"A LEI PROTEGE O AGRESSOR"

Funkeira se esconde por medo de ex que tentou matá-la: ' Não posso andar na rua'

Durante o mês de fevereiro sofri ameaças quase que diárias e, em março, na última ligação, ele falou que não teria coragem de fazer nada, que era muito jovem e isso acabaria com sua vida

“Eu morava em Maria Paula, em Niterói, e agora estou me mudando, mas não posso falar para onde por questões de segurança. Eu tinha um relacionamento que – até então – era normal, com ceninhas de ciúme, mas sempre conversava com outras pessoas, até mais velhas, para saber se aquilo realmente estava dentro da normalidade, e todos diziam que sim.

Conheci meu ex-marido antes de começar a cantar funk. A gente se separou, eu comecei a namorar outra pessoa e, depois, voltei para ele quando já estava cantando.

Desde o começo, meu marido queria que eu largasse a música, mas sempre falei não. Acho que ele tinha esperanças disso acontecer e tentava me engravidar para me afastar dos palcos. Passamos seis anos morando juntos, mas nunca consegui esquecer este rapaz com quem me relacionei durante o hiato, e acho que isso ficou muito à mostra, deixando-o com mais ciúmes.

Ele disse em depoimento ao processo judicial que eu o traí, mas não é verdade. Não aconteceu nada. Foi uma decisão minha. Decidi me separar porque não gostava mais dele. Não sentia mais nada.

Vivemos do começo de dezembro até o final de janeiro deste ano dormindo na mesma casa, eu no quarto e ele na sala, até que dei um xeque-mate e disse que não tinha condições de viver assim. Eu o mandei embora e, depois de alguns dias, ele começou a me ameaçar muito, dizia que ia me matar e se matar. Eu sempre respondia que não adiantava ameaçar e o aconselhava que fosse viver sua própria vida.

Durante o mês de fevereiro sofri ameaças quase que diárias e, em março, na última ligação, ele falou que não teria coragem de fazer nada, que era muito jovem e isso acabaria com sua vida. No dia 4 de abril ele pulou a cerca-elétrica da minha casa às 4h da manhã com um facão, pronto para me matar.

Sempre fui uma mulher muito forte e deixava claro que, se ele me agredisse, eu terminaria e o denunciaria. Mas ele não entrou para me bater, e sim para me matar. Acho que quando a pessoa quer agredir e machucar, ela briga na rua, mas ali foi diferente, ele invadiu a minha casa.

Ele ficou preso por seis meses e agora vive em regime semiaberto, andando livremente por Niterói até às 18h, e depois vai dormir na cadeia. Quando estava preso, ele entrou em contato comigo para pedir desculpas e dizer que não tinha a intenção de me matar, só machucar, e pediu que eu mudasse meu depoimento na justiça. Mas eu estava lá. Quando você vê a pessoa, sabe das suas intenções.

Desde que recebi a notícia que ele foi solto, há três meses, tenho me escondido, vivo com medo. Eu durmo mal, às vezes viro a noite acordada e só consigo pegar no sono às 11h da manhã. A todo momento levanto para conferir as portas e só saio para alguns lugares, mas sempre acompanhada por muitas pessoas.

“A LEI PROTEGE O AGRESSOR”

Eu nasci feminista. Sempre quis ter uma profissão, meu trabalho e dinheiro, minha casa e minhas próprias conquistas. Não fui criada para ser uma boneca, me casar e dar filhos para um homem. Nasci para ser independente.

A gente acha que isso nunca vai acontecer com a gente, que essas coisas só passam na televisão ou na casa do vizinho, mas quando nos vemos dentro dessa situação, entendemos que não é assim que funciona.

Infelizmente, a lei protege o agressor. A lei dos homens protege os homens. Se uma pessoa rouba um telefone, ela pega seis anos de prisão e cumpre dois. Já se um homem tenta matar uma mulher e invade sua casa com um facão, ele fica seis meses preso e outros só dormindo na cadeia.

Há um mês aconteceu um caso parecido próximo a mim: o namorado de uma menina amarrou os filhos dela e a esfaqueou. Ela ainda conseguiu sobreviver. Alguns anos atrás, uma menina foi morta a tiros pelo ex. Isso é o tempo todo! Todos os dias tem feminicídio, sabe?

Sinto medo porque a justiça não protege a mulher. A única coisa que me disponibilizaram foi ir para um lugar com outras vítimas, mas aí não posso trabalhar, ter telefone, nem contato com ninguém. Alguém tenta me matar e eu é quem tenho que ficar presa?

Cheguei a pensar em parar de fazer shows, mas tenho que trabalhar. Acho que estou vulnerável porque as pessoas me reconhecem. Eu não posso andar nas ruas, não posso fazer amizade na vizinhança. Tenho que entrar e sair pela garagem com os vidros fechados para as pessoas não me reconhecerem. Senão um comenta com o outro e todo mundo acaba sabendo meu endereço. Ninguém sabe para onde me mudei, somente duas ou três pessoas.

Penso que deveria ter colocado um ponto final quando ele começou a controlar minhas roupas, minha maquiagem, meu perfume e até meus trabalhos. Pouco tempo antes de terminar, ele chegou a rasgar as roupas que eu ia usar no show. Tive que colocar uma faca na cintura, uma roupa na sacola e sair de casa. Fiquei pelada na rua e troquei de roupa ali para poder ir trabalhar.

Às vezes ele ia para a igreja, ajoelhava no altar, chorava, pedia perdão, falava que ia mudar, dizia que seus relacionamentos anteriores não passavam segurança e por isso ele não sabia como lidar com aquela situação. Eu perdoava, mas a tranquilidade durava seis meses e logo aconteciam novas crises de ciúmes.

A gente aprende que mulher tem que ser acolhedora, perdoar, lutar pelo casamento e pela casa. Mas isso não é certo, não somos obrigadas a carregar nenhum homem nas costas. Meu conselho é que você não seja essa mulher que eu fui. Se ele vacilou, ponha ele pra fora. Se pensar em agredir, termine enquanto é tempo. A gente empurra com a barriga, aí eles matam a gente e ficam livres. Se ficassem presos, não morreríamos.”

Mc Carol (Foto: Reprodução/Instagram)

Fonte: Marie Claire
Créditos: Marie Claire