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Impune, diplomata brasileiro agressor de mulheres faz mais uma vítima - VEJA VÍDEO

Atualmente, Bianca tem um dente provisório colado à gengiva, por não ter condições de pagar por um implante.

Sempre que Bianca*, 22 anos, esboça um sorriso, seus dedos correm para tapar a boca. Há mais de 1 ano, ela perdeu o dente da frente ao ser espancada pelo então namorado, o diplomata e primeiro-secretário do Ministério das Relações Exteriores (MRE) Renato de Ávila Viana, 41 anos, de acordo com ocorrência registrada na Delegacia da Mulher. “Ele estragou o meu riso”, diz.

Atualmente, Bianca tem um dente provisório colado à gengiva, por não ter condições de pagar por um implante. O tratamento ortodôntico custa R$ 56 mil, pois houve entortamento da mordida e outros danos. Ela luta na Justiça, desde janeiro de 2017, para que Renato Viana arque com as despesas.
Morder uma fruta, fazer a higiene bucal e até beijar o novo companheiro se tornaram momentos de tensão. Bianca também carrega consigo uma dentadura, caso o dente improvisado caia. “Quantas garotas de 22 anos andam com um dente reserva na bolsa?”, questiona a professora, moradora de Brasília. Ela desenvolveu depressão, ansiedade e gastrite nos últimos meses.

Em 18 de novembro de 2016, Bianca e Viana brigaram em um motel de Brasília. Eles conversavam sobre a possibilidade de reatar a relação – marcada por abusos e ocorrências policiais. Ela relata ter se recusado a voltar, então ele a agrediu com chutes e uma cabeçada na boca. Funcionários do motel constam como testemunhas no processo, que corre na Justiça.

Relação conturbada
Não foi a primeira – nem a última – vez que Bianca registrou uma ocorrência contra o diplomata. Em outra ocasião, ele a agarrou pelos seios, deixando-os roxos, e causou diversos hematomas nos braços, pernas e pescoço da vítima, como mostra o laudo do Instituto Médico Legal incluído em mais uma ação pela qual o homem responde judicialmente. O crime ocorreu dentro do apartamento funcional ocupado pelo servidor, na Asa Norte.

“Na ocasião, o denunciado desferiu um tapa no rosto da vítima; puxou os cabelos dela. Por fim, rasgou a roupa da vítima e apertou seus seios com muita força, causando-lhe as lesões descritas no laudo”, informa o processo.
Durante o interrogatório judicial, Renato Viana negou as acusações, mas afirmou ter precisado conter Bianca para se defender das agressões físicas, supostamente iniciadas por ela. O juiz, porém, contestou a versão do réu:

“Mesmo que o acusado tivesse agido em defesa própria para se defender de uma eventual tentativa de agressão desferida durante a contenda, sua reação seria desproporcional e ultrapassaria a conduta permitida pela lei, já que não teria utilizado os meios necessários para repelir a injusta agressão”, escreveu o magistrado.

“Não é crime acreditar no amor. Criminoso é bater em alguém. Sempre critiquei mulheres que ficavam com os caras depois de apanhar, até que aconteceu comigo. É impossível explicar o dano mental do abuso” Bianca

Em janeiro de 2017, com a relação já encerrada, ele bateu em Bianca novamente, dessa vez na casa dela. “Ele quebrou tudo, arrancou o implante que eu havia feito. Chamei a polícia, e ninguém veio. Tive que ir à delegacia e exigir uma perícia, um novo exame no IML”, relata. Viana chegou a ser condenado a 3 meses de prisão, em um dos processos, mas teve a sentença suspensa por possuir “bons antecedentes”.

Acusação recorrente
O passado do servidor público, porém, não é ilibado. Ele já respondeu a três processos administrativos disciplinares na Corregedoria do Serviço Exterior do MRE, após registros de ataques a duas mulheres em outros países e a mais duas no Brasil. Em território estrangeiro, Renato Viana desfrutou da imunidade diplomática: as autoridades locais não puderam investigá-lo, precisando recorrer ao Itamaraty.

Em 2002, um processo disciplinar investigou agressão do homem a uma terceira-secretária do Ministério das Relações Exteriores. A ação terminou arquivada com uma observação: o diplomata deveria controlar suas emoções e impulsos. No ano seguinte, Renato Viana se envolveu em agressão a uma namorada brasileira, de quem levou uma facada durante briga em seu apartamento.

Outra sindicância, esta de 2006, apurou violência contra uma cidadã paraguaia. Junta médica avaliou Viana e concluiu que, do ponto de vista neurológico, ele estava apto para exercer suas funções. A punição foi apenas uma advertência.

“Evidenciou-se, ao exame psíquico, que o servidor apresenta traços de personalidade denotando certa instabilidade emocional, com forte investimento pessoal na área cognitiva, sem, contudo, configurar uma patologia psíquica. Desta forma, as reações emocionais reveladas pelo servidor não chegam a caracterizar, em termos psicopatológicos, alterações de comportamento significativas”, diz o laudo.
Em 2015, a Embaixada do Brasil em Caracas encaminhou ao MRE denúncia de uma venezuelana que alegava ter “sofrido ameaças, maltrato psicológico e tentativa de sequestro por parte de Renato de Ávila Viana”, como consta na sindicância à qual o Metrópoles teve acesso. A vítima enviou uma cópia da medida cautelar expedida contra o diplomata pela Divisão de Investigações e Proteção à Mulher da Venezuela.

A mesma investigação apurou comportamento agressivo do brasileiro em um evento no Instituto Cultural Brasil-Venezuela, quando ele agrediu verbalmente colegas e prestadores de serviços, durante uma festa após um jogo do Brasil na Copa do Mundo de 2014. O processo concluiu que não havia provas suficientes para puni-lo sobre a agressão à venezuelana. O servidor do Itamaraty ficou afastado das funções por 10 dias, pelo comportamento inadequado no evento diplomático.

 

Impunidade

Atualmente, há uma nova averiguação aberta a respeito do comportamento de Viana, iniciada após reclamações de Bianca ao órgão público. A síndica do condomínio onde ele ocupa um imóvel funcional do MRE também enviou e-mail à pasta e informou que vizinhos queixaram-se diversas vezes das brigas entre o morador e sua então namorada, as quais causavam barulho após as 22h. “Todo mundo me ouvia gritar, pedir socorro. Perdi as contas de quantas vezes apanhei”, lembra Bianca.

A jovem é filha de uma professora moradora de Valparaíso (GO). Conheceu Renato Viana por meio de um aplicativo de relacionamento. Ela tinha 20 anos; ele, 39. “Encantei-me por aquele homem culto, que fala sete idiomas e conhece o mundo. No começo era tudo maravilhoso, mas logo virou pesadelo”, relata.

As agressões começaram aos 2 meses de namoro. A relação durou 10. “Acreditei que seria a exceção aos casos de mulheres que apanham, que ele ia mudar. Renato sempre dizia que eu o tinha feito bater em mim. Eu me sentia culpada e, ao mesmo tempo, queria salvá-lo dos problemas dele”, conta.
Bianca é pedagoga e, quando começou o relacionamento, estudava direito. Abandonou o curso de graduação por ter perdido a fé na Justiça. “Não consigo sequer falar com minha defensora pública. Ela nem sabe meu nome. Para a Justiça, eu sou só um papel, mais um caso sem solução. Ele continua vivendo a vida dele como se nada tivesse acontecido”, lamenta.

Ele vai precisar me matar para sofrer algum tipo de punição?”Bianca

Os artigos 25 e 27, inciso III, da Lei 11.440/2006 estabelecem que os servidores do Serviço Exterior Brasileiro devem manter conduta decorosa na vida privada. Nenhum dos crimes, porém, impediram as promoções de Renato de Ávila Viana na carreira.

Com salário R$ 23.230,50, ele chegou ao prestigiado cargo de primeiro-secretário. Nesse estágio, o diplomata pode chefiar um setor. Atualmente, Viana está locado na Subsecretaria-Geral de África e Oriente Médio.

Os casos de agressão cometidos por Renato Viana são comentados e geram desconforto entre os colegas do MRE. De acordo com uma diplomata, um processo de demissão seria complexo e improvável, mas protesta contra as promoções recebidas por ele. “Promovê-lo é um desprestígio a todas as mulheres nesse ministério, que se sentem expostas a um agressor”, afirmou a servidora, que não quis ter o nome revelado por temer represálias.
O Itamaraty, por meio de sua assessoria de imprensa, informou não tolerar violência e que irá apurar qualquer denúncia, a fim de tomar as medidas adequadas. Também ressaltou a existência, desde 2014, do Comitê Gestor de Gênero e Raça, o qual trabalha para coibir abusos e discriminação no MRE.

O Metrópoles procurou Renato de Ávila Viana por meio da advogada Dênia Érica Gomes Magalhães. Segundo ela, o cliente está viajando e não falará com a reportagem. A defesa não quis comentar os processos que envolvem o nome do diplomata, pois eles correm em segredo de Justiça.

*Nome fictício a pedido da vítima

Fonte: Metrópoles
Créditos: Metrópoles