VESTINDO UMA FARDA militar repleta de medalhas de condecorações, um deputado bolsonarista subiu ao púlpito para oferecer um freela para assassinos: R$ 10 mil em troca da morte de um suspeito de ter assassinado uma mulher naquela mesma manhã, na região metropolitana de Vitória, Espírito Santo. Estava ali um representante do povo, na casa do povo, requisitando os serviços de um matador de aluguel. Um homem com carreira militar, condicionado a cumprir e a fazer cumprir as leis, estava ali, na casa onde se fazem leis, procurando um parceiro para a co-autoria de um crime. Poderia ser uma cena de comédia surrealista, mas é só mais um episódio corriqueiro no Brasil bolsonarista, o Brasil miliciano do PSL.

Capitão Assumção é o nome do contratante que encomendou um assassinato no plenário da Assembléia Legislativa do Espírito Santo. No Brasil miliciano, o capitão se sentiu protegido pelo zeitgeist para incitar um crime com transmissão ao vivo pela TV da Assembleia: “Quero ver quem vai correr atrás pra prender esse vagabundo. [Dou] R$ 10 mil aqui do meu bolso pra quem mandar matar esse vagabundo, isso não merece tá vivo, não. Eu tiro do meu bolso quem matar esse vagabundo aí.”

São tempos em que o óbvio deve ser repetido à exaustão. A polícia deve investigar o caso, descobrir o assassino, oferecer-lhe um julgamento justo e condená-lo de acordo com as penas previstas em lei. No Brasil miliciano, esse processo legal é encarado como “peninha de bandido”. Afinal de contas, “bandido bom é bandido morto”, e a pena de morte, que não está prevista na Constituição, é pregada com tranquilidade por muitos políticos do PSL. O cumprimento da lei virou uma frescura de esquerdistas. Sabe como é, as vias democráticas estão sempre atrasando o bom andamento do país, como diria Carluxo.

Após fazer a encomenda do assassinato, o deputado Assumção explicitou algumas cláusulas importantes do contrato: “Não vale dar onde ele está localizado, não, tem que entregar o cara morto, aí eu pago”. O valor combinado só será pago mediante a apresentação do cadáver.

Mas o capitão é um homem muito justo e gosta das coisas certinhas. Ele ressalta que não aceitará qualquer outro corpo que não seja o do assassino de Maiara. “Se esse miserável for encontrado morto e a gente tiver certeza que esse desgraçado é o cara que matou a jovem eu vou lá e pago com a maior boa vontade, não quero nem saber”. O homicida contratado não receberá pelo serviço se matar um inocente. Até o tribunal paralelo de Assumção tem seus princípios. Milícia não é bagunça.

Procurado para falar sobre o atentado ao estado de direito que protagonizou em plenário, o capitão disse não estar arrependido e que faria apenas um reparo: “aumentaria a proposta”. Apoiado nas redes sociais pela militância bolsonarista, Assumção garante que vai continuar incitando crimes na Assembleia: “Esse não vai ser o meu último pronunciamento nesse sentido. Não foi o primeiro e nem será o último. As consequências podem até vir, mas eu estou representando o capixaba indignado com a falta de proteção do cidadão brasileiro.”

Vivemos uma era de consolidação das táticas de milícia como método de ação dos agentes públicos.

O capitão considera legítimo e moralmente correto usar seu mandato para divulgar a contratação de um assassino para matar um suspeito sem uma investigação legal prévia. É a lógica de milícia mais uma vez sendo encarnada na vida política brasileira. Quem se organiza para fazer papel de polícia fora dos meios legais é miliciano. Capitão Assumção foi um miliciano ali no púlpito.

Vivemos uma era de consolidação das táticas de milícia como método de ação dos agentes públicos. Não que antes não as houvesse, mas agora elas ganharam a legitimação moral do presidente da República. Foram levadas a um outro patamar e receberam um certo verniz de oficialidade. Afinal de contas, tal qual Assumção, temos um presidente que ascendeu na política pregando crimes abertamente: o fuzilamento de adversários políticos, a sonegação de impostos e a agressão física contra homossexuais.

Assumção construiu uma carreira na polícia marcada pela indisciplina, um traço inaceitável para um militar. Em fevereiro de 2017, foi um dos principais líderes da greve ilegal da PM capixaba, que resultou em um dos meses mais violentos da história do estado, tendo registrado 219 assassinatos, além de uma onda de saques, arrombamentos e roubos. Ficou dez meses preso por incitar a greve. O capitão já tinha sido político antes da prisão. Antes de se filiar ao PSL e abraçar com força a extrema direita, Assumção era um político fisiológico, adepto da mesma velha política que hoje critica. Teve passagem pelo PSB, PRB, PROS e Solidariedade.

A trajetória de Assumção é muito parecida com a de Bolsonaro: um capitão preso por insubordinação que virou um político fisiológico e mais tarde passou pisar com força o acelerador do extremismo de direita. No Facebook, Assumção revela os seus dois livros favoritos: a bíblia e a “Verdade sufocada” do coronel Ustra, o maior torturador do regime militar — a mesma obra de cabeceira de Jair Bolsonaro. Não é difícil imaginar a quantidade de bolsonaros e assunções espalhados pelas câmaras e assembleias do Brasil.

O Brasil vive sob um governo que tem ligações de carne e unha com as milícias brasileiras (você também pode chamar de máfias ou quadrilhas criminosas). A família Bolsonaro é amiga de milicianos, contratou parentes de milicianos e homenageou milicianos durante os mandatos de seus integrantes. Hoje, um deputado estadual incita o assassinato de um suspeito, e o atual presidente da República não teria moral para repreendê-lo nem se quisesse. Depois de nove meses de bolsonarismo no poder, já está claro que nossos padrões democráticos foram rebaixados rapidamente. As nossas instituições, deterioradas, parecem não ter força para impedir o estabelecimento desse milicianismo que se impregnou na democracia. E é só o começo. Os democratas têm um duro caminho pela frente.