EXPECTATIVA

Sobreviventes devem levar semanas para ter alta, diz diretor de hospital

"Todos permanecem na UTI. Neto tem o quadro mais crítico"

medicoDeve ser tratada como uma questão de semanas, e não de dias, a possibilidade de alta dos sobreviventes brasileiros da queda do avião da Chapecoense, informou, em entrevista à Folha, Ferney Rodríguez, diretor médico do hospital San Vicente, em Rionegro (a 45 km de Medellín, na Colômbia), onde o grupo está internado.

Clínico-geral, Rodríguez lidera uma equipe de 297 médicos, dos quais pelo menos dez a cada dia estão envolvidos no atendimento aos brasileiros Alan Ruschel, (lateral da Chapecoense, 27 anos), Helio Neto (zagueiro, 31), Jackson Follman (goleiro, 24) e Rafael Henzel (jornalista, 43).

Todos permanecem na UTI. Neto tem o quadro mais crítico. Único que continua sedado e entubado (respira com a ajuda de aparelhos), tem uma infecção pulmonar que não responde aos medicamentos e está em coma induzido.

Nesta segunda (5), Rodríguez e os médicos da Chapecoense que estão na Colômbia —o cardiologista Edson Stakonski e o ortopedista Marcos André Sognali— informaram durante uma entrevista coletiva que Alan e Rafael sairiam por um tempo da cama para sentar em poltronas pela primeira vez. Follman, que teve a perna direita amputada, também deverá sentar, mas um pouco depois, possivelmente na terça.

O San Vicente, que tem 103 anos, é um hospital universitário (associado à Universidade da Antioquia) mantido por uma fundação privada sem fins lucrativos. A sede atual –um edifício de arquitetura arrojada– tem apenas cinco anos. Rodríguez contou que um dos modelos para o novo hospital foi o Albert Einstein, em São Paulo.
*

Folha – O sr já teve antes uma experiência de cuidar de tantos pacientes críticos?
Ferney Rodríguez – Não, com uma dimensão dessas não. Creio que é um acidente de uma magnitude com que poucas instituições já lidaram, com 71 mortos e quatro sobreviventes muito críticos. Já tivemos pacientes muito críticos neste hospital, mas não nessas condições.

Qual o mais próximo disso que já viveu? Algo relacionado à onda de violência que atingiu a Colômbia num passado recente?
Sim. Nós temos um heliponto, e isso faz com nos cheguem muitos feridos por minas terrestres [segundo a ONU, o país é o segundo no mundo em número de minas, só atrás do Afeganistão; calcula-se que estejam espalhadas por mais de 60% do território colombiano] e por acidentes de trânsito, porque estamos próximos da autopista Medellín-Bogotá.

Profissionalmente, como define essa experiência? E do ponto de vista pessoal?
É um desafio pessoal e profissional de cada um dos que trabalham nesta instituição. Profissional porque são pacientes com politraumas, traumas muito fortes.

Follman está aqui desde o começo [os outros três foram primeiro para outros dois hospitais e em seguida transferidos para o San Vicente]. Como o sr. e os do hospital têm se relacionado com ele?
Com Follman temos tido uma proximidade importante, porque está conosco desde o início e também desde o início estamos em contato com a família, desde que [os parentes] ainda estavam no Brasil. Mas também temos um compromisso muito forte com Alan, Neto e Rafael e suas famílias.

Pode fazer uma estimativa de quando os pacientes sairão da UTI? E quando sairão do hospital rumo ao Brasil?
Ainda é muito difícil, porque a evolução do estado de cada um é muito frequente, a cada 12 horas, a cada 24 horas, o quadro se altera e podemos fazer mudanças no tratamento.

Mas estamos falando em dias ou em semanas?
Creio que cada um vai ter uma evolução distinta, a partir de qual iremos definindo com o corpo médico brasileiro a possibilidade de traslado de cada um. Mas creio que estamos falando de semanas.

Neto tem a situação mais grave e é o único que continua sedado e entubado. É possível saber quanto será retirada a sedação e a ventilação mecânica?
Neto está em estado muito crítico neste momento. Está sedado, em coma induzido, sua situação pulmonar é muito delicada. É o que mais nos preocupa dos quatro e ainda é muito apressado dar qualquer informação adicional.

Como tem sido o intercâmbio com os médicos brasileiros?
Tem sido muito respeitoso, muito acadêmico e todo em benefício da recuperação de cada um deles.

O sr conhece o Brasil, os médicos e hospitais do país? Quais as diferenças de estrutura e expertise médica em relação à Colômbia?
Não conheço o Brasil. Mas claro que sim, sei das características técnicas e da qualidade dos hospitais e dos médicos brasileiros, tenho a informação de que esse hospital foi construído com base em conhecimentos que se teve em alguns hospitais pelo mundo, entre eles um do Brasil.

Qual hospital do Brasil?
O Albert Einstein. Uma comissão deste hospital viajou para conhecer características do Albert Einstein e pode replicá-las aqui.

Psicólogos do hospital estão encarregados de passar, junto com as famílias, informações sobre o acidente. Como os pacientes reagiram?
Eles são muito fortes e reagiram com uma fortaleza impressionante. Estamos gratamente surpresos de como são fortes de de como tomaram essa situação e entendem que sua sobrevivência neste momento é um milagre. E cada um deles e suas família vão aos poucos entendendo e aceitando que agora têm que lutar junto conosco para que sobrevivam.

Mas os sobreviventes se lembram do que aconteceu, do desastre e do resgate?
Jackson [Follman] tem algo de memória. Com Rafael e Alan não conversei muito sobre isso. Mas Jackson contou um pouco do que se recorda.

E o que lhes contou?
Algo muito similar que já foi dito pelos bolivianos, que contaram muito mais nesse sentido. Saber o que aconteceu e que mesmo assim está vivo é também o que está lhe dando força para seguir lutando pela sua vida.

Quem pagará pela internação dos brasileiros?
Para nós isso não é a preocupação mais forte agora. Estamos focados na recuperação dos sobreviventes e sabemos que posteriormente haverá quem vai pagar por todos os cuidados que eles estão tendo.

Não se sabe ainda?
Nosso departamento encarregado desse assunto também está nesse contato. Mas nós que somos da parte diretamente clínica estamos mais preocupados em que se recuperem. [questionada, a assessoria de imprensa do hospital disse que se tratava de um assunto interno]

É possível estimar quanto custa por dia manter quatro pacientes nesse estado na UTI de uma instituição como essa?
É muito difícil e não tenho tampouco a informação precisa.

Para o sr., pelo que se sabe até agora, de quem é a responsabilidade pelo desastre?
Para mim é muito difícil falar de responsáveis, porque seria ter uma posição de juiz. E neste momento não tenho posição nem trabalho de juiz, mas de médico, então minha função é buscar que os quatro possam sair bem dessa instituição.

Fonte: Folha de S. Paulo