A saúde é a pior doença do Governo

Gilvan Freire

As evidências de que RC talvez não estivesse ainda maduro para governar a Paraíba não chegam a surpreender aqueles que nos primeiros anos da administração de Cássio descobriram mais de perto que também ele revelava traços de imaturidade e amadorismo em seu governo. Parece até que o bafejo e incenso feitos aos líderes jovens por seus próprios eleitores e fãs os capacitam para exercer cargos que nem eles têm certeza de que pode dar certo. No caso de Cássio, que se esperaria pudesse acontecer também com Ricardo Coutinho, no final das contas o governo foi aprovado, mas não se sabe quanto custaram ao povo as omissões, erros, recuos e contradições cometidos ao longo do período governamental.

Enquanto Cássio tropeçava em seus desacertos, mas buscava contemplar os descontentes e abria várias frentes de diálogo com a sociedade, RC desconstitui sua própria imagem de líder e avança como um trator desgovernado sobre os núcleos mais importantes da população, que opinam de forma contrária a seu modelo de gestão. RC e Cássio têm a virtude da dedicação exclusiva ao trabalho, isso é inegável, mas pouco rende a um homem trabalhador se o papel por ele escolhido é o da desconstrução, e não o da edificação. Além do mais, no caso de RC, o local por ele escolhido de trabalho é um horto de cactos espinhentos, e não onde florescem árvores frutíferas e rosas, ou até mesmo girassois.

Líder outrora dos segmentos sociais mais exigentes de uma saúde pública de qualidade e universal, RC estraçalhava-se no enfrentamento aos governos que deixavam pobres morrer sem hospital e remédio, e era um crítico fervoroso e temido de qualquer outra solução que não viesse através do papel público que o Estado se obriga a ministrar.

AS CONVENIÊNCIAS MUDAM OS HOMENS MUTÁVEIS
Há homens extraordinários que mudam o mundo à custa de sua própria vida, como fizeram, entre os maiores, Cristo e Gandhi. Outros, como Mandela e Lula, transigem apenas para que povos atormentados pela fome e discriminações odientas ressuscitem dos porões das novas civilizações que escravizam pela opressão da riqueza e pela inércia de governos comprometidos com a selvageria capitalista do mundo. RC é de outra categoria: é dos fracos mesmo, os que mudam de caminho para não reencontrar com as pegadas de seus próprios passos e não ter de cruzar com os que fizeram juntos as mesmas travessias do deserto. É daqueles que basta chegarem ao poder para deixar de cumprir os papeis que exigiam dos outros. Se tiver de vencer, caindo mais tarde em merecimento perante Deus, ainda assim, o vencedor não será mais aquele velho Ricardo cansado de muitas guerras. É triste esse fim!

A ENFERMIDADE DO GOVERNO VEM DO CONTÁGIO DE RC
Ricardo Coutinho não tem o menor respeito pelo que a lei exige de seus atos, talvez porque não tema o Judiciário e o Ministério Público. Fez sem licitação um contrato com a Cruz Vermelha (franquia constituída a toque de caixa para realizar operações nebulosas público-privadas), mas agora, advertido, está desfazendo o contrato para realizar outro, após a Assembleia autorizar. Antes fez isso também em proveito de um shopping, sem licitação prévia e sem sequer estabelecer exigências. Cancelou recentemente o contrato com o Banco do Brasil, na questão da folha, porque o governo anterior teria escolhido a instituição bancária sem licitação.

Agora renova, sem licitação, com o mesmo Banco do Brasil o pacto que condenou, só porque nenhum banco no país quis participar da licitação aberta, com medo da insegurança jurídica do contrato e da instabilidade do governante. Esse, sim, é que é trauma. O governo está fragilizado, todos percebem, até os bandidos. Só quem ainda tem medo de RC são os servidores públicos e os políticos, mas as organizações criminosas, quando não puderem ganhar dinheiro com a atual administração, vão enfrentá-la através da delinquência. E a delinquência atua em duas áreas, a da bandidagem comum, e a do colarinho branco, que assalta os cofres do Estado sem o uso de armas letais. Ambas sabem que RC está cambaleante, e se aproveitam. Não há maior desgoverno que um governo vulnerável e enfermo.

ESTÃO METENDO A PUA NO TRAUMA
Não se trata mais de furar a cabeça dos doentes com furadeiras e brocas de oficina mecânica, mas de furar os cofres públicos com puas manuais, um trado antigo, antecessor das perfuratrizes modernas, destinado a romper paredes e devassar esconderijo de prata e ouro.

O nome da pua na atualidade é OSS – Organização Social de Saúde, um dos tipos dessa entidade que irá substituir RC como gestor da saúde pública na Paraíba, logo uma empresa privada que o eleitor paraibano jamais pensou em escolher nas urnas para gerir essa atividade estatal, entregue pelo povo a Ricardo.

Segundo o Plano Diretor da Reforma do Estado, Lei Federal nº 9.637/98, os serviços de saúde nem seriam somente públicos, nem privados, mas passariam a ser ‘públicos não-exclusivos’, realizados por ‘organizações sociais sem fins lucrativos’. O objetivo é, entre aspas:

“transferir para o setor público não-estatal esses serviços (principalmente saúde), através de um programa de “publicização”, transformando as atuais fundações públicas em organizações sociais, ou seja, em entidades de direito privado, sem fins lucrativos, que tenham autorização específica do Poder Legislativo para celebrar contrato de gestão com o Poder Executivo e assim ter direito a dotação orçamentária; lograr maior autonomia e uma conseqüente maior responsabilidade para os dirigentes desses serviços; lograr adicionalmente um controle social direto desses serviços …; lograr, finalmente, uma maior parceria entre o Estado, que continuará a financiar a instituição, a própria organização social, e a sociedade a que serve e que deverá também participar minoritariamente de seu financiamento via compra de serviços e doações; aumentar, assim, a eficiência e a qualidade dos serviços …”.

Continuaremos na segunda-feira, final da tarde. Veja o que está acontecendo em São Paulo, berço dessa experiência nefasta, aonde RC foi buscar inspiração nos laboratórios do PSDB, FHC, Serra e Alckmin. E qualquer semelhança será mera coincidência?