Uma preocupação a mais

TESTAMENTO DAS REDES SOCIAIS: pandemia aumenta interesse por herança digital no Brasil

A discussão sobre a herança digital aumentou consideravelmente com a presença maciça dos cidadãos nas redes sociais. 

As discussões sobre herança digital ganharam notabilidade com o aumento cada vez maior de pessoas presentes nas redes sociais. Dessa forma, o cotidiano do mundo físico, seus conflitos e interesses, passou a ser reproduzido na internet. Nessa nova realidade, uma pergunta passou a fazer parte da rotina de muitas famílias: o que devo fazer com o perfil de um parente que vier a falecer?

Se antes a discussão sobre a herança de um falecido ficava limitada a bens pessoais, a exemplo de imóveis,  automóveis e objetos, uma preocupação tem se estabelecido no século XXI: o que fazer com os seguidores virtuais, as mensagens, os arquivos, as fotografias, vídeos e demais arquivos publicados por quem já foi a óbito?

O assunto recebeu ainda mais atenção com a pandemia da Covid-19, devido à grande quantidade de mortes provocadas no Brasil. Até ontem (26), eram 307.326 óbitos em todo o país. Na Paraíba, já são 5.452 mortes. Todos os dias, são milhares de pessoas que perdem suas vidas. E deixam, para além dos bens físicos, um acervo online que se torna, muitas vezes, um memorial de lembranças e lamentações.

No mundo jurídico, o assunto tem mobilizado um número cada vez maior de acadêmicos e advogados que buscam soluções para esse conflito. Não há uma legislação aparentemente clara sobre o assunto, por isso são cada vez mais frequentes perguntas sobre ‘o que fazer?’. Na Paraíba, embora ainda não tenha alcançado os tribunais, o dilema também já faz parte do cotidiano de muitas famílias,

E para responder a algumas dessas perguntas, a reportagem do Polêmica Paraíba conversou com o advogado Cláudio Picolli, especialista no assunto e que acompanha de perto a evolução do debate sobre Direito Sucessório, sobretudo quanto a herança digital. Ele apontou algumas soluções para quem está vivo evitar que seus dados se tornem motivo de conflito no futuro.

“A primeira delas é a elaboração de um testamento. O Código Civil não determina que o testamento deve ser limitado a bens tangíveis, sendo assim, é possível que uma pessoa manifeste sua vontade em relação à sua herança digital, independentemente de ela ser reconhecida pelo ordenamento jurídico. Outra medida é a criação de um planejamento sucessório, documento que traz um conjunto de estratégias que dispõe como serão gerenciados os bens do indivíduo, inclusive os digitais” disse.

Confira a entrevista na íntegra a seguir:

FN – O QUE VEM A SER HERANÇA DIGITAL E POR QUE DEVEMOS NOS PREOCUPAR COM ISSO?

CP – No direito brasileiro inexiste legislação especifica que trate sobre a herança digital. Nesse sentido, tal instituto também não possui um conceito ou definição específica. Alguns projetos de lei tramitam/tramitaram no Congresso Nacional, mas não foram aprovados. Até mesmo legislações recentes, como o Marco Civil da Internet e a LGPD, tratam do tema.

Não obstante isso se pode conceituar herança digital o conjunto de contas, materiais, conteúdos e acessos de meios digitais. Esses ativos possuem condição especialmente distinta de qualquer outro bem que compõe a denominada herança tradicional, posto que armazenados, publicados ou utilizados em plataformas online, possuindo o caráter de manifestação pessoal.

Observa-se que a herança digital pode ser composta unicamente de um conjunto de materiais que apresentam valor subjetivo, como opiniões, interações e produções criativas, sem qualquer valoração econômica. Por outro lado também pode ser composta por assinaturas, serviços vitaliciamente pagos, plataformas com algum valor ou, ainda, contas que contenham um valor financeiro potencial, como criptomoedas.

FN – DEVEMOS TER CUIDADO COM A HERANÇA QUE VAMOS DEIXAR NAS REDES SOCIAIS?

CP – Como dito acima, ainda não há no Brasil um procedimento definido para o destino dos bens digitais, pois no momento atual esse assunto está só começando a ser observado, e ganhando espaço para o início de uma discussão aprofundada, sendo, portanto necessário que o proprietário do conteúdo digital adote procedimentos que possibilitem a terceiros por ele escolhidos acesso a tais bens, seja para sua preservação no ambiente virtual ou mesmo para sua exclusão.

FN – COMO OS FAMILIARES DOS MORTOS DEVEM AGIR PARA PRESERVAR ESSA MEMÓRIA?

CP – Essa questão não é de fácil solução, por não se tratar de bens materiais. Na maioria das vezes os bens digitais de uma pessoa estão armazenados em algum serviço on-line acessível apenas por meio de uso de senha pessoal.

Existem precauções a serem adotadas, como por exemplo, o uso de serviços de armazenamento “na nuvem” que protejam os arquivos e possibilitem a configuração de acesso de terceiros no caso de morte do proprietário, o que permite a continuidade da conta, com algumas restrições, com o intuito de preservação da memória digital do falecido.

Algumas redes sociais e serviços on-line começam a se sensibilizar para a questão e oferecem soluções para isso, definindo tipos de autorizações de acesso de terceiros e poderes relacionados, como, por exemplo, acesso por advogados com procuração, além da possibilidade de exclusão da conta com a apresentação do atestado de óbito.

FN – JÁ EXISTE UMA ÁREA DO DIREITO ESPECIALIZADA NESSE ASSUNTO? COMO TER ACESSO?

CP – O Direito das Sucessões é ramo que trata da herança digital. Entrementes tal instituto não se limita a essa disciplina, posto que também aborda matérias e direitos existenciais e, portanto, os direitos da personalidade, como, por exemplo, o direito à privacidade.

FN – NA PANDEMIA, ESSE TEMA GANHOU MAIS REPERCUSSÃO? QUAIS OS IMPACTOS DA COVID-19 NA HERANÇA DIGITAL? HÁ EXPERIÊNCIAS CONCRETAS QUE VOCÊ PODE CONTAR?

CP – A discussão acerca da herança digital ganhou novos e maiores contornos com a pandemia de relevância internacional ocasionada pelo COVID-19. Os óbitos provocados pelo Coronavírus trouxeram reflexões sobre a finitude da vida e questões que não estavam devidamente ajustadas pela maior parte da população, a exemplo do planejamento sucessório.

A pandemia fez com que as pessoas voltassem suas atenções para temas do Direito das Sucessões, mais especificamente o planejamento sucessório, que engloba, atualmente, o destino dos denominados bens digitais. Com a real possibilidade não resistir a nova enfermidade em um curto espaço de tempo, os as pessoas se deram conta de que nunca conversaram com seus parentes mais próximos sobre seus desejos e expectativas na hipótese de uma morte prematura.

O isolamento social obrigou a migração de diversas atividades para o ambiente virtual e, por via reflexa, impulsionou a utilização de ferramentas tecnológicas no dia a dia das pessoas, o que ampliou a produção de conteúdos digitais.
A necessidade de regramento dessas situações no direito brasileiro pós pandemia se faz ainda mais necessária.

FN – HÁ AÇÕES JUDICIAIS NA PARAÍBA EM TORNO DESSE ASSUNTO?

CP – Em busca realizada no site do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba não foi encontrado nenhum resultado sobre ações relacionadas ao tema.

FN – QUAL O CONSELHO VOCÊ DEIXA PARA OS INTERNAUTAS. DEVEM SE PREOCUPAR A PARTIR DE AGORA COM ESSE TEMA?

CP – Não obstante a ausência de legislação específica sobre a herança digital é importante que as pessoas adotem medidas para evitar problemas legais quando houver necessidade de transmitir bens e direitos digitais aos seus herdeiros.

A primeira delas é a elaboração de um testamento. O Código Civil não determina que o testamento deve ser limitado a bens tangíveis, sendo assim, é possível que uma pessoa manifeste sua vontade em relação à sua herança digital, independentemente de ela ser reconhecida pelo ordenamento jurídico.
Outra medida é a criação de um planejamento sucessório, documento que traz um conjunto de estratégias que dispõe como serão gerenciados os bens do indivíduo, inclusive os digitais.

Fonte: Polêmica Paraíba
Créditos: Polêmica Paraíba