Mulher raptada por Estado Islâmico diz que foi vítima de jihad sexual

Ela foi levada com outras 150 mulheres e meninas

vitima sequestroIntegrantes do Estado Islâmico (EI) invadiram a aldeia de Nadia Murad, no Iraque, mataram todos os homens, incluindo seis de seus irmãos. Ela é da minoria étnica e religiosa yazidi, vista como “infiel” pelos extremistas do EI.

Segundo o portal iG, Nadia e centenas de outras mulheres yazidis foram sequestradas, vendidas e estupradas em grupo. Foram vítimas do que o grupo terrorista chama de “jihad sexual”. Ela conseguiu fugir, mas acredita-se que milhares de mulheres continuem presas.

Nadia Murad está em Londres e quer chamar a atenção para seu povo. “A vida em nosso vilarejo era muito feliz, muito simples. Como em outros vilarejos, as pessoas não viviam em palácios. Nossas casas eram simples, de barro, mas levávamos uma vida feliz, sem problemas. Não incomodávamos os outros e tínhamos boas relações com todos”, declarou Nadia à BBC.

No dia 03 de agosto de 2014, 3 mil homens, idosos, crianças e deficientes foram massacrados pelo EI, que cercou as saídas. “Rodearam a aldeia por alguns dias mas não entraram. Tentamos pedir ajuda por telefone e outros meios. Sabíamos que algo horrível iria acontecer. Mas a ajuda não chegou, nem do Iraque nem de outras partes”, contou a iraquiana.

Após alguns dias, o EI encurralou os moradores na escola da aldeia e ali mantiveram homens, mulheres e crianças. “Deram-nos duas opções: a conversão ao Islã ou a morte”, disse ela.

Separaram os homens, cerca de 700, levaram todos para fora da aldeia e começaram a baleá-los. Nove irmãos de Nadia estavam entre eles. Seis deles morreram e três escaparam, mesmo feridos. “Da janela da escola podíamos ver os homens sendo baleados. Não vi meus irmãos sendo atingidos. Até hoje não pude voltar à aldeia nem ao local da matança. Não há notícias de nenhum dos homens.”

Nadia conta que meninas acima de nove anos e meninos acima de quatro anos foram levados a campos de treinamento. “Depois levaram umas 80 mulheres, todas acima de 45 anos, incluindo minha mãe. Uns diziam que haviam sido mortas, outros que não. Mas quando parte de Sinjar foi liberada encontrou-se uma vala comum com seus corpos.”

18 membros da família de Nadia morreram ou estão desaparecidos. Ela foi levada com outras 150 mulheres e meninas, incluindo três sobrinhas dela. Elas foram divididas em grupos e levadas em ônibus até Mosul. “No caminho eles tocavam nossos seios e esfregavam as barbas em nossos rostos. Não sabíamos se iam nos matar nem o que fariam conosco. Percebemos que nada de bom iria ocorrer porque já tinham matado os homens e as mulheres mais velhas, e sequestrado os meninos”, afirma Nadia.

Ao chegar ao quartel-general do EI em Mosul, encontraram muitas jovens, mulheres e meninas, todas yazidis, que tinham sido sequestradas em outras aldeias no dia anterior. Os homens chegavam e escolhiam algumas meninas, que eram levadas, estupradas e devolvidas.

“As meninas resistiram, mas foram forçadas a ir. As mais jovens se agarravam às mais velhas. Uma delas tinha a mesma idade de minhas sobrinhas, chorava e se prendia a mim.” Quando chegou a vez de Nadia, foi selecionada por um homem bem gordo que a levou a outro andar. Um outro militante passou e o convenceu a levá-la. “O homem mais magro me levou até sua casa, tinha guarda-costas. Estuprou-me, e foi muito doloroso. Nesse momento percebi que teria sofrido do mesmo jeito, não importa com quem,” lamenta ela.

Nenhum dos homens mostrou clemência. Todos estupraram as mulheres de forma violenta. “As coisas que fizeram foram horríveis. Nunca imaginamos que coisas tão terríveis aconteceriam conosco.”

Algumas mulheres dos irmãos de Nadia estavam grávidas quando foram capturadas e deram à luz no cárcere. Nadia teve de passar três meses com o homem que a levou. Durante esse período conseguiu falar com alguns sequestradores. “Perguntei por que faziam aquilo conosco, por que haviam matado nossos homens, por que nos estupraram violentamente. Disseram-me que ‘os yazidis são infiéis, não são um povo das Escrituras, são um espólio de guerra e merecem ser destruídos'”.

Muitas meninas se suicidaram, conta Nadia, mas essa não foi uma opção para ela. “Acho que todos devemos aceitar o que Deus nos deu, sem importar se é pobre ou sofreu uma injustiça, todos devemos suportar.” Nadia também não questionou sua fé. “Deus estava cada minuto em minha mente, ainda quando estava sendo estuprada.”

Após uma fuga fracassada, Nadia não pensou em fugir de novo, mas o último homem com quem viveu em Mosul decidiu vendê-la e foi tentar arranjar-lhe roupas. Quando ele ordenou que ela tomasse banho e se preparasse para a venda, ela aproveitou para escapar. “Bati na porta de uma casa onde vivia uma família muçulmana sem conexão com o EI e pedi ajuda. Disse que meu irmão daria o que eles quisessem em troca”, fala ela.

Por sorte a família não apoiava o EI e a apoiou inteiramente. “Deram-me um véu negro, um documento de identidade islâmico e me levaram até a fronteira.”

Agora em liberdade, Nadia Murad é uma ativista que viaja o mundo fazendo campanha para chamar atenção para a tragédia dos yazidis. Já visitou os EUA, Reino Unido, Europa e países árabes, falou na ONU.

“Todos sabem o que é o Estado Islâmico. Escutam-me com atenção mas não prometem nada”, afirma. “Dizem que analisarão o caso e verão o que é possível fazer, mas até agora nada aconteceu”, afirmou.

Após um ano e meio do ataque, ainda há mulheres e meninas sequestradas. Nadia espera voltar a seu vilarejo para ver o que sobrou e saber do destino dos desaparecidos.

“Juro por Deus que todos estamos muito cansados. Já se passou um ano e meio desde que isso nos aconteceu. Sentimos que estamos abandonados pelo mundo”, disse Nadia chorando. “Mataram minha mãe. Meu pai morreu faz tempo. Meu irmão mais velho era como um pai para mim, mas também foi morto. Peço ao mundo que faça algo por nós.”

Fonte: Notícias ao Minuto