usuário declarado de maconha

"Legalizar maconha não é liberar geral": Cinquentão, Marcelo D2 diz que seu maior desejo agora é "não morrer"

"Legalizar não é liberar geral. Não deveria ser assim nem com álcool, sabe qual é? Tu vê gente bebendo em qualquer lugar. Devia ser mais controlado." E conta que tem evitado beber porque não tem uma boa relação com o álcool, "que também é droga".


Uma fumaça perfuma a sala de estar de Marcelo D2 em um início de tarde. Poderia ser de maconha: o cantor de rap é usuário declarado e defende a legalização da planta desde 1995, quando ficou conhecido como vocalista do Planet Hemp (literalmente, Planeta Maconha). Mas o cheiro no ar é de incenso.

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D2 também é outro. Desde então, lançou nove álbuns de estúdio, seis em carreira solo. Ganhou vinte anos a mais de idade. Tinha um filho. Agora tem quatro. Além de Stephan, 24, que também é rapper, é pai de Lourdes, 17, Luca, 15, e Maria Joana, 13. “Minha caçula tá com 13, cara. Tá foda”, diz, aos risos, ao repórter João Carneiro. O cantor completa 50 anos em novembro.

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“Quando meus filhos ficam me sacaneando, dizendo ‘Porra, tu tá velho!’, eu falo que eu sou é jovem há mais tempo. Porque eu me sinto novo, tá ligado?”. Mas o marco de meio século tem feito D2 “pensar sobre a vida pra caralho”. Por isso, o álbum “Amar é para os Fortes”, previsto para o segundo semestre, demorou mais. Sairá quatro anos depois do último -o dobro da média na carreira.

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Para o novo projeto, D2 se cercou de jovens. Um deles é o fotógrafo Wilmore Oliveira, 28, que dividirá com o cantor a direção de um curta-metragem do disco, todo filmado no celular. As músicas, juntas, formarão o áudio do filme. A dupla vem a São Paulo no domingo (30) para falar sobre a parceria durante o Music Video Festival, no MIS.

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“Eu acho que hoje em dia as pessoas veem a música muito mais do que ouvem(interrompendo) Peraí, deixa eu tirar isso daqui, tá me dando alergia.” Depois de apagar o incenso e colocá-lo do outro lado da sala, D2 retoma: “As pessoas veem música no YouTube, no telefone. Mas o ato de ouvir o álbum completo tá se perdendo muito”.

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Ele resiste a disponibilizar os seus discos solo nas plataformas de streaming -só os dois últimos estão no Spotify. É que D2 não aceita as condições propostas pela gravadora para colocar as músicas no serviço. “Pra que eu quero meus discos lá se eu não ganho nada? Só pra todo mundo ouvir? Quem quer ouvir dá um jeito, baixa pirata.”

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“Nos anos 1990, os diretores artísticos mandavam nas gravadoras. A gente discutia sobre arte pra fazer um disco. Nos anos 2000, o marketing assumiu. Aí [a discussão] era quem fazia a melhor capa pra vender. Depois que as gravadoras foram acabando, o jurídico assumiu. Aí, fudeu.”

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Também não gosta de ficar restrito a uma só forma de expressão. “Rap não é a coisa mais importante da minha vida, é só uma parte. Eu faço rap, eu faço arroz, eu faço café da manhã”, diz. Para o trabalho “Amar é para os Fortes”, fez curso de roteirista e criou o coletivo Mulato, que inclui, além de Wilmore, outros fotógrafos e artistas plásticos.

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“A maioria [das obras] aqui são de amigos meus”, afirma ao mostrar a coleção de arte que preenche quase todas as paredes da casa. “Tirando o Picasso, né?”. Quando o repórter mostra incredulidade, D2 aponta para um pequeno desenho emoldurado e explica: “Comprei num leilão, na internet. É um estudo dele, tem 120 cópias iguais. Um dos melhores dinheiros que já gastei”.

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O ar muda quando Wilmore termina de apertar o baseado que preparava durante a conversa, sob encomenda de D2. O cantor se surpreende quando vê que o amigo usa, em vez de um isqueiro, um maçarico de cozinha para acender o cigarro. “Caralho, mano! Vai tacar fogo na casa!”

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“É porque eu trouxe um ‘dab’, que é um óleo de THC que tem que esquentar com isso”, explica Wilmore. “Você fuma essa porra e fica o resto do dia no sofááá”, completa D2, prolongando o “á” e se esparramando na poltrona.

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“Legalizar não é liberar geral. Não deveria ser assim nem com álcool, sabe qual é? Tu vê gente bebendo em qualquer lugar. Devia ser mais controlado.” E conta que tem evitado beber porque não tem uma boa relação com o álcool, “que também é droga”.

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“As músicas do Planet Hemp não eram só sobre maconha”. A ideia, diz, era “puxar o limite da liberdade de expressão, que naquela época era tão questionada.” Os integrantes da banda chegaram a ser presos por apologia às drogas, em 1997.

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A formação do grupo vai ser narrada no filme “Legalize Já”, de Johnny Araújo e Gustavo Bonafé. O longa, produzido pela Academia de Filmes e previsto para o segundo semestre, foca a relação de D2 com Skunk, com quem fundou a banda. “Ele botou o sonho dele [de ser músico] no meu colo e eu falei: ‘Vou sonhar isso aí'”. Skunk morreu em 1994, vítima da Aids, antes do lançamento do primeiro disco.

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Lourdes, filha de D2, irrompe pela porta da frente: “Pai, olha isso! São 200 questões. Pras férias!”, exclama, levando uma apostila até o cantor. Ele folheia o calhamaço e avalia: “Tá fácil. Já tem nota?”. “Tem, mas eu não vou te falar”, responde Lourdes, que logo sobe para o quarto. “Tenho que estudar.”

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Não interfere na relação dos filhos com as drogas, “desde que [o uso] seja saudável. Não sou eu que vou falar pra usar ou não usar. Tenho o papel de pai, de aconselhar. [Fumar maconha] faz parte da descoberta. Como pai, não participar disso seria uma falha.”

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O cantor deixa escapar um bocejo. Da cozinha, alguém oferece café. Wilmore, o repórter e o fotógrafo aceitam. D2 agradece. “Três, por favor!”

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O assunto volta a ser a passagem do tempo. “Você vai envelhecendo e fica um pouco mais sensato, mais tolerante. Tem coisas que eu achava intoleráveis e que hoje eu entendo. Eu entendo que o mundo é assim, tá ligado?

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Revela o maior desejo para os próximos 50 anos: não morrer. E enumera, rindo, as três “regras do rolê”: “Não se apaixone; não seja preso; não morra”. Pouco depois, outro aroma forte preenche o ar da sala. Dessa vez, é só o café.

Fonte: folha