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Monica Iozzi lembra episódios de assédio e diz que mulheres vivem 'primavera' em 'momento de retrocesso'

Atriz diz ter sofrido assédio na época em que trabalhou como repórter em Brasília

O diabo tem sido figura recorrente para Mônica Iozzi. Depois de estrelar a série “Vade retro”, ela agora está em cartaz nos cinemas com “A comédia divina”.
No programa exibido pela Globo de abril a junho, a atriz era uma advogada ingênua seduzida por um sujeito com “nome-trocadilho” autoexplicativo: Abel Zebu, papel de Tony Ramos. No filme, ela é uma jornalista ambiciosa que faz pacto com demônio para subir na vida, papel agora de Murilo Rosa. Qual a diferença entre as duas versões?

“Tem uma coisa muito parecida e que tem a ver com toda a ideia sobre o diabo: o grande sedutor. O diabo é a personificação do desejo humano de errar. Ele não faz mal diretamente a ninguém. Ele apresenta possibilidades para que você faça mal, né? Te induz a fazer o mal, mas a escolha é sempre sua”, diz Monica Iozzi.

Nesta entrevista ao G1 por telefone, ela cita ainda que sofreu assédio na época em que trabalhou como repórter em Brasília. Entre 2009 e 2013, fez parte do “CQC”, exibido pela TV Bandeirantes. “Era tudo muito delicado, tudo muito velado, uma coisa bem nas entrelinhas”, descreve.

Também falou sobre a dificuldade que é denunciar casos do tipo, mas avaliou que vê hoje mais “união, empoderamento e sororidade” entre as mulheres: “De maneira geral e muitas vezes muito discreta, a gente está vivendo, sim, uma espécie de primavera das mulheres”.

Comentou, ainda, o caso em que foi condenada a pagar R$ 30 mil ao Ministro Gilmar Mendes depois de ter feito um post crítico a ele no Instagram. Usando o termo “censura”, avalia:

“Você proibir uma pessoa de se expressar, artisticamente que seja, ou uma opinião sobre política – isso é censura, fere a liberdade individual mais básica que existe”.

A atriz fala em “momento de muito retrocesso, muito conservador”:

“Você ter obras de arte sendo censuradas, exposições, peças de teatro, atores consagrados, como dona Fernanda Montenegro, recebendo discurso de ódio na internet (…). Isso é muito, muito perigoso (…), uma grande ameaça ao Estado de Direito”.

Leia, a seguir, os principais trechos da conversa:

G1 – Sua personagem em ‘A comédia divina’ é uma jornalista. Sugeriu alguma característica para o papel?
Monica Iozzi – A minha personagem, a partir de determinado momento da trama, fuma. Dei essa ideia porque, conforme a Raquel vai alcançado os objetivos, ela vai ficando cada vez mais ansiosa. E é justamente aquele ponto: quantas coisas a gente não sonha na vida e, quando alcança, fica perdida, sem saber o que fazer com aquilo? Queria algum elemento que trouxesse essa ansiedade, um lugar de fragilidade, insegurança.
Tem uma frase de uma peça do Bertold Brecht de que eu gosto muito. Ele fala o seguinte: “Não esqueça do objetivo na pressa da partida”.

Acho que a Raquel é um exemplo disso: ela estava tão alucinada para alcançar uma coisa, que meteu os pés pelas mãos. Isso tudo gera uma ansiedade muito grande.

G1 – Você já esteve em alguma situação assim?
Monica Iozzi – A gente passa por isso algumas vezes na vida. Profissionalmente, quando eu estava ali no finalzinho do primeiro ano do “CQC”, comecei a entender o que era ser uma pessoa pública, uma coisa em que eu nunca tinha pensado objetivamente… Fui entrando no concurso muito mais por curiosidade e diversão, nunca acreditei que fosse ganhar. De repente, ganhei. E, um ano depois, tinha me tornado uma pessoa pública.

Não virei extremamente famosa – mas, antes, eu era alguém que estava morando no interior, para estudar para o mestrado. Foi uma mudança gigantesca, muito rápida.

Ao mesmo tempo, [havia] o peso todo de estar trabalhando lá em Brasília, né? Eu estava trabalhando em um lugar pesadíssimo e me tornando famosa ao mesmo tempo. Era muita informação. Muitas vezes, eu me perguntava: “Meu Deus, como é que vim parar aqui?!”.

Uma coisa pela qual eu lutei, quer dizer, participei de um concurso para conseguir aquilo. E teve alguns momentos de dúvidas, de sofrimento.

G1 – Você já falou que, naquela época em que era repórter em Brasília, teve alguns episódios em que sofreu assédio. Assédio moral ou sexual?
Monica Iozzi – Acho que existe uma linha muito tênue que separa uma coisa da outra. Como é que você consegue separar o que é uma cantada e o que é um assédio sexual, né? O assédio sexual é quando uma pessoa se aproveita da posição dela para tentar ter algum tipo de relação com a outra, tendo como base essa pseudo-hierarquia – o poder.
Mas lá [em Brasília], quando isso acontecia, eu sentia que, no fundo, também tinha um quê de assédio moral, no sentido de que não necessariamente aquele homem estava dando em cima de mim. Ele estava querendo me intimidar.

Então, a priori, poderia parecer um assédio sexual, mas no fundo se falava como assédio moral. Mas era tudo muito delicado, tudo muito velado, sabe? Era uma coisa bem nas entrelinhas, assim.

G1 – O produtor de Hollywood Harvey Weinstein está sendo acusado de assédio por várias atrizes, como Angelina Jolie e Gwyneth Paltrow. Para uma pessoa pública, existe dificuldade de tratar desse tema ou é importante que o artista se posicione? O que acha disso?
Monica Iozzi – Estou pensando aqui junto com você. Mas acho que talvez esteja no meu plano agora.
Por mais que a gente esteja vivendo, num aspecto, um momento de muito retrocesso, muito conservador, ao mesmo tempo as mulheres, de um modo geral, estão nesse momento de união, de empoderamento, de sororidade.

Sei lá, você pega desde as mulheres poderem dirigir na Arábia Saudita até as manifestações aqui no Brasil, a Marcha das Vadias, as mulheres se colocando a todo momento, enfim.

Acho que a gente está vivendo, em relação à diferença, ao preconceito de gênero, um momento muito bom. É paradoxal, na verdade, né? Porque a gente vê um número cada vez maior de denúncias de estupro, de agressão. Aí, a gente também se pergunta: esse número cresceu ou o número de mulheres que se dispôs a comunicar é que cresceu? Não se sabe – eu aposto mais na segunda hipótese. Mas agora a gente está se sentindo mais protegida. Em muitos lugares, também a legislação está melhorando.

O problema do assédio sexual é a dificuldade de você comprovar, né? Vai ser sempre a sua palavra contra a da outra pessoa. Quando você é uma pessoa pública, como essas atrizes, por exemplo, tem um outro elemento que dificulta muito.

Já é difícil para uma mulher anônima lutar por esse tipo de exposição. Aqui no Brasil, por exemplo, o número de delegacias de mulheres é pequeno, não ficam abertas 24 horas por dia, muitas não abrem de sábado e domingo… Quer dizer, uma pessoa que é estuprada às 2h da manhã, ou ela enfrenta uma delegacia normal, que geralmente tem um tratamento muito desumano, ou ela tem que esperar para poder ir na delegacia da mulher no outro dia. E muitas vezes sem tomar banho, com aquela sensação no corpo, para poder fazer exame de corpo de delito…

Uma mulher anônima já tem toda essa dificuldade. Com uma mulher pública, isso vai ser exposto para o seu país inteiro – e, para essas mulheres que você citou, para o mundo inteiro.

Além de passar por essa experiência, você tem que ter essa maturidade, essa força para bancar essa exposição. Deve ser muito difícil. Nem imagino o que seja você ter sido estuprada por um produtor quando era uma jovem atriz. A gente não tem nenhum direito de julgar.

Mas o que acho interessante nesses casos é que, dentro dessa lama toda, algo bom está acontecendo: a gente está falando mais sobre isso. Em muitas das entrevistas que estou dando, em algum momento sempre a gente chega nesse ponto – e acho isso incrível.

De maneira geral e muitas vezes muito discreta, a gente está vivendo, sim, uma espécie de primavera das mulheres.

G1 – A exposição passa também pelas redes sociais dos artistas. Um tempo atrás, você decidiu que as suas redes não seriam mais abertas.
Monica Iozzi – Eu fechei tudo, na verdade. Não tenho mais nada.

G1 – É uma coisa irrevogável? O que levou você a essa decisão?
Mônica Iozzi – Não. É meu o jeitinho Mônica de ser (risos). Me dá vontade, vou lá e fecho. Não foi nada específico, não foi nenhum episódio específico que me fez sair. Foi só realmente esse momento de intransigência, de intolerância, de ódio que a gente está vivendo. Muita coisa não é nem direcionada a mim, a maioria dos comentários sempre foram positivos e de apoio.

Mas foi só uma tristeza mesmo, né? De viver esse momento de ódio e querer me retirar um pouco disso. Mas não consigo muito, não: daqui a pouco, eu volto.
Fechar tudo, fechei – perdi todos os meus seguidores. No dia em que quiser voltar, começo do zero.

G1 – Faz um ano que você foi condenada a pagar R$ 30 mil ao ministro Gilmar Mendes. Como foi isso?
Monica Iozzi – Ah, eu paguei deve ter uns dois meses, já. Demorou um pouco para sair na mídia, as pessoas ficaram sabendo depois que dei a entrevista no Bial [em julho]. O Gilmar Mendes fez questão de pegar o cheque que paguei para ele e, pessoalmente, ir numa instituição de caridade em Brasília e levar a imprensa, tirar fotos para mostrar que ele estava doando o que paguei. Olha só, que hombridade.

G1 – Foi desgastante para você ou foi tiop: ‘Vamos resolver e ponto final’?
Monica Iozzi – Desgastante sempre é, né? Porque, por mais que tenha sido uma decisão da Justiça que não é revogável e que já tenha sido pago, a maioria das pessoas pensam que você, se trabalha na TV, ganha rios de dinheiro. Não é assim. R$ 30 mil não é, nem de longe, pouco dinheiro para mim – vai fazer falta. Mas é a sensação de censura. Eu me senti censurada.

Se bem que, assim, ser censurada criticando um juiz do Supremo Tribunal Federal… Frente ao tipo de censura que a gente está vendo agora, a minha é até menos grave.

Você ter obras de arte sendo censuradas, exposições, peças de teatro, pessoas, atores consagrados, como dona Fernanda Montenegro, recebendo discurso de ódio na internet, enfim, prefeito de uma cidade condenando uma exposição de arte, quer dizer… Acho que, de repente, a minha condenação pode ter sido grave, mas infelizmente está se tornando comum, né? E isso é muito, muito perigoso. Talvez as pessoas não tenham atentado para isso ainda, mas isso é uma grande ameaça ao Estado de Direito.
Você proibir uma pessoa de se expressar, artisticamente que seja, ou uma opinião sobre política – isso é censura, fere a liberdade individual mais básica que existe. É muito perigoso. E o problema é que tem muita gente da população endossando esse tipo de pensamento.

Acho que o meu, de repente, foi o primeiro de alguns casos que estaremos passando. É muito grave e foi extremamente desgastante. Mas ele [Gilmar Mendes] propôs uma série de acordos, que eu preferi não fazer. E, a partir do momento em que não topei fazer os acordos, fui condenada e tive que pagar.

Fonte: G1
Créditos: G1