ATAQUES A ESCOLAS

"Massacres geram efeito imitação, atiradores querem fama", diz psicólogo americano

No debate sobre o fenômeno americano de massacres em escolas, um dos poucos consensos é o de que esses episódios estão se tornando cada vez mais comuns

No debate sobre o fenômeno americano de massacres em escolas, um dos poucos consensos é o de que esses episódios estão se tornando cada vez mais comuns.

Apesar de estatísticas divergentes e de dificuldades em calcular o número exato de casos e vítimas, as estimativas mais conservadoras indicam que só neste ano ocorreram pelo menos seis incidentes em que estudantes ou professores foram alvo de ataques – o mais recente nesta semana, na Flórida.

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Em um momento em que o país registra taxas de criminalidade historicamente baixas, esse tipo específico de violência vem aumentando. O fácil acesso a armas costuma ser apontado como um dos motivos. Mas, antes disso, o que leva um jovem em primeiro lugar a decidir pegar em armas para cometer um ataque?

Segundo o psicólogo Peter Langman, um dos maiores especialistas do país no assunto, um dos fatores pode ser o que ele chama de “efeito imitação” ou “efeito de contágio”, em que atiradores buscam alcançar a mesma “fama” de massacres anteriores.

“Alguns desses ataques ganham tanta atenção da mídia que isso acaba se tornando muito desejável para outras pessoas, e elas podem acabar tentando seguir os passos desses autores”, disse Langman em entrevista à BBC Brasil.

Esse efeito significa que, quanto mais ataques desse tipo ocorrem, mais vão ocorrer no futuro. “É como se esse fenômeno estivesse se alimentando de si mesmo.”

Cobertura e redes sociais
Segundo Langman, a intensa cobertura desses ataques, ampliada ainda mais pela internet e pelas redes sociais, acaba servindo como fonte de inspiração para futuros atiradores.

Além disso, o destaque dado ao número de vítimas e à magnitude de cada tragédia pode criar uma espécie de ranking, que os futuros autores tentam superar.

“Muitos atiradores escreveram comentários sobre isso. Eles querem conseguir tanta fama quanto o atirador anterior. Ganhar reconhecimento imediato. Entrar para a história. Querem ser famosos”, diz o psicólogo.

Assim como outros especialistas, ele recomenda minimizar o uso do nome do atirador na cobertura desses episódios, não publicar seu retrato, evitar dar muita ênfase ao número de mortos e não usar termos como “o maior”, “o pior” ou outros tipos de comparação ao descrever o ataque.

“Evitar tudo que possa tornar o atirador um tipo de herói para outras pessoas que estão em risco de cometer violência”, resume. “O melhor é sempre focar nas vítimas, e não no autor.”

Columbine
Langman começou a estudar a mente desses atiradores após o massacre na escola de Columbine, no Colorado, em 1999, que deixou 15 mortos (entre eles os dois autores) – e inspirou dezenas de ataques semelhantes nos anos seguintes, segundo depoimentos compilados pelo psicólogo.

Nesses quase 20 anos, publicou dois livros sobre o assunto e criou um site que reúne milhares de documentos sobre massacres em escolas nos Estados Unidos e em outros países.

Segundo o psicólogo, o perfil desses incidentes vem mudando. Ele cita uma pesquisa em que analisou ataques em escolas americanas ocorridos entre 1966 e 2015 e com pelo menos três vítimas.

Na primeira metade do período estudado, Langman identificou 17 ataques desse tipo. Nos 25 anos finais, foram 45.

“Também observei que, na primeira metade, os atiradores eram em sua maioria jovens adultos, com idade máxima de 40 anos, e brancos. Nos últimos 25 anos, vemos também atiradores mais velhos, com mais de 40, ou muito jovens, com menos de 16. E mais diversidade racial”, afirma.

“Me parece que os atiradores estão se espalhando por uma fatia mais ampla da população.”

Psicopatas, psicóticos e traumatizados
Langman identifica três tipos de autores nesses ataques: psicopatas (que apresentam falta de empatia e às vezes até sadismo), psicóticos (com indício de esquizofrenia ou transtorno de personalidade esquizotípica) e traumatizados (que sofreram trauma, abuso, cresceram em meio a violência). Mas o que pode desencadear a violência costuma ser uma combinação desses traços com fatores externos.

“É uma combinação de quem eles são com o que aconteceu com eles. Os atiradores tipicamente estão fracassando em várias esferas. Podem estar enfrentando problemas acadêmicos, geralmente têm problemas amorosos. Muitos gostariam de seguir carreira militar, mas foram rejeitados”, observa.

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O psicólogo ressalta que há muitos estereótipos sobre esse tipo de ataque. “Acho que o maior deles é o de que os atiradores foram todos vítimas de bullying ou que os responsáveis por bullying são os alvos. Isso é muito raro”, diz.

“Como muitos são adolescentes, eles geralmente sofreram provocações de alguma maneira. Mas não significa que foi isso que motivou o ataque. A maioria dos adolescentes passa por isso em algum momento da vida. E atiradores não sofreram esse tipo de problema mais do que qualquer adolescente típico.”

Segundo Langman, casos em que houve bullying, e às vezes até agressão física, são exceção.

Direito de imagemEPAImage captionEstudantes se reuniram com os pais perto da região após o fim do massacre
Armas
Tragédias como a da Flórida costumam ser seguidas por dias de debates sobre a necessidade de leis para restringir o acesso a armas (com pouquíssimas chances de aprovação no Congresso) ou de colocar ainda mais armas nas mãos da população.

Langman reconhece que a questão do controle de armas é complexa nos Estados Unidos, e prefere concentrar esforços em medidas de senso comum para evitar que armas caiam nas mãos de adolescentes.

“Os adolescentes muitas vezes usam armas que pertencem a membros da família. Mesmo crianças pequenas às vezes conseguem ter acesso”, ressalta.

“Meu foco é mais em educar a comunidade. Se você tem armas em casa e tem crianças, garanta que essas armas não estejam facilmente acessíveis.”

Ele critica o que considera foco excessivo das escolas em respostas a situações de emergência, em vez de prevenção.

Langman diz que é preciso educar professores, alunos e pais sobre sinais de alerta e criar um sistema que permita investigar esses casos antes que ocorra violência.

“Adolescentes costumam falar bastante sobre o que vão fazer. Podem dizer: ‘Vou trazer uma arma para a escola e matar pessoas’. Às vezes em suas redes sociais, às vezes conversando com amigos”, salienta.

“Geralmente seus amigos não acreditam, não levam a sério. E mesmo se estão preocupados, não sabem o que fazer com essa informação. É preciso que saibam como reportar esses casos, e as escolas precisam ter sistemas para investigar.”

Fonte: BBC
Créditos: BBC