análise

Portaria exclui da definição de trabalho escravo quase 90% dos processos, aponta Ministério Público

De 709 processos, 637 são ocorrências ligadas a condições degradantes, jornada exaustiva e trabalho forçado, que saíram da definição de trabalho análogo à escravidão

Cerca de 90% dos processos e investigações sobre trabalho escravo acompanhados pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) estão relacionados a situações que deixaram de ser classificadas como análogas à escravidão após a publicação da portaria 1.129 pelo governo Michel Temer, segundo informou o órgão ao G1.
Atualmente, o MPT acompanha 709 procedimentos, dos quais 637 envolvem empresas autuadas por manter trabalhadores sob condições degradantes, jornada exaustiva ou trabalhos forçados, os três critérios excluídos após a publicação da portaria.

Isso significa que, se a portaria estivesse valendo antes dessas autuações, 89,8% dos procedimentos não teriam se transformado nos processos hoje acompanhados pelo MPT.

Os outros 72 casos, cerca de 10% do total, se referem a servidão por dívida, critério mantido na portaria como análogo à escravidão quando associado a restrições de liberdade, como falta de transporte ou emprego de segurança armada.

Apesar das mudanças introduzidas pela portaria, o MPT informou que continuará atuando da mesma forma, por considerar a medida ilegal, e atuando de acordo com as definições do Código Penal.

A portaria do Ministério do Trabalho, publicada no dia 16 no “Diário Oficial da União”, muda o conceito de trabalho escravo, além de alterar procedimentos de investigação e de divulgação da chamada “lista suja” das empresas que usam esse tipo de mão de obra.

Pelo texto, a ocorrência de jornada exaustiva, o trabalho em condições degradantes e o trabalho forçado não são mais considerados análogos à escravidão.

Isso quer dizer que a empresa ou pessoa física autuada cometendo uma dessas infrações não será mais incluída na lista suja. Com o nome na lista suja, a empresa fica proibida, por exemplo, de obter qualquer tipo de empréstimo em bancos públicos.

A lista mais recente divulgada pelo Ministério do Trabalho foi atualizada em 27 de julho e tem 82 empresas e pessoas físicas.

A portaria foi criticada duramente por organismos como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), por fiscais do trabalho e pelo próprio MPT.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, qualificou as mudanças de “retrocesso” e recomendou a revogação da portaria.

O Ministério do Trabalho, porém, afirma que a portaria agilizará a abertura de processo criminal contra quem explora trabalho escravo. Entre os apoiadores da medida está a Confederação Nacional da Indústria (CNI).

O texto passa a classificar como trabalho escravo as situações em que o trabalhador é privado de liberdade, seja por submissão sob ameaça de punição, de segurança armada, retenção de documentos ou por dívida.

Os auditores fiscais do trabalho também estimam que 90% das autuações por trabalho escravo enviadas atualmente ao Ministério do Trabalho não se enquadrariam mais como regime de escravidão com as mudanças feitas pela portaria nº 1.129.

“Nos casos de trabalho escravo contemporâneo, é raríssimo encontrar o trabalho forçado ou a restrição de liberdade. Agora, para ser considerado trabalho escravo, é preciso ter algum tipo de restrição de liberdade unida à jornada exaustiva, por exemplo”, explicou o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, Carlos Silva.

Novo perfil

O número de trabalhadores encontrados em condições análogas à escravidão caiu de 2.808 em 2013 para 885 em 2016.
Segundo Frei Xavier Plassat, coordenador da campanha contra o trabalho escravo da Comissão Pastoral da Terra, parte dessa queda deu-se por uma dificuldade maior na fiscalização.

Plassat alerta que as formas de trabalho escravo se modernizaram e que a fiscalização está cada vez mais complicada.

“Com a intensificação do combate ao trabalho escravo nos últimos 15 anos, as estratégias foram se aprimorando. Os exploradores vêm agindo de forma muito mais imperceptível e difícil de fiscalizar. Você não imaginaria anos atrás que acharia trabalho escravo em confecções no Brás (bairro no centro de São Paulo)”, afirmou.
Segundo ele, os relatos de trabalho escravo onde há, por exemplo, escolta armada, são raríssimos. Plassat também destaca que a maior parte das ocorrências envolvem jornadas exaustivas e condições degradantes.

“São outras formas de imobilizar o trabalhador que não necessariamente envolvem restringir a liberdade”, disse.

Fonte: G1