Quem for honesto, terá de indignar-se

Gilvan Freire

A Revista VEJA, semana passada, edição 2227 de seus 44 anos, divulgou o mais completo relatório do Tribunal de Contas da União sobre licitações no governo federal. Ao todo, 142000 contratos foram auditados, envolvendo despesas que somam acima de 100 bilhões de reais.

VEJA aproveitou o relato investigativo do TCU para proferir uma de suas mais cruentas análises da vida pública brasileira, em forma de notícia opinativa, identificando nos políticos, administradores públicos e empresários desonestos o triângulo da maldição moral que corrói as esperanças dos brasileiros de terem um país decente.

De fato, se depender mesmo da classe política e dos quadros dirigentes do setor público, o sonho de um país próspero de povo honesto não se confirmará no povo e nem na prosperidade, porque simplesmente não poderá haver prosperidade consistente numa sociedade contaminada até a medula pelo vírus da corrupção.

É bem verdade que parte da população, especialmente a fração que se pode denominar de povo, formada por jovens idealistas e trabalhadores honrados de múltiplas profissões, não deve pagar essa conta de desperdícios morais. Mas é essa fração, contudo, que sustenta pelo voto ou pela apatia política a fábrica de desmandos em que se converteu a chamada vida pública brasileira, uma organização criminosa encarregada de traficar influência e dinheiro no submundo da administração pública em todos os níveis de governo.

Cadê a indignação? Pergunta VEJA
Há uma hora ou um certo tempo histórico, desses que marcam de alguma forma a vida do povo brasileiro, em que VEJA se expressa como se fosse a única voz de uma sociedade letárgica que tem vontade de acordar e reagir mas, anestesiada, parece não saber como e quando. E, passados aqueles instantes efêmeros de clamor e ebulição, a população se recolhe à indignação adormecida, de volta à cama e ao travesseiro.

Reedito a Carta ao Leitor de VEJA, na parte mais alta de seus decibéis, para que nessa distante Paraíba, onde também florescem como erva daninha uma savana de improbidades e conluios entre o público e o privado, possa também medrar um tênue sentimento de reação e brotar uma flor silvestre de esperança solitária no resto da Mata Atlântica e nos prados erodidos da Caatinga.

“[…]Os brasileiros mostram-se entorpecidos com as denúncias de corrupção, porque o braço da lei não desce com peso equivalente ao dano sobre as quadrilhas partidárias que infestam todos os escalões dos governos. É preciso, no entanto, que a indignação ressurja e se traduza em manifestações enfáticas por parte da sociedade. Só a mobilização forte e permanente obrigará a Justiça e os políticos a tomar medidas sumárias para limpar a administração pública dos ladrões, colocá-los na cadeia – sim, na cadeia – e fazê-los devolver as quantias roubadas ao Erário.
Não se constrói uma nação civilizada apenas com votações limpas e periódicas ou com respeito às liberdades básicas como a de expressão e de acesso à Justiça. O momento atual do Brasil exige um ataque drástico à corrupção generalizada. Não falta capacidade de inovação no mundo oficial brasileiro quando o objetivo é desviar dinheiro público. Em matéria de engenho e em volume, não errará quem disser que vivemos o período mais auspicioso para os corruptos no país […]”.

Mas é melhor crer, por causa também de VEJA, que nem tudo está perdido.