar um nome que fosse favorável à proposta. De acordo com ele, em um almoço no congresso realizado na Fundação João Mangabeira, vinculada ao PSB, o presidente do partido, Carlos Siqueira, teria demonstrado apenas interesse político sobre o tema.

“Eu vou te contar uma coisa. No dia do seminário o Carlos Siqueira falou para gente o seguinte: “A gente tem que votar contra a reforma da Previdência porque a gente não pode fazer esse governo dar certo”. Ou seja, ele não tá nem aí pro dado, para realidade da Previdência brasileira”

A decisão de votar a favor da reforma veio de um dos movimentos políticos do qual é líder, o Acredito. Conhecido por seguir uma linha liberal-progressista, a corrente se declara como contrária às polarizações e diz combater as desigualdades.

Entre as decisões partidárias e as orientações do Acredito, Rigoni opta pela segunda opção. Sua escolha por se filiar no PSB, em fevereiro de 2018, se deu porque o partido foi um dos cinco a assinar uma carta com o movimento, contendo compromissos da sigla com os parlamentares associados à corrente que se elegessem em 2018.

Felipe Rigoni foi eleito com 84,4 mil votos - Reprodução
Felipe Rigoni foi eleito com 84,4 mil votos

Imagem: Reprodução

A carta, assinada por Carlos Siqueira e líderes regionais do Acredito, indica que o PSB se comprometia a respeitar as “autonomias políticas e de funcionamento do Acredito, bem como a identidade do movimento e de seus representantes”.

UOL contatou o PSB e a assessoria do presidente do partido, Carlos Siqueira, mas não obteve resposta até a publicação da reportagem.

A punição aplicada aos membros do PSB tem como objetivo retirar parte das indicações partidárias para as relatorias e comissões. No caso de Rigoni, ele ficou somente com duas das 40 relatorias que acumulava. De 12 comissões de que participava, hoje faz parte de apenas uma.

Entre as relatorias que manteve, está a da PEC 438, proposta de emenda constitucional que pretende regulamentar a regra do ouro e se tornou uma das principais pautas do governo Bolsonaro. A proposta diz que toda vez que a regra de ouro for quebrada, isto é, sempre que o governo fizer um empréstimo que não tiver como objetivo investir, mas custear a máquina pública, uma série de gatilhos serão acionados, como por exemplo o congelamento de despesas fixas da União.

Embates com o governo

Apesar de estar ao lado do governo para a aprovação da PEC, o deputado já teve embate com a equipe econômica de Bolsonaro. O Ministério da Economia estudava congelar o salário mínimo, ou seja, não corrigi-lo de acordo com a inflação e adicionar a medida à proposta de que Rigoni é relator.

Quando foi anunciada, a medida causou desconforto e prejudicou a imagem do deputado. Somente depois de um pronunciamento por meio de sua conta no Twitter, pode esclarecer que não era o autor da proposta nem mesmo apoiava a inclusão do novo gatilho.

Apesar de ser contra uma das medidas propostas por Bolsonaro, Rigoni garante que isso não foi suficiente para desgastar sua relação com o governo. De acordo com ele, o grupo formado por técnicos do Ministério da Economia, parlamentares e especialistas entendeu sem dificuldade que “o congelamento do salário mínimo causaria um custo social e político muito grande”.

Eu só não concordo com a ideia de congelar tudo, para sempre. Essa era a ideia inicial do ministro Paulo Guedes. Era fazer uma desindexação completa e permanente. Não acredito que o nosso país esteja em um momento de fazer isso, até porque tem muita gente sofrendo. Ia ser complicado para o Parlamento bancar uma dessas”

Mesmo ao lado do governo na PEC 438 e com o voto a favor da reforma da Previdência, Rigoni não se considera da base governista. “Não sou situação nem oposição.” Diz querer “fazer o Brasil dar certo”, mesmo que para isso tenha de se filiar a partidos de esquerda e votar com governos de direita.

É defensor do uso da ciência para subsidiar políticas públicas. Questionado sobre a rejeição do governo em relação às evidências científicas, o deputado pondera. “É triste, sendo muito gentil.”

Eu costumo dizer que o governo tem quatro cavaleiros do apocalipse: a educação, os direitos humanos, o meio ambiente e as relações internacionais. Nestas pastas, parece que as evidências fugiram em boa parte. Pegam um exemplo isolado e dizem que é aquilo que tem que acontecer. Aí quando você pega as evidências consolidadas, vê que não é aquilo que eles disseram”

“A deficiência é importante, mas a pobreza é ainda mais”

O primeiro confronto com o governo veio nos primeiros meses de mandato. O deputado foi um dos primeiros a questionar as políticas do ex-ministro da Educação Ricardo Vélez, o que gerou aplausos dos colegas da Comissão de Educação da Câmara. Rigoni conta que a educação, uma de suas pautas prioritárias, lhe permitiu lidar com “otimismo” com a deficiência visual e, assim, se debruçar nos estudos, iniciar carreira política e se tornar deputado federal.

Capixaba, Rigoni ficou cego aos 15 anos, devido uma inflação ocular - Ester Sabino
Capixaba, Rigoni ficou cego aos 15 anos, devido uma inflação ocular

Imagem: Ester Sabino

As pessoas com deficiência têm, portanto, espaço cativo em seu mandato. Na Comissão de Educação da Câmara, dá preferência às relatorias que tenham relação com educação especial. No último dia 23, esta comissão aprovou um texto apresentado pelo deputado, em substituição ao projeto de lei 9582/18, que determina que 50% das cotas para pessoas deficientes sejam direcionadas àqueles que estudaram em escolas públicas.

“A deficiência é importante, mas, às vezes, a pobreza é ainda mais”, diz Rigoni.

Foi durante a adolescência que ele se percebeu cego. Depois de 17 cirurgias e 9 anos de tratamento, um colega de classe o alertou que ele havia escrito três vezes na mesma linha do caderno. Naquele momento, diz o deputado, entendeu que era hora de assumir que tinha ficado cego.

Foi um período duro, muito duro. Eu estava fazendo 15 anos de idade e não conseguia entender por que aquilo estava acontecendo comigo. Eu vivia em um mundo em que ficava imaginando como seriam as coisas se eu não tivesse ficado cego”

A virada veio quando o pai lembrou que ele ainda tinha uma escolha: não poderia mudar a realidade imposta a ele, mas a atitude que teria em relação a ela. “Depois disso, eu decidi que iria mudar”, conta. O passo seguinte foi o vestibular: formou-se em engenharia de produção na Ufop (Universidade Federal de Ouro Preto), em Minas Gerais. A vontade de seguir na política veio durante os anos de graduação.

Deputado mais votado do Espírito Santo, ele quer que o Brasil alcance um lugar entre os dez melhores no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). A ambição individual, no entanto, é outra: no futuro, quer ser eleito presidente.

Fonte: UOL
Créditos: Victória Damasceno