opinião

NÃO CONSIGO COMEMORAR UMA MORTE - Por Rui Leitão 

Não consigo comemorar uma morte. Seja qual for a forma como ela aconteça. Principalmente se a ocorrência se dá como resultado de assassinato.

Não consigo comemorar uma morte. Seja qual for a forma como ela aconteça. Principalmente se a ocorrência se dá como resultado de assassinato. Ninguém tem o direito de tirar a vida do semelhante. A sociedade contemporânea é estimulada a adotar comportamentos que não se justificam, amparada na compreensão de que criminosos merecem morrer. A justiça vingativa, se tornando algo encarado como normal. A lógica autoritária e justiceira de que “bandido bom é bandido morto” se tornando regra aplaudida e legitimando as execuções cometidas por policiais.

A sociedade brasileira contemporânea está sendo influenciada pelo alto grau de indiferença e banalização da morte. Somando a isso, a manifestação de um sentimento de medo e insegurança, diante da violência que assusta, promovendo uma reação de raiva e indignação que motiva o entendimento de que é necessária uma limpeza moral a partir da eliminação dos criminosos que oferecem perigo à sociedade. Esse discurso justiceiro se fortalece também em razão do baixo nível de confiança nas instituições do sistema de justiça penal. Então está disseminada entre nós, lamentavelmente, uma cultura punitivista desumana. Para muitos, esses criminosos tidos como monstros despidos de humanidade, se colocados à disposição da justiça formal, teriam tratamento por demais benevolente, merecendo, portanto, justiçamento sumário, sem o direito de continuarem a viver.

Esta reflexão surge ao analisarmos o espírito de comemoração observado em boa parte da população, incluindo altas autoridades do país, quando noticiada a morte do estuprador Lázaro Barbosa, numa operação policial no estado de Goiás. A notícia é que foi alvejado por, no mínimo, trinta e oito tiros, disparados por duzentos e setenta policiais fortemente armados. A pergunta é: qual o risco de vida que o bandido oferecia aos policiais que participaram da captura? Porque a opção em executá-lo, quando se sabe que poderia ser útil, vivo, já que supostamente era alguém que estava a serviço de fazendeiros da região? Esse arquivo morto talvez interessasse a alguns.

Quando comemoramos a morte de um ser humano, estamos celebrando a desumanização da população. Sobra a barbárie´. Sinceramente, não vejo o que festejar, parabenizar ou exaltar. Vejo isso como a comprovação de que nosso sistema de justiça está comprovadamente em falência. Policiais exibiam seu corpo abatido, como se fosse um troféu. A opinião pública e as forças policiais com os ânimos exacerbados e em estado de pânico, comemoraram a execução de quem elegeram como inimigo da sociedade.

A propósito, concluo este texto, transcrevendo parte do posicionamento firmado pelo defensor público paraibano Dirceu Abimael de Sousa Lima, sobre o tema, com o qual concordo plenamente.

“A problemática não é ele merecer morrer ou não, o que já é absurdo a nível humanitário, mas o excesso de balas contra ele desferidas, como se tal demonstração servisse como revide ao afrontamento policial.
E isso, no meu entender, não se justifica. O excesso do dever policial não se premia e nem tão pouco pode ser aclamado, por mais perigoso que fosse o Lázaro, porque afronta o direito natural à vida.
O dever policial deve ser exercido dentro um limite moral, porque é esse limite que impede o subjetivismo, difícil de ser avaliado, como foi o caso”.

Disse tudo. Nada mais a acrescentar.

Fonte: Rui Leitão
Créditos: Rui Leitão