Avanço ou retrocesso?

Bolsonaro decidirá sobre mudança polêmica nas medidas protetivas para mulheres

De acordo com o Projeto de Lei da Câmara 4 de 2018, aprovado pelos senadores na última terça-feira (9), o agressor será afastado imediatamente do lar, por decisão do delegado de polícia, quando o município não for sede de uma comarca jurídica.

Está nas mãos do presidente Jair Bolsonaro sancionar ou não um projeto de lei que muda a Lei Maria da Penha para permitir a delegados determinarem o afastamento do agressor do lar, um tipo de medida protetiva.

Apesar de defendida pela bancada feminina, a alteração gera controvérsia entre juristas e já foi vetada pelo então presidente Michel Temer, em 2017, por ser considerada inconstitucional.

De acordo com o Projeto de Lei da Câmara 4 de 2018, aprovado pelos senadores na última terça-feira (9), o agressor será afastado imediatamente do lar, por decisão do delegado de polícia, quando o município não for sede de uma comarca jurídica, nos casos de risco de vida ou de agressão à mulher em situação de violência doméstica ou a seus dependentes.

O texto também prevê que tal medida poderá ser determinada por um policial, quando não houver delegado disponível no momento da denúncia. Hoje esse tipo de decisão é só do juiz, em até 48 horas após receber o pedido da vítima ou do Ministério Público.

Defensores da mudança argumentam que ela ajudará na proteção das mulheres, porque atualmente há uma demora na concessão desses pedidos.

Especialistas contra a alteração, por sua vez, sustentam que ela é inconstitucional porque viola as atribuições do Executivo e do Judiciário. Outras críticas destacam a debilidade das delegacias, incluindo a violência institucional por parte dos policiais, e alertam para o risco de estimular o silenciamento desse tipo de crime.

No Senado, o projeto de lei foi relatado pela senadora Juíza Selma (PSL-MT) e teve apoio de outras parlamentares. No plenário, Eliziane Gama (Cidadania-MA) disse que era necessário buscar “uma alternativa legal para que realmente nós possamos diminuir os casos de violência no Brasil” e criticou falhas na estrutura técnica da legislação atual.

Relatora do projeto na Comissão de Direitos Humanos, Leila Barros (PSB-DF) disse que a mudança é para “todas mulheres do País que esperavam muito uma resposta desta Casa”.

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O Brasil é o quinto país no ranking mundial de feminicídio, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas pra os Direitos Humanos (ACNUDH).

Entre as brasileiras acima dos 16 anos, 27,4% sofreram algum tipo de violência, segundo pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, realizada pelo Instituto DataFolha no início de 2019. O levantamento revelou, ainda, que 8 em cada 10 mulheres foram agredidas por algum conhecido. Namorados, companheiros ou maridos representam 23,9% dos casos e ex-namorados e ex-companheiros, 15,2%.

Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os processos de feminicídio que tramitam nos tribunais de Justiça do país vêm aumentando. Em 2018, o salto foi de 34% em relação a 2016, passando de 3.339 casos para 4.461.

 

Mas por que é polêmico que delegados concedam medidas protetivas?

Quem é contrário à decisão argumenta que, além de a alteração na Lei Maria da Penha ser considerada inconstitucional – porque cabe ao Judiciário e não à autoridade policial a concessão de medidas protetivas -, a mudança seria um paliativo para falhas atuais no sistema de proteção à vítima de violência doméstica.

″[A mudança] admite de forma cabal que a Lei Maria da Penha está sendo, em grande parte, descumprida pelo sistema policial. E, tanto pior, o projeto de lei afronta o Poder Judiciário de nosso país”, diz nota publicada pelo Movimento do Ministério Público Democrático em 2017, antes do então presidente Temer vetar proposta similar.

De acordo com a nota, medidas protetivas deixam de ser encaminhadas pelas delegacias no prazo legal à autoridade judiciária ou são encaminhadas com dados precários, o que dificulta a aplicação.

O texto ressalta também a “violência institucional recorrente nas delegacias de polícia”, que justificaria não ampliar as atribuições da autoridade policial. Segundo o Movimento, a alteração dá a falsa impressão de que as mulheres teriam de necessariamente pedir a medida protetiva na delegacia, o que pode desestimular denúncias, já que “uma das marcas que acompanham as mulheres em situação de violência doméstica é justamente a difícil decisão em denunciar o agressor”.

O mesmo entendimento é compartilhado pelo Consórcio Nacional de Organizações que elaborou o anteprojeto de lei Maria da Penha (Cepia, Cfemea, Cladem e Themis), além de organizações feministas, de mulheres e de direitos humanos, bem como o Conselho Nacional de Procuradores Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG), o Forum Nacional de Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Fonavid), a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP) e o Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais (Condege).

Presidente do Movimento do Ministério Público Democrático e promotora do Ministério Público de São Paulo, Fabíola Sucasas alerta que a alteração proposta pelo projeto de lei aprovado nesta semana é ainda mais grave porque estende a atribuição aos policiais, inclusive militares.

“Eu fico imaginando a polícia chegando na periferia e tirando o agressor de lá, enquanto seus amigos traficantes ficam e pressionam a mulher a desistir [da denúncia]. É tão complexo isso. Um grande risco para que o silêncio seja ainda maior”, afirmou ao HuffPost Brasil.

A especialista admite que entende os motivos de quem defende a mudança e que “isso parece muito sedutor”, mas destaca que um policial não tem as mesmas obrigações de um juiz, como o compromisso com o contraditório (ouvir o outro lado) e com o encaminhamento da mulher para a rede de atendimento.

 

O que dizem os defensores da mudança

Defensores da alteração legal, por outro lado, acreditam que ela será a solução para frustrações com o cenário atual. “Você intima os dois e, no caminho do fórum, o cara dá uma surra na mulher, quebra o braço dela. Quando chegou na hora da audiência, só compareceu ele. Ela não compareceu. E eu pensei: ela deve ter desistido do processo. Não, ela estava hospitalizada. É assim que acontece”, contou no plenário do Senado a relatora do PLC, Juíza Selma.

Não é justo que nós pensemos que uma mulher que acabou de ser agredida pelo marido, pelo companheiro, pelo filho, tenha que ficar sob o mesmo teto, sob o jugo, sob a ameaça desse homem porque não há juiz próximo Senadora Juíza Selma (PSL-MT)

De acordo com a parlamentar, há sedes de comarcas que só são acessíveis por avião. “Não é justo que nós pensemos que uma mulher que acabou de ser agredida pelo marido, pelo companheiro, pelo filho, tenha que ficar sob o mesmo teto, sob o jugo, sob a ameaça desse homem porque não há juiz próximo”, completou.

A criminalista Fabiana Marques, integrante do Movimento da Mulher Advogada, ressalta que o prazo de 48 horas para o juiz conceder a proteção é descumprido.

“Na prática isso não acontece. Acaba tendo um tempo maior entre a chegada do inquérito no juiz responsável e a medida ser implementada efetivamente. Eu sou a favor porque, nesses casos de urgência, a mulher não pode aguardar esse tempo”, afirmou à reportagem.

A especialista lembra ainda que, por ser uma decisão judicial, o réu tem de ser comunicado, o que pode levar “de dias a meses”.

“O agressor pode fugir ou cometer outras agressões a essa vítima até ser intimado”, afirmou. “Olhando só para vítima, é óbvio que e mais benéfico [alterar a lei]”, completou.

Quanto ao questionamento sobre a constitucionalidade, Marques afirmou que a Constituição “não exigiu prévia decisão judicial para a adoção dessas providências” e que o delegado já tem poderes similares, como prisão em flagrante, liberdade provisória com fiança e apreensão de bens, dentre outras.

Fonte: Huffpost Brasil
Créditos: Huffpost Brasil