O ministro da Cidadania, Osmar Terra , afirmou que o presidente da Anvisa , William Dib , “não entende nada” sobre a discussão da liberação do uso medicinal da maconha .

Segundo ele, a Anvisa quer a liberação “em consonância com poderosos interesses”.

Falta menos de um mês para o fim do mandato de Dib na Anvisa. Havia a expectativa de que ele colocasse o tema em discussão nesta terça-feira, mas ele foi retirado da pauta da Anvisa. Atualmente, há dois pedidos de vistas sobre o assunto.

Terra confirmou presença no debate convocado para a tarde desta terça (26) pela comissão da Câmara dos Deputados que trata da regulamentação dos medicamentos à base da cannabis .

Sua entrevista ao GLOBO foi realizada em Doha, no Qatar, onde o ministro foi receber um prêmio na Cúpula Mundial de Inovação para Educação ( Wise , na sigla em inglês) por conta do programa Criança Feliz , de seu ministério.

Atualmente, 817 mil crianças de 0 a 3 são atendidas pelo programa, que orienta as famílias, por meio de visitas domiciliares semanais, sobre como garantir os cuidados e estimulação adequados para que os filhos desenvolvam todo seu potencial.

O ministro ainda prometeu atender todas as crianças do Bolsa Família (3,2 milhões de crianças) e defendeu o trabalho das comunidades terapêuticas.

O mandato do presidente da Anvisa está para acabar e tem muita gente apostando que ele vai colocar para discussão a liberação do uso de maconha medicinal.

Eu acho que o presidente da Anvisa não entende nada do assunto. Ou ele está ouvindo alguns interessados economicamente nisso ou está realmente querendo liberar a droga no Brasil. Porque isso está abrindo a porta para a liberação. Essa conversa de que vai ter um lugar controlado para fazer pesquisa é conversa fiada. Qualquer permissão que tu der para plantio de substâncias que são proibidas abre a porta para a legalização. Mesma coisa para a cocaína, se permitir a plantação de coca no Brasil. A mesma coisa em relação a heroína, o ópio, se permitir a plantação da papoula no Brasil. São proibidas para diminuir a oferta. Simples assim. E isso não afeta em nada a pesquisa. Eu sou a favor de usar o canabidiol se ele mostrar efetividade. Tem que usar e o Ministério da Saúde tem que garantir o uso. Tem que pagar e não deixar as pessoas pagarem porque não é barato. Mas tem pesquisas fazendo com o canabidiol sintético. Não precisa plantar nem um pé de maconha para ter o medicamento.

Caso haja a liberação, um próximo presidente da Anvisa pode reverter?

É uma questão interna da Anvisa que eu não vou me meter. De fora, estou dizendo essa atitude da Anvisa a favor da liberação da maconha está em consonância com poderosos interesses que estão se instalando no Brasil, que já estão anunciando nos jornais, já considerando que a Anvisa vai liberar. Ou seja, alguma coisa combinada com a Anvisa que eu não entendo direito como.

Que empresas são essas?

São empresas de plantio de cannabis, empresas canadenses e brasileiros associados a canadenses com muitos interesses e proximidades com pessoas que estão tentando decidir isso.

O senhor ampliou o financiamento público de comunidades terapêuticas. Já tem visto resultados delas?

Nós estamos fazendo um estudo sobre isso. Mas o resultado eu vi empiricamente, na prática, quando eu fui secretário de Saúde. Eu fui o primeiro secretário de Saúde do Brasil a contratar comunidades terapêuticas porque os meninos pobres que ficavam dependente químico não têm onde se tratar. As clínicas privadas não os recebiam, os CAPs Álcool e Drogas (Centro de Atenção Psicossocial) não tinham o impacto no seu tratamento porque trabalhavam só redução de danos e não admitiam abstinência. Então, as comunidades terapêuticas eram o que sobrou e que foi feito até de maneira improvisada pela comunidade. Um esforço junto com as igrejas. Uma mãe pobre que tem um filho dependente químico que não vê resultado nenhum no CAPs, quando consegue ser atendido, o que ela faz? Vai falar com a pessoa mais próxima, o pastor, o padre e o prefeito. Tem comunidades terapêuticas que são da prefeitura, como é o caso de Cachoeirinha, no Rio Grande do Sul. Mas ela vai buscar auxílio.

E qual é o auxílio recebido?

As comunidades terapêuticas foram criadas numa experiência empírica de longo prazo dos Alcoólicos Anônimos, que começou há mais de cem anos. O que que o AA faz: reúne as pessoas num grupo de autoajuda que promove a abstinência para as pessoas não usarem de novo, não recaírem. Só que eles trabalham num sistema de ter um lugar, um espaço, que cumprem o mesmo programa de 12 pontos do AA. Tem algumas que trabalham com a questão religiosa, outras não. Isso é livre. Eu acho que a fé até ajuda a pessoa a se manter em abstinência e conseguir enfrentar as drogas. Elas passaram a ser contratadas em 2008 no Rio Grande do Sul. Depois, como deputado, nós criamos uma comissão que trabalhava a questão de drogas e que sugeriu que o Ministério da Justiça criasse as comunidades acolhedoras. E aí a parceria com essa rede enorme, são mais de duas mil no Brasil, ajuda. Tem comunidade terapêutica que trabalha mal? Tem. Como tem comunidade terapêutica que trabalha muito bem. Temos que ter critérios, metodologia, tem que cumprir requisitos e ter fiscalização. Certamente eu posso dizer que elas têm um impacto muito maior na pessoa parar de usar droga do que a redução de danos que era feita em CAPs.

Mas isso é uma impressão sua ou é baseado em alguma pesquisa?

Tenho informações de regiões, lugares e cidades. Conheço pouquíssimas pessoas que deixaram de usar droga com redução de danos. Inclusive não tem pesquisa dos CAPs Álcool e Drogas de que isso não tem impacto. Agora, eu conheço muitos casos, até de grupos de autoajuda como NA (Narcóticos Anônimos), AA e comunidades terapêuticas que pararam de usar e estão em abstinência. Vejo muito mais resultado no trabalho da comunidade terapêutica do que no trabalho de redução de danos do CAPs Álcool e Drogas.

Há um plano de fiscalização dessas comunidades terapêuticas?

Tem um sistema de acompanhamento por uma secretaria especial que cuida disso. É feita uma avaliação periódica dessas comunidades terapêuticas. Elas têm que cumprir requisitos. Tem critérios físicos, que a Anvisa prevê, como espaço, quantidade de leito por metro quadrado. E tem a necessidade de ter determinada equipe que acompanhe. Isso é feito por um sistema criado pela Senapred (Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas).

Elas têm alguma obrigação de ter um profissional de saúde?

Elas podem ter um profissional contratado ou usar a rede pública. Tem que ter para avaliar, porque nem sempre a questão da droga é o primeiro evento que acontece com a pessoa. Um dos maiores tratados que tem sobre drogas, que é o Drug Abuse, tem uma conclusão que 70% dos adolescentes que usam alguma substância já tinham algum tipo de transtorno mental antes de usar. Um transtorno leve, 25% da população do mundo tem transtornos mentais leves. E alguns evoluem para um agravamento. Ou seja, é muito mais fácil que o menino com déficit de atenção e hiperatividade usar droga do que aquele que não tem.

O senhor falou, durante o evento no Qatar, em passar o Criança Feliz para dois milhões de atendidos. Quanto isso custaria e como seria custeado?

A meta é até mais ambiciosa. Nós queremos chegar a três milhões de atendidos até 2022. Esse número é o total de crianças de 0 a 3 anos atendidas pelo Bolsa Família. O programa tem o viés de ser massivo para impactar as crianças mais pobres ou com deficiência do BPC (Benefício de Prestação Continuada). O dinheiro para isso está previsto para o ano que vem, no orçamento. A previsão é de avançar e chegar perto do dobro desse ano, e chegar até 2022 com três milhões e duzentos mil. É um programa que não é caro, com um custo benefício enorme porque ele impacta num momento em que realmente se desenvolvem todas as habilidades e competências humanas. Então, vai ter um efeito para o resto da vida das pessoas. E uma criança acompanhada pelo Criança Feliz custa de oito a dez vezes menos do que uma criança na creche. Ele não compete com a creche — a criança pode estar na creche e no programa. O que a gente quer é garantir que todas as crianças pobres tenham, pelo menos, o acompanhamento do Criança Feliz.

Qual foi o tamanho do orçamento esse ano?

Foi em torno de R$ 300 milhões. No ano que vem, deve ser o dobro.

O senhor tem estudos acompanhando se os índices de educação e de saúde dessas crianças são melhores?

Iniciamos com o professor César Victor (Ufpel), que é o maior epidemiologista brasileiro e um dos maiores do mundo, que se dispôs a acompanhar para nós. Ele mobilizou cinco universidades para ajudar nesse apoio. Uma em cada região do país. A amostragem vai ser de três mil crianças aleatórias para ter mais veracidade científica. Vão comparar as crianças que estão dentro desse programa com as que não estão e têm as mesmas situações socioeconômicas. Ele fez a linha de base no início do ano e vai fazer uma nova avaliação em novembro, para comparação. Foi essa linha de base que mostrou, em média, que elas têm um déficit de avaliação de inteligência e capacidade da criança por serem de famílias mais pobres, mas que isso pode se recuperar. E agora  que vamos ver como o programa impacta. Deve ser anunciada em dezembro. Depois, a cada seis meses vamos fazer uma avaliação para ir acompanhando e reorientar o programa se for necessário.