Nem trair nem coçar

Rubens Nóbrega

Há pelo menos dois decênios passei a freqüentar as reuniões dos PCA (Pula-Cercas Anônimos), que não só me ajudaram a manter a sobriedade por todo esse tempo como também me credenciaram a ingressar no exclusivíssimo CMS (Clube dos Monogâmicos em Série).

E só consegui entrar porque o Clube tem como presidente honorário o admirável Professor Oliveira, amigo de longas datas que abonou a minha ficha de inscrição e me iniciou no culto à fidelidade permanente. Que não é obrigação, diga-se, mas uma graça a ser alcançada.

Aos interessados em seguir o caminho ou nele manter-se aviso logo que não é mole o noviciado no CMS, principalmente porque o noviço é obrigado a decorar a letra e cantar direitinho – sem errar uma nota ou sílaba – o Hino do Ferrolhista Juramentado. Hino Nacional perde, creiam.

Alguém aí que me conheça de perto pode até dizer que nem precisava isso tudo, considerando minha evidente escassez de atributos físicos e absoluta indisposição para prevaricações. Mas, sabem como é… “Nesse mundo globalizado de hoje”, diria o filósofo Paulito Maia, “são demais os perigos dessa vida…”.

De modo que alguma ajuda disponível exteriormente será sempre bem vinda por quem cultua, para muito além da fidelidade, a solidez e a longevidade do amor à mulher amada. É o meu caso. Sem trocadilho algum, juro.

“Tenha um caso agora!”

Estou revelando essas intimidades só para dizer que jamais me terá como cliente um serviço tipo Ohhtel.com, sítio de Internet especializado em traições conjugais, criado em Las Vegas, Estados Unidos, e já com filiais na América Latina, onde entrou pela Argentina e rapidinho alcançou o Brasil.

Em menos de dois meses, o Ohhtel cadastrou 70 mil hermanos interessados em sexo casual e descompromissado fora do casamento, “além de discretíssimo, sob total sigilo”, conforme garante a propaganda do sítio. Tudo para convencer os incautos de que aventuras extraconjugais costumam fortalecer a relação doméstica.

Como se não bastasse, na sua estréia brasileira o Ohhotel pegou pesado até mesmo para os padrões comportamentais da cidade definida por muitos como a capital mundial da permissividade, da liberalidade sexual ou, simplesmente, da libertinagem, como preferem alguns.

Pois bem, usando nada menos que a imagem do Cristo Redentor, a produtora de chifres em escala planetária espalhou outdoors pelo Rio instigando homens e mulheres casados a cometerem experiências extraconjugais. Com uma facilidade incrível: traição a um clique de computador.

“Tenha um caso agora! Arrependa-se depois”, diz o outdoor que invadiu a paisagem carioca. Caia nessa não, amigo! Garanto a você que traição é assim, feito verso de canção sertaneja: é um segundo pra decidir e uma eternidade pra se arrepender.

Esperteza desses caras…

Evidente que a ousadia de expor o ícone do Redentor daquela forma causou reação indignada da Igreja Católica, para quem o anúncio constituiu blasfêmia e ofensa sem tamanho, segundo peguei no Uol (Universo Online) na sexta de manhã.

Aparentemente, o pessoal do Ohhtel acusou o golpe. Tanto que correu ligeirinho a pedir desculpas à Arquidiocese carioca, oferecendo ainda o espaço do outdoor “para veiculação de qualquer mensagem de retratação e reforço da importância da fidelidade”.

Esperteza desses caras. De tão previsível, a reação da Igreja deve ter sido pensada como desdobramento inevitável e aproveitável em potencial extensão da publicidade gratuita em torno do serviço, usando para tanto as próprias notícias sobre a ira da Santa Madre.

Entenda como funciona

Segundo o Uol, o polêmico Ohhtel é um sucesso nos Estados Unidos, onde tem 1,3 milhão de usuários e ganha um novo inscrito a cada 30 segundos. Na Argentina, onde foi lançado em maio, os 70 mil aderiram em apenas 50 dias. No Brasil, onde estreou em 11 de julho passado, já seriam 190 mil cadastrados.

“O sistema funciona por meio de perfis: os usuários exibem suas preferências sexuais e podem travar conversas on-line ou trocar mensagens com perfis de seu interesse. O cadastro é gratuito, mas os homens precisam pagar uma taxa para se ter acesso ilimitado; já as mulheres têm acesso grátis”, acrescenta o portal.

A matéria do Uol é assinada pelo jornalista Rodrigo Teixeira, que entrevistou a vice-presidente de operações do Ohhtel no Brasil, Laís Ranna, para quem “a infidelidade pode ser o segredo para um casamento duradouro”.

Isso é conversa, minha senhora! Na maioria dos casos, quando descoberta, a infidelidade destrói o casamento, uma das poucas instituições humanas que se baseiam e ainda se preservam na confiança e respeito mútuos.

Daí por que comigo não tem essa história de ‘trair e coçar é só começar’, não. Aliás, para não correr o menor risco, há mais de vinte anos fujo de qualquer coisa que possa me dar coceira.