Anti esquerdismo e anti feminismo dominam

Jornalista analisa 9 mil páginas do Facebook ligadas ao conservadorismo

A jornalista e socióloga Celina Lerner analisou as interações de 9 mil páginas do Facebook ligadas ao conservadorismo e mais de 900 mil comentários feitos entre 2012 e 2018.

Para compreender os principais elementos da mentalidade conservadora no Brasil, a jornalista e socióloga Celina Lerner analisou as interações de 9 mil páginas do Facebook ligadas ao conservadorismo e mais de 900 mil comentários feitos entre 2012 e 2018.  A pesquisa está na sua tese de doutorado apresentada à Universidade Federal do ABC (UFABC).
“A atual expansão das direitas no mundo tem íntima ligação com a ampliação do acesso à Internet. As redes sociais digitais, em especial, possibilitaram que pessoas que se identificam com o conservadorismo encontrassem seu grupo de pertencimento, reelaborassem e reforçassem sua visão de mundo”, afirma.
Lerner explica que iniciou a pesquisa ao montar uma rede com as páginas do Facebook. Assim, identificou os atores ligados ao conservadorismo.
“A rede mostrou que os atores ligados ao conservadorismo distribuem-se entre a esfera religiosa e a esfera política. No campo político, várias frentes se mobilizam em um grande grupo: são páginas anti-feminismo; anti-ateísmo; de defesa do liberalismo econômico; páginas de fãs das Forças Armadas; de militantes pela facilitação do porte de armas; páginas de políticos; de jornalistas; de celebridades midiáticas; de ativistas de internet; de novos movimentos sociais e outros”.
A pesquisadora selecionou sete páginas para colher e analisar os comentários. São elas: Olavo de Carvalho, Direita Conservadora, Padre Paulo Ricardo, Instituto Mises Brasil, Flávio Bolsonaro, Campanha do Armamento e Pesadelo de Qualquer Político 2.0.
“Achei importante ter na amostra páginas que pudessem dar conta, não só do imaginário geral da atual mentalidade conservadora, mas também de questões específicas do campo religioso, da economia e de segurança”, complementa.
Lenner chama a atenção para a centralidade da figura do homem ideal na visão de mundo conservadora.
“O que mais me chamou atenção na pesquisa foi a centralidade do homem na visão de mundo conservadora. Há um ideal de homem que corresponde ao que é bom, sem erros e sem máculas, e em torno do qual tudo se define. O que está próximo a ele é igualmente bom. Já, o que difere dele é ruim e é entendido como uma ameaça da qual é preciso se proteger com o uso da força”.
Assim, fora desse núcleo central, estão os grupos vistos como diferentes e, portanto, como ameaças, como “comunistas”, “vagabundos”, “traficantes”, “feministas” e “gays”.
Jair Bolsonaro
A pesquisadora explica que não analisou especificamente as dinâmicas eleitorais. No entanto, no período analisado (de 2012 a 2018), a mentalidade conservadora ganhou força política e chegou ao Palácio do Planalto.
“Na rede de Páginas Públicas do Facebook montada em 2017, a página de Jair Messias Bolsonaro já ocupava o lugar de maior centralidade, ou seja, a página do atual presidente, à época deputado federal, recebia o maior número de curtidas das demais páginas da rede. A Rede de Curtidas de Página mostrou que havia uma articulação de diversas frentes em torno da figura de Bolsonaro. Vários elementos que aparecem nela, como as comunidades de páginas ligadas ao presidente norte-americano Donald Trump, ao exército, ou até mesmo ao movimento monarquista brasileiro, já se mostraram influentes no atual governo”.
Como foi feita a pesquisa
Para analisar quase um milhão de comentários realizados entre 2012 e 2018, a pesquisadora utilizou uma metodologia chamada de modelagem computacional.
Lerner explica que a modelagem consiste na criação e utilização de modelos matemáticos e códigos computacionais para a análise de sistemas complexos.
“Analisei os comentários como um discurso coletivo e busquei pelas recorrências e pelos contextos intra-textuais. Adotei a modelagem em rede, que ao transformar os textos escritos em redes de palavras, desvela relações que as palavras estabelecem umas com as outras, numa perspectiva mais matemática do que sintática”.
A pesquisadora afirma ainda que apesar da abordagem computacional, a análise depende fortemente da subjetividade do pesquisador na interpretação dos resultados. Tal forma de pesquisa tem sido chamada dentro do novo campo das Humanidades Digitais de métodos mistos.
“Assim, revelando as palavras que ocorrem conjuntamente de forma mais frequente nos comentários, recomponho na rede o contexto de enunciação coletivo. Isso feito, volto ao contexto original de enunciação, aos comentários, para compreender os sentidos dados para cada uma das palavras mais frequentes”, conclui.
Sobre a pesquisadora
Formada em jornalismo, mestra em Sociologia pela USP e doutora em Ciências Humanas e Sociais pela UFABC, com período de intercâmbio (PDSE/CAPES) no Digital Media Research Centre da QUT, na Austrália.

Fonte: Portal Imprensa
Créditos: Portal Imprensa