'Canibais' que viveram na Paraíba são condenados a mais de 20 anos de prisão

Após mais de vinte horas de julgamento, Jorge Beltrão, Isabel Pires e Bruna Silva foram condenados pela morte, esquartejamento, ocultação de cadáver e prática de canibalismo contra a adolescente Jéssica Camila, de 17 anos. A filha da vítima, que estava em poder do trio, na época com dois anos, também teria comido a carne humana. O crime aconteceu em 2008, em Olinda, e os envolvidos alegaram participar de uma seita denominada "Cartel". Para eles, a morte brutal da vítima era uma forma de purificação.

Após mais de vinte horas de julgamento, Jorge Beltrão, Isabel Pires e Bruna Silva foram condenados pela morte, esquartejamento, ocultação de cadáver e prática de canibalismo contra a adolescente Jéssica Camila, de 17 anos. A filha da vítima, que estava em poder do trio, na época com dois anos, também teria comido a carne humana. O crime aconteceu em 2008, em Olinda, e os envolvidos alegaram participar de uma seita denominada “Cartel”. Para eles, a morte brutal da vítima era uma forma de purificação.

Um dos casos atribuídos ao trio foi registrado no município do Conde, no Litoral Sul paraibano. A vítima identificada apenas como Iolanda teria sido morta pelo grupo na cidade. A polícia ainda investiga se a data de seu desaparecimento coincide com a época em que os ‘canibais’.

O corpo de jurados, composto por quatro mulheres e três homens, considerou os três culpados pela prática de homicídio quadruplamente qualificado, ocultação de cadáver e vilipêndio (por molestarem o corpo após o assassinato). A sentença foi dada pela juíza Maria Segunda Gomes de Lima. Bruna Silva e Isabel Pires foram condenadas a 19 anos de reclusão, um ano de detenção e 120 dias de multas. Jorge Beltrão terá que cumprir 21 anos e seis meses de reclusão, mais um ano e seis meses de detenção e 320 dias de multa. A defesa dos três adiantou que vai recorrer. As mulheres já estão presas na Colônia Penal Feminina de Buíque e o acusado está no Complexo Prisional do Curado.

Depois de proferir a sentença, a magistrada declarou a tipificação das penas. “O Jorge deverá cumprir 20 anos de reclusão por conta do homicídio, mais um ano e seis meses de reclusão por ocultação de cadáver e mais um ano e seis meses de detenção por vilipêndio. Elas terão que cumprir 19 anos de reclusão do homicídio e da ocultação de cadáver e mais um ano de detenção por conta do vilipêndio”, detalhou Maria Segunda Gomes. A pena da reclusão só pode ser cumprida em regime fechado, diferente da detenção, que pode ser em regime semiaberto.

Pela primeira vez, desde a fase de inquérito, os acusados conhecidos como ‘Canibais de Garanhuns’ quebraram o silêncio e se pronunciaram sobre os crimes. O professor de educação física Jorge Beltrão, apontado como líder, confessou ter matado a vítima. As outras acusadas admitiram auxiliar na ocultação do cadáver. E os três negaram ter fabricado salgados com carne humana.

O julgamento dos acusados durou dois dias. A princípio, foram ouvidos os depoimentos das testemunhas, o delegado Paulo Berenguer, responsável pela investigação, e o psiquiatra Lamartine Holanda. Em seguida, Jorge Beltrão, Isabel Pires e Bruna Silva falaram. Nesta sexta, foi aberta a fase de debates. Por último, o corpo de jurados se reuniu em uma sala reservada para responder o questionário sobre o caso e definir o veredito.

O julgamento – Testemunhas
A primeira testemunha a depor, na manhã da quinta-feira, foi o psiquiatra Lamartine de Holanda. O especialista foi enfático ao dizer que Jorge Beltrão não sofre de transtorno psíquico. “A esquizofrenia é uma forma de rotular algo que não existe. Mesmo assim, das várias formas de se interpretar essa ‘doença’, nenhuma se aplica ao caso”, declarou. A testemunha de acusação trabalhou como perito no caso. O laudo psiquiátrico, solicitado pela defesa, revelou que “os três são independentes e mentalmente sãos”.

Em seguida, o delegado Paulo Berenguer, responsável pelo inquérito policial, prestou depoimento. De acordo com o investigador, os três confessaram o crime e cada um tinha uma responsabilidade na ação. “Isabel, por exemplo, cooptou Jéssica. Eles também admitiram o canibalismo. A carne era temperada normalmente pelas acusadas e servida junto com o resto da comida. A idéia era comer a carne purificada da vítima para que a purificação atingisse a todos”, acrescentou.

O julgamento – Acusados
O primeiro acusado a prestar depoimento foi Jorge Beltrão, apontado como mentor dos crimes. Ele contou – de olhos fechados – os detalhes do esquartejamento. Ainda alegou nunca ter sido consultado pelo psiquiatra forense Lamartine de Holanda. Disse tomar remédio controlado e confirmou que a morte de Jéssica estava escrita no livro “Relatos de um Esquizofrênico”, de sua autoria.

Durante o depoimento, disse estar arrependido da morte de Jéssica e dos crimes praticados em Garanhuns, mas não quis falar sobre os casos do Agreste. “Foi um momento de extrema fraqueza e me sinto na posição das pessoas que perderam seus entes queridos. Minha verdadeira prisão é minha consciência. Meus colegas de cela ficam agoniados quando estou sem remédio porque dizem que eu fico nervoso, agitado. Mas eu não lembro disso. Essa depressão é por causa das vítimas”, disse.

Quando questionado sobre quantas pessoas tinha matado, foi categórico ao dizer que foram “só as três”, lembrando os outros dois corpos que foram encontrados no quintal da casa em que vivia em Garanhuns, em 2012, quando os crimes foram descobertos. Sobre a Cartel, disse tê-la criado há muito tempo, mas não havia atividade. “Cheguei a fazer doações para ONGs e umas três ou quatro famílias. Fazíamos doações de alimentos e denominamos de Cartel. Foi quando resolvi fazer esse trabalho com Bel e Bruna”. Terminou o depoimento pedindo para rezar. “Pai celeste, em nome do seu filho Jesus, obrigado pela oportunidade de falar a verdade. De estar aqui pagando por algo que fiz. Também gostaria de pedir consolo para as famílias que perderam seu parentes e também por Bel e por Bruna”.

Isabel Cristina Pires da Silveira
A primeira das mulheres a se pronunciar foi Isabel Pires e o depoimento durou aproximadamente duas horas. A acusada disse não ter participado da morte de Jéssica. “A conheci porque estava querendo um filho para criar e fiquei comovida com a menina (filha da vítima), que estava desnutrida”, contou. “Entendo que ajudei na ocultação do cadáver, mas não estava na hora do esquartejamento. Eu subi, fiquei com a criança. Quem esquartejou foi só o Jorge”. E detalhou a execução. “A Bruna pegou a faca das minhas mãos e entregou para que ele a matasse. Eu estava segurando a pequena. Fiquei muito nervosa. Ela disse que comeu a carne de Jéssica grelhada com arroz. A criança também comeu. Ela estava lá com a gente, estava fazendo parte da família”.

No depoimento, justificou o silêncio diante dos crimes do marido. “Sou dependente emocional de Jorge. Fiquei calada com medo de que ele me deixasse”, confessou. Isabel Pires admitiu ter mentido para a polícia sobre a fabricação de salgados. “A parte da coxinha não era verdade. Eu a inventei porque estava com medo de apanhar na delegacia e queria ir para o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP) com eles”, disse. Segundo ela, Bruna Silva, a outra acusada, ligava para as vítimas, mas Jorge Beltrão era o responsável pela seleção. “Havia uma outra pessoa a ser executada. Porque o Jorge tinha esse negocio de Cartel. Mas antes de Jéssica não teve morte alguma”, salientou. “A gente queria purificação, cuidar das pessoas, procurar aquelas que tinham problemas, não trabalhavam e não tinham objetivo”, concluiu a ré.

Bruna Cristina de Oliveira da Silva
De acordo com a acusada, Jéssica foi escolhida por ser uma menina de rua, mas havia outra pessoa para ser levada. “Uma tal de Jandira, outra moradora de rua que tinha 20 anos. A gente ia sequestrar a criança, mas não tínhamos condições de pagar pelo registro. Por isso, decidimos pegar a Jéssica, que era mais nova e mais humilde. Era uma presa mais fácil”. Ao detalhar a morte da adolescente, a ré também alegou não ter participado do esquartejamento.

“Por medo, por ameaça do meu pai, tive que fugir de casa e não dei qualquer noticia para a minha mãe durante sete anos. Eu fiquei apavorada. Nunca vi isso nem em filme. Jogos Mortais perdia. Minha Nossa Senhora, tremi tanto. Eu e Isabel limpamos tudo e pegamos os restos mortais. O Jorge cavou quatro buracos”, explicou. A acusada, no entanto, diferente da outra ré, disse que a menina não comeu a carne da própria mãe. “Eu comi porque o Jorge disse que na Bíblia estava escrito que se matasse tinha que comer. Mas eu revirei a Bíblia toda e não achei isso”, debochou.

Segundo ela, o comportamento do acusado mudou com o passar do tempo. “No começo de tudo, o Jorge parecia ser um homem normal, mas ao conviver com ele fui começando a ver as bipolaridades mentais”, destacou. Ao ser questionada sobre a sanidade dele pela promotoria, não hesitou. “Normal ele não é”.

O sarcasmo da acusada durante as resposta levou a promotora Eliana Gaia a pedir seriedade e a perguntar o porquê do riso. “Eram eles que me mandavam fazer as coisas. Eu só tinha que fazer. Crime de falsidade ideológica e participar de homicídio. Tudo ideia deles”, tangenciou. Para a defesa, Bruna Silva disse que Jorge Beltrão era o líder do Cartel, embora, em depoimento, o acusado tenha dito que não existia líder na seita. “Hoje eu sou uma pessoa que tem que pagar pelo que fez, pelas coisas que eu encobri. Gostaria de pedir perdão a Seu Emanuel, pai de Jéssica, apesar de eu não conhecê-lo”, concluiu.

O julgamento – Fase de debate

Defesa dos acusados
Tereza Joacy , que defende Jorge Beltrão, pediu a semi-imputabilidade do acusado para que ele fosse tratado como doente e tivesse a pena reduzida. Na argumentação, tentou fazer com que ele fosse levado para um manicômio judiciário e não presídio comum. “Ele precisa de tratamento”, disse.

O advogado Rômulo Lyra leu trechos do livro “Relatos de um Esquizofrênico”, de autoria de Jorge Beltrão, para embasar a defesa de Bruna Silva. “Ela tinha medo de morrer. Era uma vítima em potencial. Uma prisioneira dele”, argumentou. Ainda de acordo com o advogado, a ré pediu o direito de cursar uma faculdade a distância enquanto cumpre pena.

Por sua vez, Paulo Sales, contratado por Isabel Pires, apresentou um vídeo com a entrevista de um dos irmãos do réu. Na filmagem, ele diz que não tem casos de esquizofrenia na família. Conta que o acusado sempre foi naturalista e evitava comidas com carne, além de ser agressivo. Ainda acrescentou que a cliente era dependente de Jorge, abdicava da estima, dos sentimentos em prol dessa dependência. O advogado defendeu a tese de que Isabel foi alvo de uma coação irresistível. “Ela estava sob ameaça, sob domínio, sob tutela de Jorge”. Ainda segundo Paulo Sales, a mulher teria pedido para ficar presa no lugar do acusado para que ele não sofresse.

Réplica
O Ministério Público salientou o comportamento agressivo de Jorge Beltrão, ainda na infância, detalhado pelo irmão do acusado. Para a promotora Eliana Gaia, era uma criança normal, mas levada. “Ele não respeitava e fazia suas próprias leis. Só levanta essa loucura quando quer se beneficiar financeiramente ou processualmente”, complementou. Sobre Isabel Pires, foi categórica: “o que ela tem não é amor. É falta de respeito com ela mesma. Não foi para a delegacia porque não quis. Aceitou viver o triângulo amoroso porque era bom para ela. Se não fosse, não aceitava”. E sobre a última acusada, “Bruna é assim. É a canibal feliz”.

Diário de Pernambuco